segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Guiné 63/74 - P4949: (Ex)citações (43): O exorcismo dos nossos fantasmas... (António Matos)

1. Comentário do António Matos (ex-Alf Mil Minas e Armadilhas,)CCAÇ 2790, Bula, 1970/72), ao poste de 11 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4936: O segredo de... (6): Amílcar Ventura: a bomba de gasóleo do PAIGC em Bajocunda

Para ser franco, tenho alguma dificuldade em começar este comentário pela catadupa de sentimentos antagónicos que me assaltam o espírito quer pelo delito propriamente dito, quer pelo desassombro do seu autor quer ainda pelas manifestações de repúdio algumas das quais a merecerem os mais vivos reparos por pessoas de bem.

Ainda que desde 1852 (10 de Março) tenha começado a discussão da abolição da pena de morte em Portugal, a verdade é que só em 1976 (!!) a Constituição (nº 2 do artigo 24) estabeleceu objectivamente o seu fim para todos os crimes. Torna-se, portanto, extemporâneo vir agora acicatar os ânimos com alarvidades de pseudo carrascos !

Do ponto de vista filosófico e ético a defesa da pena de morte enferma da irreversibilidade do acto o que, nos tempos modernos não augura nada de bom para os seus defensores tantos são os casos de, ao fim de 20 ou 30 anos de cativeiro, virem a ser considerados inocentes aqueles que tinham sido considerados culpados.

Peço, pois, e com a autoridade que me confere o estatuto de ex-combatente que nunca pactuou com habilidades que pudessem prejudicar a segurança dos que comigo palmilharam a merda daquelas picadas, matas ou bolanhas, que sejamos suficientemente open minded [, abertos de espírito,] de modo a darmos o nosso veredicto depois de muito bem explicada toda a situação envolvente do Ventura.

A ti, Ventura, dirijo-te agora a palavra em discurso directo: acredito que te safaste de uma boa polinheira em não teres sido descoberto naquela altura! Mas também aceito que, por ingenuidade (independentemente das razões pessoais que omites) ou mera estupidez, não tenhas quantificado minimamente as consequências dessa atitude e isso, não te ilibando, servirá de atenuante. Assim tu assumas com humildade essa postura perante eventuais camaradas sacrificados por via dessa tua acção e eu a levarei a crédito da tua inimputabilidade.

O tão apregoado conceito de roubo do gasóleo que o Ventura oferecia ao inimigo não era mais pecaminoso do que o aproveitamento da dispensa dos víveres que era alvo de desvios para fins inconfessáveis da oficialidade gestora das CCS [dos batalhões] ! E ninguém se manifesta ?

Longe de branquear a atitude do Ventura, julgo poder haver espaço para lhe compreender a tentativa de passar incólume no horror da guerra (outros tentavam baldar-se ao mato besuntando as entranhas anais com alho provocando acessos febris imensos !!! ). O cagaço manifestava-se de muitas maneiras e às vezes até provocava fugas para a frente dando origem a falsos heróis que ainda hoje lhes dão referências honoríficas FALSAS !

E tanto que se poderia dizer, a bem e a mal deste tipo de atitudes e de quem as assume...

Finalmente, acho que a actual atitude do Ventura em vir a terreiro exorcisar a sua culpa (é uma conclusão lógica) é um pouco como o Descascar a Cebola do Günter Grass. Também este mereceu a crítica contundente do mundo mas nem por isso o deixámos de admirar.

Talvez valha a pena pensar nisto.

António Matos


[Revisão / fixação de texto / título: L.G.] (*)

__________

Nota de L.G.:

(*) Vd. último poste desta série > 5 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4900: (Ex)citações (41): Resposta ao P4813 (J. Mexia Alves)

10 comentários:

Anónimo disse...

Caro Matos (de Bula, pelo que o presumo combatente...) deixemos a falinhas mansas e as 'compreensões' tardias - o sujeito estava infiltrado,com ou sem missão clara atribuída mas com intenção genérica de natureza ideológica, pelo menos; no que, a avaliar pelo que se passava então
(1973), não teria sido único e, menos ainda, ingénuo ou inocentado por razõs como aquelas, mais ou menos poéticas, que têm aqui vindo a ser evocadas - tratou-se de uma acção militante, imprecisamente empenhada e consciencializado mas intencional.
Não há naquilo qualquer valor a reconhecer; deste lado...
Nem mesmo a graça do vitelo em troca do garrafão de vinho do poço do Xitole (uma acção não confirmada que ouvi contar lá) tem aqui cabimento.
Quem quisesse combater do outro lado, não se apresentava ou desertava e oferecia-se ou mantinha-se, agora como infiltrado, e enfraquecia-nos - isto é traição.
O facto (no caso particular deste sujeito comum)de se ter 'desmascarado' não tem qualquer valor acrescido diante do registoque existe, vasto,de situações análogas.
Tratar-se-à apenas de um gesto catártico sem alcance social e que não merece acolhimento.

S Nogueira

Anónimo disse...

(O meu comentário resulta da comparação que faz com o Grass. Lembra a semelhança de ervilhas de cheiro com caganitas de cabra...

S Nogueira)

Anónimo disse...

(E
que se me desculpe o curto circuito - ali em cima, onde disse Xitole queria dizer Porto Gole

S Nogueira)

António Matos disse...

Caro S.Nogueira, presumes e presumes muito bem que fui combatente.
A polémica, se é que existe ( faz o favor de notar que a esmagadora maioria dos comentários - senão todos - vão no sentido da reprovação da acção )não será definitivamente a que se poderia abrir agora entre mim e ti tendo por base a comparação com o Günter.
Prosápias à parte, não foi nada disso que eu disse !
É por demais evidente que só por idiotice se comparava agora o Ventura ao polaco !
A comparação ( se preferires substituo o vocábulo por "paralelismo" )tem a sua confluência em atitudes colaboracionistas que apoquenta ou apoquentou as respectivas mentes.
Ambos precisaram de redescobrir os jovens que hoje lhes são estranhos e de questionarem os seus comportamentos em determinadas situações ( palavras de Günter ).
"Aquilo que eu aceitei com o estúpido orgulho dos meus anos de juventude, tentei, depois da guerra, movido por uma crescente vergonha, ocultar perante mim próprio" ( outra citação do polaco ).
"Não sabia nada dos crimes de guerra que mais tarde vieram à luz, mas a afirmação da minha ignorância não pode ocultar a consciência de haver estado integrado num sistema que planificou, organizou e executou o extermínio de milhões de pessoas" ( prémio nobel da literatura dixit ).

Finalmente não sei a quem dedicas a pequenez da ervilha ou o azeitonado da caganita da cabra sendo que, qualquer que seja a atribuída ao Günter Grass, será, concerteza uma visão demasiado tacanha se não fôr rapidamente esclarecida.
Um abraço,
António Matos

PS - continuo a incentivar o Ventura a não tardar em explicar melhor as suas motivações e a esclarecer o quanto o incomoda ( ou não ) essa sua insensata tentativa de alcançar a paz na Guiné naquele tempo .

JD disse...

Caro António,
A sensatez, o alicerçado raciocínio, a feliz comparação, a tua participação na guerra com os engulhos do operacional, com a lucidez de quem viu aproveitarem-se da sua entrega, e a sabedoria que manda aferir para atirar certeiro, vêm demonstrar a falta que fazes no blogue.
Já disse que não faria nada do que nos foi contado. De alguma maneira fiz frente aos "senhores" da guerra, que se governavam em prejuízo do Estado e do pessoal, enquanto a maioria, resignando-se, aceitava tacitamente. A impunidade dessa gentalha permite-lhes, ainda, confraternizar com os que prejudicaram. É só convidá-los.
Perturba-me que a falta de critério e sentido crítico continuem a provocar o abate dos mais fracos.
Para ti e para a Tabanca vai um abraço fraterno.
J.Dinis

Luís Graça disse...

Só por uma questão de rigor factual: O Günter Grass é alemão, embora nascido em território hoje polaco (Gdansk, a antiga Danzig),
http://pt.wikipedia.org/wiki/G%C3%BCnter_Grass

"Descascando a cebola" é uma obra autobiográfica, onde revisita o seu doloroso passado nazi, enquanto jovem... Edição portuguesa, 2007, Campo das letras.

Não li a obra (só conheço o Tambor). Retiro do Poral de Literatura a seguinte citação, que até vem a propósito do acso do AV e do comentário do António Matos:

«Quando é importunada com perguntas, a recordação assemelha-se a uma cebola, que quer ser descascada, para que possa vir à luz aquilo que é legível, letra a letra: raramente de forma unívoca, muitas vezes como escrita em espelho. A cebola tem muitas camadas. Mal é descascada, renova-se. Cortada, provoca lágrimas. Só ao descascá-la fala verdade. O que aconteceu antes e depois do fim da minha infância, bate à porta com factos e decorreu pior do que o desejado, quer ser contado às vezes assim, outras de maneira diferente e desencaminha para histórias de mentira.»

http://www.portaldaliteratura.com/livros.php?livro=4160#ixzz0RB1ljkaM

António Matos disse...

Reposto o rigor factual que se impunha fruto de uma desatenção da qual me penitencio, volto a sugerir ( agora explicitamente ) a leitura desta obra onde o alemão se introspectiva reconhecendo a sua estupidez pelo colaboracionista que, inconscientemente, foi.
António Matos

Anónimo disse...

Nem a acção do soldado da Guiné, aqui em causa, merece tanta dedicação nem a esta discussão deixou de ser inútil sobretudo porque continua a 'fazer desviar o olhar' e pelo que se sabe, não parece haver qualquer semelhança, in illo tempore, entre os dois homens:
-um era soldado em zona afectada e fornecia combustível ao inimigo
-o outro era apenas soldado alemão durante a II Guerra.
(passo os detalhes que seriam de relevo,nos dois casos)

É simples e clara a diferença de "culpas", não é?

S Nogueira

António Matos disse...

Felizmente que somos pensantes e que temos a capacidade de não nos deixarmos enredar nas evidências dos outros sem qualquer crivo do nosso próprio contraditório.
Não só não concordo que a acção do soldado da Guiné, aqui em causa, não mereça tanta dedicação como, bem pelo contrário, aí está o número de comentários que já provocou para o provar.
Até já sabemos que o crime configura uma moldura penal de 12 a 25 anos de prisão!
E dizes tu que não merece dedicação ?

Quanto "à simples e clara diferença de culpas" entre o Vicente e o Grass, não partilho do mesmo entusiasmo interpretativo pois, na verdade, ambos se sentiram na necessidade de expurgarem a culpa ! Essa sim, torna clara, para mim, a semelhança.

Bom, dou por terminado este exercício de pingue-pongue que desvirtua o cerne da questão mas deixo uma nota no sentido do S.Nogueira mostrar a sua fotografia pois desconheço o meu interlocutor e isso também não configura a norma dos intervenientes nos sempre desejados pontos de vista deste blogue.
Um abraço ao meu irreconhecível opositor Nogueira bem como a toda a Tabanca.
António Matos

Anónimo disse...

Caro António Matos.

Ao referir o dispositivo

legal,limitei-me e porque

estava com "as mãos na massa"

a corresponder ao que foi so-

licitado pelo nosso Comandante

Luís Graça.Nada mais...Abraço Jorge