1. Temos vindo a publicar as memórias do nosso Camarada Fernando Chapouto, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 1426 (1965/67), Geba, Camamudo, Banjara e Cantacunda. Este é o 4º poste, publicamos a primeira parte no poste P4877, a segunda no P4890 e a terceira no P4924.
AS MINHAS MEMÓRIAS DA GUINÉ 1965/67
A Companhia foi deslocada para o sector de Bafatá em 07OUT65.
Terminado o aperfeiçoamento operacional em Bissau, no princípio de Outubro, parte da companhia foi para Bafatá, tocando-me novamente avançar à frente com a minha secção. Éramos sempre os mesmos a avançar. Não sei se foi por ter estado nos RANGERS, em Lamego, ou se confiavam nas minhas capacidades. O que é certo é que a mim tocou-me ir para Camamudo.
Quartel de CAMAMUDO. Pode ver-se o armazém da mancarra com os abrigos e bidões cheios de terra à sua frente.
O Furriel Vaqueiro foi para Cantacunda e o Furriel Paio ficou em Bafatá. Recebi o espólio do pelotão antigo, fui responsável do rancho (onde fui enganado com um barril de toucinho com cem quilos, que em vez de toucinho tinha sal), tive que ao longo do tempo compensar do meu bolso.
Não tornei nada operacional, enquanto não se completou a rendição total dos velhinhos (como gostavam de ser chamados). Todos os dias se efectuava o reconhecimento do sector e realizava-se contacto com as populações.Numa dessas saídas passamos por Sara Banda, onde um furriel nos preparou para o perigo com que nos iríamos deparar. Depois seguimos em direcção a Banjara, mas paramos em Mansaina, tendo eu ficado aí num jipão e alguns soldados.
O alferes e o furriel mais antigo seguiram num jipe com dois ou três soldados, mas ao depararam-se com algumas abatizes, como faltavam uns 3/4 quilómetros, regressaram a Mansaina e acabamos por voltar para Camamudo. Só mais tarde é que me apercebi do perigo em que o furriel nos havia metido, pois habitualmente só com carros blindados é que se ia para aqueles lados. Duas semanas depois foram-se embora os restantes velhinhos, completando-se a rendição total, tendo ficado apenas os piriquitos (como eles nos chamavam).
Como fomos dos primeiros a chegar com a farda verde, em meados de Novembro, fomos dar protecção à tabanca de Ualicunda, junto a fronteira com o Senegal. Duas secções do meu Pelotão e o Vaqueiro com uma secção do 3º. Pelotão. Foi aí que o nosso guia Junco pisou uma mina anti-pessoal, ficando ferido gravemente numa perna.Aí permanecemos seis dias a rações de combate.
Destacamento de Banjara. Instalações dos oficiais, sargentos e bar. Na frente como barreira protectora - bidões cheios de terra.
Operação AURORA (Banjara zona do Oio)
Em 25NOV65, fomos tentar ocupar Banjara. Os velhinhos tinham comentado que era difícil. Como relatei acima, eu mais o Fur Mil antigo, com a minha secção e o alferes, já tínhamos chegado às abatizes, depois de Mansaima, a uns três/quatro quilómetros de Banjara.
Os grupos de combate concentraram-se em Sara Banda, partindo em seguida até Mansaina, onde jantamos mais uma ração de combate e aguardamos a hora de avançar, que se deu por volta das duas da manhã do dia 26.
Seguimos em fila indiana, passando cinquenta e quatro abatizes, até à entrada de Banjara, chegando aí por volta das 04h30. A minha secção ia na retaguarda e devia ficar emboscado do lado direito da estrada, com a missão de observar o inimigo caso tentasse passar pelo pontão, porque pela bolanha era difícil devido ao abastado caudal da água.
Tive então uma grande batalha, não com o IN, mas sim com um grande monte de baga-baga que estava à minha frente. As formigas picavam que se fartavam e só quando amanheceu, é que eu vi uma enorme quantidade de formigas.
Como o IN não quis nada connosco começamos a concentrar-nos no centro, em volta de uma casa a poente, onde chegou outra companhia vinda de Mansabá, que também teve que ultrapassar 18 abatizes.
O Capitão pediu um voluntário para pôr uma bandeira nacional em cima da casa e como ninguém se ofereceu, lá subi eu para cima da casa, que estava toda destruída, e coloquei a bandeira atada a um barrote.
Foi uma ocupação sem um tiro. Nem sinais de IN nem de população, quando havíamos sido informados que era uma operação de alto risco, em virtude de se tratar de um local no centro do Oio e local habitual de passagem do IN, com material bélico, para Sinchá Jobel e outras localidades, a nascente de Banjara.
O Capitão distribuiu os pelotões e ao meu tocou-nos a parte nascente, logo a seguir ao pontão. Munidos de pás e picaretas toca a cavar trincheiras e abrigos, para nos defendermos em caso de necessidade. Mãos à obra. Estava eu a retirar terra com uma pá, do solo, quando cai uma cobra enorme ali.
Claro que levou logo com a pá tendo ficado cortada em dois. Acabamos os abrigos, todo dia a ração de combate. A noite muito fresca foi passada já nos abrigos, parecia que o dia nunca mais chegava. Do IN também não se registava qualquer sinal.
A partir da manhã seguinte, como a engenharia já tinha colocado o arame farpado numa área considerável, fomos para o interior da vedação, onde tomamos café e em seguida montamos segurança ao destacamento.
À minha secção coube-lhe a segurança do lado do pontão, do lado nascente da estrada. Ali montamos tendas de campanha. Pensei para comigo será que é para ficarmos aqui. Falei com os outros furriéis e eles disseram-me que sim, parecia que era para ficarmos… e ficamos mesmo!
30NOV65, começou o patrulhamento em volta de Banjara, começamos pelo circuito Tumania, Bantajá e Sambulacunda, com a minha secção sempre atrás, pelo que não me apercebia do que se passava à frente. Quando chegamos a Tumania, já a população se tinha refugiado no meio da vegetação, que ali era alta e densa.
Continuamos o itinerário para Bantajá e a vegetação tornava-se cada vez mais densa, até perto da tabanca, onde sofremos então uma emboscada.
À entrada da tabanca ouvimos uns tiros do inimigo, aos quais o pessoal mais avançado respondeu imediatamente. Como eu estava muito longe, ao ouvir o tiroteio pensei que não era nada comigo.
Foi feito o cerco mas a população mais uma vez escapou, apenas três nativos não conseguiram os seus intentos, dois eram idosos e pareciam indefesos e um rapaz novo, que foi feito prisioneiro e nos acompanhou nessa qualidade.
Como já era tarde regressamos a Banjara e ficou Sambulacunda para outro dia.
Perto de Banjara, depois de passarmos a bolanha, fomos emboscados pela retaguarda da companhia, e tivemos um ferido.
Sem que ninguém tivesse dado por isso, o Capitão pediu-me para mandar uma bazucada na direcção de onde tinham vindo os disparos. Distanciei-me o necessário ara não colocar em perigo o pessoal atrás e lá foi uma bazucada na direcção indicada.
Continuamos a marcha e, de repente, o Furriel Vaqueiro deu pela falta de um soldado, tendo voltado atrás à sua procura, acabando por o encontrar ferido perto da bolanha.
Como já estávamos perto de Banjara o capitão não se apercebeu, nem o restante pessoal, e continuamos até ao destacamento. O Vaqueiro quando chegou, estava todo vera com o capitão, gritou com ele, dizendo-lhe que o abandonaram sozinho com o ferido, ao que o capitão respondeu que não fora informado de nada e lá acabaram por se acalmar.
Nesse dia, à noite, fomos atacados com rajadas de espingardas automáticas, tendo-se gerado grande confusão (cada um refugiou-se no seu posto), mas foi coisa rápida e tudo se silenciou novamente.
Como piriquitos que éramos, mesmo de noite, lá deixamos fugir o prisioneiro. Ainda hoje me pergunto, como é que ele foi tão rápido a fugir, pois estava tudo vedado com arame farpado e com garrafas de cervejas penduradas, para alertar se alguém de noite tentasse entrar no aquartelamento.
Mais uns dias a montar segurança, pás e picaretas… e preparar abrigos subterrâneos.
(Continua)
Um forte abraço do,
Fernando Chapouto
Fur Mil Op Esp/Ranger da CCAÇ 1426
Fotos: © Fernando Chapouto (2009). Direitos reservados.
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Nota de MR:
Vd. postes anteriores desta série, do mesmo autor, em:
1 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4890: Estórias do Fernando Chapouto (Fernando Silvério Chapouto) (2): As minhas memórias da Guiné 1965/67 – Escolta a barco para Farim
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