terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Guiné 63/74 - P5591: Memória dos lugares (63): O Xime, o Alferes Capelão Puim, os mandingas e o meu tio Mancaman (J. C. Mussá Biai)


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Tabatô > 15 de Dezembro de 2009 > O médico e músico João Graça entre os mandingas... Tabatô, a mítica meca da música mandinga, terra natal do grande músico guineense Kimi Djabaté, guitarrista, percussionista e tocador de balafón, que vive hoje em Lisboa (tal como outro grande músico, também mandinga, natural do Bagu, o nosso já conhecido Braima Galisssá).

Tenho dúvidas sobre a actual localização de Tabatô: o João diz-me que fica a 13 km, depois de Bafatá, na estrada para o Gabu. Eu localizeu, na carta 1/50.000 de Bafatá,  uma tabanca, com esse nome, no regulado de Cossé, a sudoeste de Bafatá, portanto em sentido oposto ao Gabu... Será a mesma tabanca, transferida, com a guerra colonial, por razões de segurança ?... Se alguém puder que nos esclareça...

Hoje, Tabatô é um local de visita obrigatória para os amantes da música e da cultura mandingas... O João passou lá uma noite inesquecível com a grande família, de músicos, do Kimi Djabaté... Teve o privilégio de ouvir 20 músicos (kora, balafon....) só para ele e de tocar com eles, o seu violino (o João integra a banda de música klezmer Melech Mechaya) ... Espero que ele em breve nos mande o seu "diário de bordo" para publicação, total ou parcial, no nosso blogue (LG)...

Foto: © João Graça (2009). Direitos reservados

1. Do nosso amigo José Carlos Mussá Biai, o "menino do Xime", do meu tempo (tinha seis anos, quando lá aportei pela primeira vez, no dia 2 de Junho de 1969) (*)...


Assunto - Memórias do Alferes Capelão Arsénio Puim

Caro Luís

Viva!

Acabo de ler as memórias do Alferes Capelão Arsénio Puim (**), que me emocionaram bastantante. Estou em crer que já me cruzei com ele a pesar de nenhum de nós recordar, pois eu era um miúdo. Mas lembro-me de ver um Alferes Capelão com o meu pai, que era chefe religioso, na varanda.

Também me lembro de ter ido uma vez a capela, depois das aulas. Mas nunca lá voltei porque o meu pai não concordava, pois era uma religião que não professávamos.

Mas falando do Mancaman, ele era irmão do meu pai. Faleceu há mais de uma década em Xime e deixou quatro filhos.

Conforme disse numa das minhas mensagens, depois da guerra, todos que de alguma maneira fizeram parte do exécito português, tiveram as suas chatices e o tio Mancaman não foi exepção. Lembro-me do filho mais velho dele, o Malam Biai, ter ido juntar-se ao PAIGC, no auge da confusão de caça a(o)s bruxas(os), talvez para de alguma forma servir de protecção ao pai.

Mas, enfim, a vida jamais voltou ser a mesma.

Um abraço,

José C. Mussá Biai
__________________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de postes, da I Série do Blogue:


20 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXII: Estou emocionado (J.C. Mussá Biai)

(...) As fotos falam por si. Os locais por onde brinquei, onde dei alguns mergulhos... Melhor, ainda as pessoas que me viram nascer, que cuidaram de mim e com quem partilhei refeições, angústias e alegrias. Estou a referir-me aos meus irmaõs mais velhos (sim, meus irmãos de sangue) e de um primo-irmão dos quais lhe falei. (...)

9 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XV: No Xime também havia crianças felizes (1) (Luís Graça)

(...) "Dr. Luís Graça:


"Descupe-me roubar o seu precioso tempo, mas tomei a liberdade de lhe enviar este e-mail, porque estive a ler o seu blogue e vi que você cumpriu o serviço militar na minha terra, Xime, e logo nas companhias que marcaram a minha infância, CART 2715 e CART 3494. Isso porque há alguém que me ficou na memória para sempre por ter sido meu professor na única escola que lá havia, a PEM (Posto Escolar Militar) nº 14, e de nos ter feito crianças felizes. Essa pessoa é de Viana de Castelo, era furriel [miliciano]enfermeiro, de nome José Luís Carvalhido da Ponte. (...)

[Resposta de L.G.]

(...) "José Carlos: (...) Deixe-me confessar-lhe que [a sua mensagem] me comoveu mas ao mesmo tempo também me deixou uma pontinha de orgulho. Você não é dos guinéus que diabolizam os tugas (o termo depreciativo que, como deve estar lembrado, era utilizado pelos guineenses, em geral, para se referirem aos portugueses que ocupavam a vossa terra). Penso que esse tempo, em que as coisas eram vistas a branco e preto, já passou. O tempo dos ressentimentos já passou. A histórias e as estórias são sempre muito mais compridas e complicadas do que o tempo que a gente tem para as escrever e contar… Além disso, o meu país e o meu povo estão reconciliados um com o outro, e também com a Guiné e com os guineenses, os quais de resto continuam a ter um lugar especial no nosso coração de tugas.



"Dito isto, eu fico muito orgulhoso por saber que você era um menino do Xime, no meu tempo de furriel miliciano da CCAÇ 12 (Maio de 1969-Março de 1971), e que foi um outro furriel miliciano, enfermeiro, José Luís Carcalhido da Ponte, tuga, minhoto de Viana do Castelo, que o ajudou a aprender a língua de Camões, e que fez de si uma criança feliz. De si e de outras crianças do Xime. A sua mensagem revela uma grande sensibilidade humana, além da gratidão por um homem que, nas horas vagas da guerra, ensinava os meninos da Guiné.


"Claro que eu terei tempo e muito gosto em falar consigo, e daí deixar-lhe os meus contactos. O mais simples é indicar-me o seu número de telefone. Procurei contactá-lo rapidamente. E, se mo permitir, vou pôr o seu nome e o seu endereço de e-mail na minha lista de contactos de pessoas que, por uma razão ou outra, estão ligadas ao triângulo Xime-Bambadinca-Xitole no tempo da guerra colonial. Veja a minha página sobre os Subsídios para a História da Gerra Clonial> Guiné.


"Devo esclarecê-lo que eu não pertenci à CART 2715 nem à CART 3494. Sou mais velho do que os elementos destas companhias. Mas metade da minha comissão passei-o em contacto frequente com a CART 2715 que estava sedeada no Xime. Os camaradas da CART 3494 (que chegou ao Xime por volta de Janeiro de 1972) já não os conheci, mas eles continuaram a trabalhar com a CCAÇ 12 (que era formada por praças africanas, oriundas do chão fula, e em especial dos regulados de Xime, Corubal, Badora e Cossé; todos eles eram fulas ou futafulas, à excepção de um mancanhe, que era natural de Bissau; havia ainda dois mandingas). (...)


"Fiquei hoje a saber, pelo endereço de e-mail e por uma pesquisa rápida na Net, que o José Carlos Mussa Biai trabalha no Intituto Geográfico Português e é co-autor de um ou mais trabalhos de investigação na área de engenharia florestal onde se formou, relacionados com o seu país de origem" (...).

10 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XVI: No Xime também havia crianças felizes (2) (Luís Graça)

(...) Acabei de falar com o José Carlos Mussá Biai: nasceu em 1963, no Xime, e era menino no tempo em que por lá passaram a CART 2715 e a CART 3494. Era menino no tempo em que eu estive no Sector L1 da Zona leste, correspondente ao triângulo Xime-Bambadinca-Xitole.


Sei que, até ao fim da guerra, ele, a família e os vizinhos da sua tabanca sofreram muitos ataques. Uma família inteira, perto da sua morança, morreu. A sua infância não foi fácil. A vida também não foi fácil para a população civil, de etnia mandinga, que ficou no Xime.


(...) Em contrapartida, também houve algumas coisas boas. Por exemplo, o furriel miliciano enfermeiro José Carlos José Luís Carcalhido da Ponte, natural de Viana do Castelo, foi alguém especial na sua vida e na vida dos outros meninos do Xime. Foi seu professor primário na única escola que lá havia, a PEM (Posto Escolar Militar) nº 14. O Mussá Biai também teve como professor, depois da CART 3494 ter ido para Mansambo, o furriel Osório, da CCAÇ 12, que dava aulas no Posto Escolar Militar nº 14, juntamente com a esposa.


Em suma, o menino Mussá Biai fez a sua instrução primária debaixo de fogo. Um dos seus irmãos, o Braima, era guia e picador das NT. Tal como o Seco Camarà que morreu ingloriamente na Operação Abencerragem Candente, no dia 26 de Novembro de 1970, perto da Ponta do Inglês, no regulado Xime. O seu corpo foi resgatado por mim e pelos meus homens. Os restos humanos do mandinga Seco Camará, guia e picador das NT, morto à roquetada, foram transportados pelos meus soldados, fulas, para a sua tabanca do Xime. O José Carlos, embora menino, de sete anos, lembra-se perfeitamente deste trágico episódio em que os tugas do Xime tiveram cinco mortos, além do Seco Camará. (...)


O seu pai, um homem grande mandinga do Xime, era o líder religioso da comunidade muçulmana local. A família teve problemas depois da independência devida à colaboração com as NT. Depois dos tugas sairem, o José Carlos foi para Bissau fazer o liceu. Tinham-lhe prometido uma bolsa, se trabalhasse dois anos como professor para as novas autoridades da Guiné-Bissau. Ficou cinco anos como professor, até decidir partir para Lisboa e lutar pela obtenção de uma bolsa de estudo. Conseguiu uma, da Fundação Gulbenkian. Matriculou-se no Instituto Superior de Agronomia. Hoje é formado em engenharia florestal. Trabalha e vive em Portugal. Mas nunca mais voltou a encontrar os seus professores do Xime. E é seu desejo fazê-lo.


Moral da estória: O José Carlos é um exemplo de tenacidade, coragem, determinação e nobreza que honra qualquer ser humano. Que nos honra a nós e ao povo da Guiné-Bissau a ele que pertence. (...)


(`**) Vd. poste de 2 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5578: Memórias de um alferes capelão (Arsénio Puim, BART 2917, Dez 69/Mai 71) (7): Mancaman, mandinga, filho do chefe da tabanca do Xime, um homem de paz

8 comentários:

Luís Graça disse...

Meus amigos e camaradas da Guiné:

Ser solidário é também COMPRAR os CD dos grandes músicos guineenses que trabalham e vivem, a maior parte deles, fora da sua terra... Como o Kimi Djabaté ou o Braima Galissá, que vivem em Lisboa...

Temos que respeitar o seu trabalho, apreciá-lo, divulgá-lo, temos que ajudá-los a viver melhor... E isso contretiza-se através do respeito pelos direitos de autor, de convites para as nossas festas, de aquisição dos seus álbuns...

Os músicos guineenses vêm de uma terra com grandes tradições musicais e grandes talentos, mas menos que conhecida, em termos mediáticos, do que Cabo Verde: infelizmente, a guerra colonial foi não foi o momento o mais propício para o desenvolvimento desses talentos e a experimentação de novas gramáticas musicais...

O Djabaté (nascido em 1975) e o Galissá (mais velho, n. em 1964) são filhos da independência...

Aqui ficam as páginas deles no My Space:

http://www.myspace.com/kimidjabate

http://www.myspace.com/josebraimagalissa

Luís Graça disse...

José Carlos:

Sei que o assunto é melindroso, mas vamos falar claro, olhos nos olhos... A guerra acabou há 36 anos... A guerra colonial... Os tugas partiram para logo voltar, não já como guerreiros, mas como coooperantes, professores, empresários, hoteleiros, topógrafos, engenheiros, médicos, gestores, pescadores, viajantes, turistas... Voltaram como amigos e até, alguns, como irmãos...

Em contrapartida, Portugal tem acolhido muitos guineenses, e atribuído a nacionalidade portugesa àqueles que preenchem os requisitos legais... É o teu caso, por exemplo.

Gostava que me falasses mais - sei que isso é doloroso, e se calhar é pedir-te demais - do Xime do teu tempo, de menino e moço, da tua aldeia, da tua família, da tua comunidade mandinga...

Eu sabia, no meu tempo, que as "autoridades militares de Bambadinca" (ao tempo, o comando do BCAÇ 2852, 1968/70) olhavam a população do Xime com reservas...

A "lealdade" dos mandingas era posta em causa, em documentos classificados... A população do Xime tinha (?) parentes no Poindon/Ponta do Inglês, sob controlo do PAIGC...

Em contrapartida, nunca ninguém duvidou da lealdade de mandingas do Xime como Seco Camará, picador e guia (e, mais do que isso, um verdadeiro colaboracionista...) das NT...

O que teria acontecido ao Seco Camará se não tem tido o infortúnio de morrer a 26 de Novembro de 1970 (quando tinhas tu sete aninhos)?... Tu mesmo nos dizes, que "a vida nunca mais voltou a ser a mesma", depois da independência...

Só havia mandingas no Xime ? A tua família era toda originária do Xime ?

A população era (ou não) poupada, em geral, nos ataques e flagelações do PAIGC ?

Havia visitas do pessoal do Xime aos parentes no Poindon/Ponta do Inglês ?

Havia troca de produtos como acontecia nos Nhabijões ou em Mero ?

Tens alguma ideia da população, sob controlo no PAIGC, na margem direita do Corubal, maioritariamente balantas e beafadas ? Um estimativa, em números ?

O facto do filho mais velho do teu tio Mancaman ter "aderido" ao PAIGC (tardiamente ?), ajudou de algum modo a fazer a "transição político-militar", a partir de Agosto/Setembro de 1974... Ou não ?

Tens lembranças (dolorosas...) dos "ajustes de contas" levados a cabo sobretudo pela Juventude do PAIGC, no Xime, em Bambadinca, etc. Devo recordar-te que na altura do 25 de Abril a unidaded e quadrícula do Xime era uma companhia, a CCAÇ 21, composta por militares do "recrutamento local", muitos deles calejados e cansados da guerra como os militares guineenses da CCAÇ 12 (todos fulas e futa-fulas, só tínhamos em 1969 dois mandingas e um mancanhe, de Bissau... se não me engano)...

Já aqui referiste o fuzilamento, em Madina Colhido, de dois militares da CCAÇ 21, o Cap Graduado Jamanca e o Abibo Jau (no meu tempo, em 1969, soldado arvorado, em 1974 possivelmente Furriel graduado)...

Tens mais informações sobre os antigos militares da CCAÇ 12 (que terão integrado, uma parte deles, a CCAÇ 21) ?

Desculpa, são muitas questões... E difíceis. Responde às que quiseres e souberes. Ou não responde a nenhuma, se elas foram desconfortáveis ou intoleráveis para ti, a tua família, os teus amigos que lá ficaram... Mas em 1974, tu já eras um homem, um mandinga, de 11 anos...

Bons augúrios para 2010, para ti, para tua/nossa Guiné, para todos nós, lusófonos e cidadãos do mundo...

Joaquim Mexia Alves disse...

Caro Luís Graça

Leio o texto e os teus comentários e ... tudo bem!

Apenas não gosto disto:
«Em contrapartida, nunca ninguém duvidou da lealdade de mandingas do Xime como Seco Camará, picador e guia (e, mais do que isso, um verdadeiro colaboracionista...) das NT... »

Como sabes este termo "colaboracionista" tem uma carga fortemente negativa e até pejorativa, ora não tendo conhecido eu o homem em questão, mas tendo ele sido pelos visto um leal guia das Forças Armadas Portuguesas, parece-me que este termo não terá sido a melhor escolha para o caracterizar.

A menos que eu tenha entendido mal o sentido do comentário.

Abraço camarigo para ti e para todos

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Joaquim: Tens razão... O termo tem uma conatação que eu não lhe queria dar... Devia ser usado com aspas ou em itálico... I'm sorry. Conheci-o bem, trouxe-lhe os resros mortais para o Xime... LG

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Eis o que diz a Wikipédia sob este termo, "Colaboracionismo" (Atenção, já discutismo, com civilidade, este tópico; há seis referências ao termo "colaboracionismo"; não sei se o PAIGC o usava):


A palavra 'colaboracionismo' deriva do francês 'collaborationniste', termo atribuído àquele que tende a auxiliar ou cooperar com o inimigo.

Entendida como forma de 'traição', refere-se à cooperação do governo e cidadãos de um país com as forças de ocupação inimiga. A atitude oposta ao colaboracionismo — a luta contra o invasor — é representada historicamente pelos 'movimentos de resistência'.

Os colaboradores ou colaboracionistas muitas vezes agem visando proteção ou segurança mas também sob coação ou por medo. Em outros casos, visam obter lucros, enriquecimento e favores do inimigo. Freqüentemente, porém, assimilam a ideologia e o comportamento do invasor.

O introduzido durante a República de Vichy (1940-1944) pelo próprio Marechal Pétain que, em discurso radiofônico pronunciado a 30 de outubro de 1940, exortou os franceses a colaborar com o invasor nazista.

Posteriormente a palavra passou a designar a atitude de governos de países europeus que apoiaram a ocupação nazista, durante a Segunda Guerra Mundial.

Outros exemplos de colaboracionismo ocorreram em maior ou menor grau na Polônia, Bélgica, Países Baixos, Croácia, Eslováquia, Hungria e especialmente na Noruega, onde Vidkun Quisling governou de forma totalmente favorável aos nazistas. (...)

Fonte:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Colaboracionismo

Anónimo disse...

Luis Graça e Joaquim,

Este blog foi criando um critério de respeito pelas ideias de cada um de nós e de uns pelos outros que às vezes até chega a inibir-nos de dizermos o que na realidade pensamos para não melindrar ninguem.

E uma das verdades/mentiras que mais vezes omitimos tem a ver com o relacionamento/coloboracionismo, dos milhões de africanos que não colaboraram/aceitaram o PAIGC-MPLA-FRELIMO, e outros, mas que na realidade até queriam uma independência em relação ao branco/estrangeiro.

Antº Rosinha

Luís Graça disse...

Rosinha:

Ora aí está uma questão interessantíssima, oportuna, estimulante... E que não tem que ser fracturante!

Sabemos que a independênca da Guiné-Bissau foi obtida pela força das armas... Não foi feito (nem haveria condições materiais e políticas...para fazer) um referendo aos "guineenses"... O mesmo se passou em Angola e em Moçambique... O mesmo se passou com esta velha nação, que se chama Portugal, que se separu, violentamente, do reino de Castela... Ou com a Itália, que é um estado moderno, da II metade do Séc. XIX, e que também acedeu à "independència" através de um processo revolucionário... Enfim, poderíamos citar outros nacionalismos europeus: a Irlanda, por exemplo... Ou ainda mais recentes: a implosão da Jugoslávia...

A Espanha moderna resultou basicamente de uma aliança política (o casamento dos reis católicos, Isabel de Castelo e Fernando de Aragão) e da "reconquista" do Reino de Granada, o último reino mouro...

Em geral, são os líderes de movimentos sociais, ou as elites, que falam "em nome do povo"... Como são os padres que falam em nome de Deus... Amílcar Cabral tinha uma ideia para a Guiné-Bissau + Cabo Verde... que redundou em fracasso político, como tu pudeste testemunhar e ver ao vivo...

Estou certo que para muitos fulas, bastantes mandingas, quiçá também bastantes manjacos, e outros, não foi esta Guiné-Bissau com que sonharam... Mas a quantos reinos e impérios os seus antepassados estiveram sujeitos ? A quantos senhores serviram ?...

Os tugas foram apenas uns da imensa lista... de ocupantes e senhores daquele território... Antes de nós, tinham sido os fulas, e antes dos fulas os mandingas, etc.

Estou à vontade para utilizar o "nós" por que não sinto a mais leve culpa pelo "colonialismo português" (ou europeu)... Nenhum povo pode ser "colectivamente culpado", e muito menos com "efeitos retroactivos"...

Agora não podemos ignorar o brutal impacto negativo que teve, por exemplo, na Senegâmbia, na desestruturação das cimunidades locais, e dos sistemas políticos regionais, o esclavagismo... ou outros processos de vivência histórica... como a expansão europeia do último quartel do Séc. XIX...

Quantos milhares de guinéus (felupes, balantas, papéis, manjacos...) não terão embarcado no Cacheu a caminho das Américas ?

As raízes guineenses estão também presentes e bem vivas na música e noutras formas da cultura afro-americana, afro-brasileira, mas também afro-portuguesa... Os escravos balantas cultivavam os nossos arrozais, os primeiros escravos guineenses que vieram para Lisboa, trabalhavam no Hospital Real de Todos os Santos...

São essa raízes que temos de conhecer melhor e partilhar... Como fez o meu filho, que esteve a na Guiné, em Dezembro passado, e que tocou com músicos guineenses, papéis, mandingas, ...em bares de Bissau ou em tabancas como Iemberém (Região de Tombali / Cantanhez) e Tabatô (Região de Bafatá)...

Obrigado pela tua reflexão. Os teus comentários são sempre bem vindos. Luís

Arsénio Puim disse...

Luís Graça
Gostei muito de saber do meu amigo Mancaman, do Xime. Pelo que diz José Carlos, Mancaman deve ter morrido aos 60 e poucos anos, de morte natural.
Também conheci o pai, por quem Mancaman tinha grande veneração. Filho de pai mandinga e mãe papel, era um homem solene, que sabia pouco o português, mas falava um crioulo muito expressivo. Quando um dia lhe perguntei como é que aprendeu o crioulo, ele respondeu-me: - «ami mama crioulo».
Acho muito provável que eu também tenha contactado com o pai do José Carlos, pelo facto de ser o chefe religioso, embora não me lembre.
Um abraço

Arsénio Puim