1. Mensagem de José Manuel Matos Dinis* (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), com data de 11 de Janeiro de 2010:
Carlos,
Hoje envio um texto que não sei se cabe em alguma das rubricas existentes.
Trata-se de uma abordagem à componente política da guerra que, entre nós, foi comummente designada de "psico".
Sobre essa matéria afiguram-se-me muitas dúvidas e interrogações que derivam da minha experiência e venho partilhar no blogue.
Pode acontecer, até, que alguns conhecedores possam esclarecer sobre o assunto.
Para ti e para a Tabanca Grande, vai um grande abraço
José Dinis
Relativamente à "Psico"
A guerra de África, para além da belicidade implícita, também se desenvolvia na vertente política. De facto, uma preocupação das autoridades portuguesas concentrava-se na preservação das populações à influência das actividades dos movimentos emancipalistas, preocupação que, agora, apreciada à distância de 30/40 anos por estudiosos estrangeiros, atingiu objectivos muito satisfatórios.
De facto, quer em Angola, quer em Moçambique, durante o período da guerra, assistiu-se a crescendos económicos e sociais absolutamente notáveis. Desenvolveram-se infraestruturas, expandiu-se a Administração Pública, o ensino, a rede assistencial. A par disso, também as actividades privadas, da agricultura à industria, do comércio aos serviços, conheceram forte incremento, do que resultou um exponencial crescimento da mão de obra, alguma dela já com requisitos de especialização. Concomitantemente, aumentou a produção de riqueza. Por outro lado, cresciam e modernizavam-se os agregados populacionais e, é importante acentuar, harmonizavam-se as comunidades multi-raciais.
Na Guiné, porém, região de aparente parcos recursos, para além da exploração agrícola e do corte florestal, não se registou especial desenvolvimento em outras actividades, com excepção para o comércio animado pelo fluxo migratório de militares. Socialmente também não se notaram grandes progressos. O território também não foi apetrechado com equipamentos de monta, além de registar um tremendo deficit na capacidade para produzir energia.
Com estas condicionantes, a política designada "Por uma Guiné melhor", que o General Spínola promoveu como objectivo maior na preservação da fidelidade das populações ao interesse português, consubstanciava-se no proteccionismo daquelas, em áreas tão importantes como o suporte alimentar, a prestação de cuidados médicos e medicamentosos e, não menos importante, no incremento do prestígio das autoridades tradicionais, pela via da realização de congressos do povo, e o regular patrocínio de visitas religiosas a Meca.
Qualquer uma destas acções, isoladamente, se não seguissem uma política integrada, pouco valor teriam para o objectivo mais importante de cimentar a união do território pela fidelização dos povos, mais a mais, considerando a multiplicidade de raças naquele mosaico regional. No entanto, parece que não foram criados mecanismos dinamizadores e consecutivos para aqueles propósitos.
Para a prossecução desses objectivos, e na ausência de anteriores estruturas civis, passaria a caber à tropa um importante papel no suprimento daquelas necessidades, competindo-lhe a prestação assistencial às populações, bem como o fornecimento de alimentos, quando o clima de guerra era impeditivo das normais actividades de agricultura e pastorícia. Para além disso, devia ser feito algum esforço na área do ensino, condição essencial para a ligação dos povos autóctones à potência dominadora. Em boa verdade, não tenho a certeza de que essas políticas tenham sido bem organizadas, e que a tropa, nomeadamente a de quadrícula, tenha sido suficientemente sensibilizada e mobilizada para o efeito.
Devemos ter em conta que, naqueles tempos, era escassa a informação. Na Guiné não havia jornais, havia uma estação de rádio, não havia televisão. As populações, como a tropa, tinham, assim, como único veículo informativo, a audição de programas rediofónicos, sendo que as populações atendiam mais às emissões do Senegal e outros países limítrofes, enquanto a tropa ouvia o Pifas. Eram fracos e de reduzida audiência os serviços noticiosos, e praticamente nulos os de informação.
Assim sendo, e porque as autoridades portuguesas deviam conhecer a dificuldade, parece-me que a forma de a suprir, teria sido através da emissão de directivas de doutrina, informação e acçao, difundidas para as unidades militares, que empreenderiam as desejadas e coordenadas acções em todas as frentes. Essa forma de coordenação, teria que ser, posteriormente, devidamente fiscalizada na forma como teria sido concretizada, para os necessários ajustes, sempre que necessários.
Ora, do meu periscópio, tais medidas não aconteceram, e o programa "Por uma Guiné melhor" coxeou em vez de andar. Digo do meu periscópio, que é do meu ponto de vista, na medida em que na zona leste por onde andei, não vi, para além dos cuidados de enfermagem, e da tímida e discutível acção dos reordenamentos, qualquer obrigação ou estímulo relativamente à convivência e melhoria de condição das populações locais e autoridades tradicionais, por força de acções concertadas pela presença militar. Desta letargia resultou uma grande ineficácia na promoção da política de integração e fomento que seria desejável para o território.
De facto, na minha Companhia, a CCaç 2679, não tenho conhecimento que tenha sido lida ou discutida qualquer directiva sobre a matéria em apreço; também não aconteceu qualquer reflexão relativamente ao relacionamento com as populações; nem sequer a preocupação de fazer funcionar uma escola onde fossem ministrados conhecimentos primários para ler, escrever e contar, tanto para a tropa que deles carecesse, como para os jovens locais, sempre curiosos e com vontade de assimilar conhecimento, do que resultou uma vivência de costas voltadas, e a percepção, para os mobilizados, de que a "psico" constituía um mecanismo protector dos pretos e punitivo para os brancos, denegrindo-se nas bases a concepção política.
A confirmar-se a incongruência, isto é, que a estranha ausência da minha Companhia a integrar uma política comum a todo o território, com vista à promoção social, desenvolvimento económico e apoio à actividade da população, não foi prática isolada, antes o retrato extensivo à maioria das unidades militares, somos obrigados a concluir que o General Spínola, e, eventualmente, a sua entourage, comportou-se como um demagogo inane, referindo-se mais para os orgãos metropolitanos, do que preocupado em executar localmente, promovendo a sua imagem, talvez com outros objectivos.
__________
Nota de CV:
(*) Vd. poste de 8 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5614: História da CCAÇ 2679 (32): Reflexões sobre Tabassi e o mau relacionamento com o Trapinhos (José Manuel M. Dinis)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
5 comentários:
Caro Camarada José Dinis
A Acção Psico Social não foi inventada pelo General Spínola. Em 66
já existia com o General Schultz.
Nesse tempo e em Bissau era feita pelos pelotões que saíam em missões de reconhecimento e eram efectuadas
pelo Alferes que comandava e que se baseava em distribuir umas rações de combate e a uns tratamentos de feridas executados pelo Furriel ou Cabo Enfº com a distribuição de umas pastilhas LM que serviam para
todas as doenças. Isso de escolas e
outras coisas assim era para ficar no papel. Então no mato nem falar
nisso. Já tinha-mos que fazer que chegasse para nos preocupar-nos com
isso.E nem que quisesse-mos não havia qualquer suporte onde nos pudesse-mos apoiar-nos.
Armandino Alves
Ex-1º Cabo Aux Enfº
José Dinis,
Sobre o desenvolvimento rodoviário muito foi feito pelos militares, no entanto, sobre as comunicações telefónicas pouco ou nada avançou, mas julgo que também não havia interesse devido ao conflito, já quanto à televisão, posso adiantar que se encontrava altamente desenvolvido esse estudo, no Agrupamento de Transmissões, sendo um dos responsáveis o Alféres Rodrigues. Tanto quanto sei estaria praticamente concluido em Abril de 1974.
Um abraço
Belarmino Sardinha
Caro Zé Dinis,
passadas que são umas horas, sobre o nosso maravilhoso encontro, não houve de facto oportunidade, nem o assunto veio a lume.
Mas como estamos sempre em disposição para vermos estes problemas, vou informar-te do que fazia a minha C.CAÇ. 763 nos anos de 1965/66 em Cufar.
Foi criada uma escola, frequentada por mais de cem alunos das Tabancas de Iusse, Impungueda, Mato Farroba e Cantone. Para além da escola havia um monitor de educação física. Aos alunos era fornecido o pequeno almoço.
Era dada assistência médica às tabancas acima citadas, bem como trabalho remunerado: de capinagem da pista de aviação e apanha de peixe no rio Manterunga e lagoa de Cufar.
Seria fastidioso, inumerar dezenas ou mais casos de assistência médica e sanitária, desde casos de parto, até à efectivação de evacuações de doentes por via aérea para o Hospital de Bissau.
Com os meus próprios olhos, vi o meu amigo Juvenal (já não entre nós) Fur. Enfermeiro, pegar no pénis de um autóctone todo furado escorrendo pús e sangue, tratá-lo como se fosse a um soldado nosso.
Quando algum nativo morria, eram os próprios familiares que vinham ao aquartelamento convidar a Companhia, para assistir ao "Choro". É claro que seguia um hunimog com rações de combate e garrafões de vinho.
Quanto a mim, este problema da Psico Social, era um caso de conhecimento sobre as formas de anular o adversário. E quem sabia da "poda" fazia. Quem não estivesse preparado para actuar em todos os campos contra a guerrilha sofria as consequências.
Se mesmo trabalhando assim, nos vimos aflitos, que teria sido se não o tivesse-mos feito?
"Mistério!" "Como dizia Dona Quirina".
Um abraço dos tais do tamanho do Cumbijã!
Até breve,
Mário Fitas
CARO ZÉ
A MI MISTI FALA CUM BÓ!
NOS GUERA DONDE ESTIBI NOS BISSUM PÁ, HABIA MANGA DE PSÍCOLA PÁ.
AQUELES GENTES DO TABANCA PÁ,ELES TINHA PÁ, UM ISCOLA,UM FERMARIA COM MANGA DE PASTILHA E JEÇÃO PÁ,E SAROPE PÓS MININO PÁ.
NOS BISSUM,POPULAÇÃO JUGABA FUTIBOL COS BRANCO NOS PARADA QUE TINHA UNS BALIZA EM CADA LADO PÁ.
NÓS TODOS SI DAVA BEM PÁ.
NOS CANTANHEZ PA NUM TINHA PSICOLA EM CAFAL PÁ POIS NUM TINHA POPULAÇÃO PÁ,MAS EM CAFINE TINHA MUITA PSICOLA POIS BRANCOS DOS COMPANHIA DO MAIA PÁ, FEZ MUITAS MORANÇA PRA POPULAÇÃO PÁ.
OS PESSOAL DOS COMPANHIA PÁ FEZ POÇO PRA ÁGUA E FEZ ESCOLA.
E QUEM FEZ ADOBE PRAS MORANÇA FOI PESSOAL BRANCO QUI TAMBÉM FEZ TUDO PÁ.
MAIA PÁ CALCOU OS LAMA CUS PÉS E PÔS CAPIM NOS LAMA.
NOS FATIM TAMBÉM TINHA PSICOLA .
POPULAÇÃO DAVA CARNE PRO QUARTEL DO MAIA NOS DIAS DE RONCO,DOS CASAMENTO E DOS FUNERAL PÁ.
POPULAÇÃO VENDIA NHEC E PÓRCO PÁ PRA FAZER TAINADA PÁ.
E TINHA TAMBÉM FERMARIA PÁ.
PORTANTO PÁ NOS MINHA GUERA TINHA MUITA PSICOLA PÁ.
RESUMIA-SE A ISTO MAS O CERTO É QUE A VIVÊNCIA ENTRE A COMUNIDADE MILITAR E A POPULAÇÃO À NOSSA GUARDA ERA O MAIS PRÓXIMA POSSÍVEL.
CLARO QUE FOI POUCO,NÃO SE NOTAVA UMA POLÍTICA FIRME, ACTIVA MAS SIM UNS ARREMEDOS,UMA ESPÉCIE DE
TÍMIDOS TIQUES QUE, POR VEZES, FRUTO DA FALTA DE INFORMAÇÃO PARA QUE MELHOR FOSSE COMPREENDIDA E IMPLEMENTADA,GERAVA ATÉ GESTOS DE ALGUMA INCOMPREENSÃO.
RECORDO UM CASO QUE FOI VENTILADO DURANTE MUITO TEMPO,UM RUMOR OU BOATO,QUE ENVOLVIA UM FURRIEL QUE "NAMORAVA" UMA BAJUDA LAVADEIRA,UM CAPITÃO ENCIUMADO QUE GOSTARIA DE USUFRUIR DA POSIÇÃO DO SUBORDINADO POIS A BAJUDA SERIA UM PANCADÃO,O SISTEMA DE "ESCUTA" NO CLUBE DE OFICIAIS,E O HOMEM DO MONÓCULO "MAI-LA" A SUA DESMESURADA E PREPOTENTE MEDIDA QUE A SEU VER SE ENQUADRARIA NO ITEM DA DITA ACÇÃO PSICOLÓGICA...
O HERÓI/VILÃO DAS AMARELAS DE BICO P´RA BAIXO,TERÁ PASSEADO UMA DAS SUAS LADINAS MÃOS PELO QUARTO TRASEIRO DA REFERIDA BAJUDA/LAVADEIRA NUM GOLPE LIBIDINOSO INCONTROLADO(QUE DEVERIA SER APENAS FEITO NO RECATO DO SEU QUARTO...)
A DITA NUMA TENTATIVA DE ESQUIVA MAIS PARA INGLÊS VER(NESTE CASO CAPITÃO MIRAR...)DEIXOU CAIR A ROUPA QUE LAVARA PARA ESTE,ENQUANTO AO HERÓI/VILÃO,LAVAVA TAMBÉM CORPO...
O CIÚME ATINGE O SEU ZÉNITE E DO ALTO DOS GALÕES O CAPITÃO TERÁ REPREENDIDO O HERÓI/VILÃO APLICANDO-LHE UNS DIAS SEM PODER SAIR DA UNIDADE...
(CONTINUANDO A CITAR O BOATO...),EM DESLOCAÇÃO DIAS DEPOIS A BISSAU,O CAPITÃO TERÁ CONTADO A SUA VERSÃO,IGNORANDO A QUESTÃO CIUME E ESPECULANDO À VOLTA DA PSÍCOLA...
FOI "ESCUTADO" ,SEM SABER, POR UM DAQUELES GUERRILHEIROS DE PACOTILHA DE QUE BISSAU ERA FÉRTIL,
CARREGADOS DE MEDALHAS À GUIZA DO TÃO CANTADO AB,(PARA ALGUNS APONTA AÍ Ó BRUNO...)
A RESULTANTE DESSA INCONFIDÊNCIA DO CAPITÃO, A QUEM NUNCA PASSARA PELA CABEÇA O DESFECHO A QUE IRIA ASSISTIR DIAS DEPOIS,TERÁ SIDO A VISITA RELÂMPAGO DO HOMEM DO MONÓCULO,TAMBÉM CONHECIDO PELO HOMEM GRANDE,QUE TERÁ MANDADO CHAMAR A POPULAÇÃO E FORMADO O BATALHÃO(CREIO QUE TERÁ SIDO EM BULA)
DE SEGUIDA MANDOU AVANÇAR O REFERIDO FURRIEL/HERÓI, E, DIANTE DE TODOS, TER-LHE Á ARRANCADO AS DIVISAS NUM GESTO PREPOTENTE,INDIGNO DE QUEM SEMPRE PROCUROU TRANSMITIR A IMAGEM DE CABO DE GUERRA ALTAMENTE QUALIFICADO,E QUE FOI INTERPRETADO PELOS CONHECEDORES DA HISTÓRIA(?/BOATO(?) COMO UM DESESPERADO ACTO DE "ENGANAR A CEGA" (LEIA-SE ACÇÃO PSICOLÓGICA...) COM A PRESENÇA DAS POPULAÇÕES ILUDINDO-OS COM O "GESTO DO CASTIGO" AO "ABUSADOR",
DIANTE DE TODOS PARA O HUMILHAR...
NÃO SEI ATÉ QUE PONTO POSSA EXISTIR UM FUNDO DE VERDADE NESTA HISTÓRIA,MAS QUE ELA CORREU A GUINÉ FOI FACTO...
COMO VÊS,ESTE EPISÓDIO,A SER VERDADE,PODE TER CONSTITUÍDO UM SINAL DE EXISTÊNCIA DE ACÇÃO PSICOLÓGICA ABUSIVAMENTE TOMADA...
UM GRANDE ABRAÇO
MANUEL MAIA
Psico Sim - Psico não
Tal como o Manuel Maia, também ouvi a história sobre o furriel "malvado" que passou a mão no traseiro da bajuda.
Em nome da Psico Sim - e para castigar o "lobo mau" pelo seu "crime", o V.C.G. (Velho Cabo de Guerra)não foi de modas: mandou formar tudo na parada, chamou a população e, ali mesmo, despromoveu o furriel - em nome da Psico Não.
Confesso que nunca tive uma admiração por aí além pelo V.C.G., quer na Guiné (71/74) quer já depois do 25 de Abril, mas que este episódio contribuiu para a baixar ainda mais, isso contribuiu.
Creio que se apostava muito na Psico e pouco nas NT, isto em meu entender, claro.
Um abraço para toda a Tabanca
José Vermelho
Ex-Fur Milº
CCAÇ 3520 - Cacine
CCAÇ 6 - Bedanda
CIM - Bolama
Enviar um comentário