sábado, 26 de setembro de 2009

Guiné 63/74 – P5014: Estórias do Mário Pinto (Mário Gualter Rodrigues Pinto) (20): Os códigos secretos da guerra

1. O nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os morcegos de Mampatá" (Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71), enviou-nos a sua 20ª estória:


Camaradas,

Ao vasculhar o meu baú de memórias, dei com este texto que, em outros tempos, escrevi sobre os nossos camaradas Operadores de Cripto.

Penso que, com a sua publicação no blogue, prestar-lhes-ei o meu pequeno e modesto, mas mais que justo contributo.

O Titulo que dei ao texto foi:

"CÓDIGOS SECRETOS DE GUERRA"

As trocas de transmissões de mensagens entre os diversos elementos das diversas Unidades espalhadas pelo território, bem como entre os operacionais no terreno, tornavam-se indispensáveis e cruciais à realização de toda e qualquer acção militar e ao melhor êxito na sua concretização.

Em inúmeras situações, além do intercâmbio de informações vitais acerca de todas as matérias em jogo nas nossas movimentações, em acções de combate, pedidos de dicas sobre orientação, apoio de fogo com armas pesadas, pedidos de socorro, etc. permitiam-nos, essencialmente e acima de tudo, actuar com prontidão e eficácia na evacuação dos nossos feridos.

Os operadores de Cripto, eram então os militares que cifravam e decifravam as mensagens classificadas, a que eram atribuídos os seguintes graus de segurança: RESERVADO, CONFIDENCIAL, SECRETO ou MUITO SECRETO.

Além do envio e recepção de mensagens, também escutavam, interceptavam e, ou, interferiam nas transmissões efectuadas entre os guerrilheiros do IN.

Para proteger as nossas trocas de informações (mensagens faladas via rádio), de modo a evitar a eventual decifração pelo IN das mesmas, foi imaginado e criado o uso de Códigos Secretos.

Os referidos códigos eram constituídos por dígitos e símbolos, que dispostos numa mensagem, aparentemente, não demonstravam qualquer nexo a um qualquer leitor, e estavam, geralmente, compilados em pequenos manuais, de acesso muitíssimo restrito.

A sua distribuição era feita de maneira muito específica e cuidadosa, apenas a determinadas e seleccionadas hierarquias superiores e, do mesmo modo, a militares seleccionados e de altíssima e insuspeita confiança.

Qualquer suspeita de fuga de informação, ou de desconfiança que o IN, por qualquer motivo, descodificara os códigos em uso, implicava a sua imediata alteração.

Os Operadores de Cripto tinham os códigos secretos de decifração das mensagens, que circulavam nos Comandos da Guiné.

Como é óbvio dominando soberbamente esta matéria, os nossos criptos tornavam-se “apetitosos” elementos a capturar pelo IN, pelo que eram sempre homens muito bem guardados.

Nos aquartelamentos do mato, zelávamos atentamente pela sua segurança, para que nada lhes acontecesse e muito menos deixá-los ser apanhados.

Lembro-me de um “Top Secret” chegar a Mampatá, e nos ter alertado para este precioso e importante facto.

Haviam informações de que o IN, procurava por todos os meios capturar pelo menos um dos nossos criptos.

Estes especialistas, devido ao seu estatuto de “secretismo”, tinham todos fichas de caracterização pessoal na PIDE/DGS, e após as suas desmobilizações da tropa, eram vigiados/controlados, durante longos períodos da suas vidas, por aquela polícia política, visto que, mantinham nos seu cérebros o domínio dos segredos utilizados na codificação, que tinham aprendido e empregue ao longo das suas comissões de serviço.

Lembro-me do Ramos um desses Operadores Criptos da minha Companhia dizer, num dos nossos encontros anuais, que depois de passar à “peluda” ainda tinha sido abordado pela PIDE/DGS.

Naquele tempo haviam especialidades, que nós do mato julgávamos que eram privilegiadas, mas afinal não passavam de um grande bico-de-obra.

Um abraço,
Mário Pinto
Fur Mil At Art

Fotos: José Félix (2009). Direitos reservados.
___________
Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

2 comentários:

Anónimo disse...

tens razão, mais,psicologicamente eram dos mais afectados, eram os primeiros a tomar conhecimento do que de bom e mau iria acontecer, ainda antes dos proprios comandantes dos aquartelamentos, agora imagina o de guileje a receber as secretas e muito secretas, e ter que ficar calado, sem se poder manifestar. um abraço.

Victor Alfaiate

Anónimo disse...

É isso aí amigo Mário! Eu fui Op Cripto da CCAV8351 Os Tigres de Cumbijã, comandada pelo Cap Vasco da Gama que tão bem sabe expôr as suas ideias e ideais no nosso blogue...
Nunca gostei muito de falar sobre a então nossa Especialidade até porque tudo (ou quase tudo)o que se escreveu sobre ela é indubitavelmente uma pequena amostra das pressões sociais, situacionais e quantas vezes de cariz psicológico altamente afectantes!...
Só te vou comentar um pequeno caso que aconteceu quando estava no início da minha especialidade no BRT em Trafaria: Numa tarde, em que acidentalmente estava responsável pela turma por ausência temporária do nosso instrutor (Cap Lourenço), batem à porta e eram dois elementos da PIDE/DGS que vinham para falar comigo e, ficaram deveras admirados por eu estar a ocupar temporariamente aquele cargo... Quando chegou o Cap. vim com eles para um sala ao lado e, após uns minutos fiquei a saber que eles só não teriam conhecimento de que côr eram as trousses que eu vestia!... Depois de ma falarem de duas vezes em que tinha fugido de moto à GNR por umas eventuais infracções (que tinha sido verdade...), pergutaram-me assim: E O TEU PAI? Porque é que ele fez parte da Comissão de Apoio à candidatura do Humberto Delgado?... Enfim, eu sabia que tinha sido verdade mas, lá os consegui convencer que à altura em que isso teria acontecido eu quase usava fraldas e... lá "engoliram" a desculpa e me deixaram...
Este é um simples momento caricato mas que bem demonstra a pressão (neste caso política)a que estávamos sugeitos...

Um abraço

João de Melo