sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Guiné 63/74 - P5652: Blogpoesia (62): Do Homem guarda o silex o gesto / e nas marcas de sangue se guardam as ânsias de infinito (José Brás)


Continuação da publicação de poemas do nosso amigo e camarada José Brás (*), enviados em 29 de Março último à Cristina Nery, investigadora do CES/UC  (**).


Dr.ª Cristina Nery: Há muito tempo longe do ambiente da memória da guerra, ultimamente buscando as gentes que cruzaram os mesmos lugares, juntos ou separados no tempo e no modo, gostaria de estar amanhã em Coimbra mas 'o rei manda marchar mas não manda chover'.

Envio-lhe aqui alguns textos a que não me atrevo a chamar 'poesia', porém sofridos na terra da Guiné. (***)


Cumprimentos


José Brás
____________

Anéis

dedos apontados à secura da terra
acusavam-lhe a falência genética
do seu ventre parideiro
de diamantes, de minas
e de morte

olhos vitri-fixos diziam
mundos-nada-amargura
saudade já
de outros eu
fantasmas-frustração
coval marcado no espaço sideral

bocas-protesto-quase-renúncia
gritavam imagens-desejo
de um encéfalo criador
de novos cosmos

e seios negros-flácidos-lacerados
eram a denúncia-prova
de cordões umbilicais
que ligam ainda
o símio-escravo-jeová
à terra-mãe


ARCAS

Do Homem
guarda
o silex
o gesto

e nas marcas do sangue
se guardam
as ânsias
de infinito

Espantosa Visão


Corriam os olhos
na imagem
de um desfiladeiro de pedra
cinzenta
e os gritos colados
nas asas
de pássaros dourados
rasando os tufos
raros
de verde azeitona
impunham
na paisagem vazia
um pesado irreal
e a solidez
do alerta.


Pressa

Urgente
seria
que as palavras
cruzassem
o espaço
(fechado)
da memória
e no seu eco
se rompessem
as cadeias
do tempo
e do sangue
na terra da morte
e dos olhos
parados


Memória de fogo


eruptiva terra
vermelha e retorcida
vulva aberta
múltipla
e imprevista
teu quente orgasmo
da periódica
orgia vem
arrefecendo
solidifica
em ferro
e flores
nos corpos
de crianças
fardadas

____________

Notaa de L.G.:

(*) José Brás, ex-Fur Mil da CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68, autor do romance Vindimas no Capim, Prémio de Revelação de Ficção de 1986, da Associação Portuguesa de Escritores e do Instituto Português do Livro e da Leitura... Alentejano, vive em Montemor-O-Novo, foi chefe de cabine na TAP, dirigente sindical antes do 25 de Abril (SNPVAC - Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil).

(**) Cristina Nery, filha e neta de camaradas nossos, investigadora no CES/UC - Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, tem-se interessado pelo estudo e divulgação da poesia da guerra colonial:


Vd. poste de 29 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4093: Agenda Cultural (5): Poetas da guerra colonial em conferência internacional, Coimbra, CES/UC, 30/3/2009 (Cristina Néry)

Vd. página do CES/UC sobre este projecto Poesia da Guerra Colonial

(***) Vd. postes anteriores:

15 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4689: Blogpoesia (54) : Abraço com aço não rima, nem rima a morte com sorte... (José Brás)

30 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4107: Blogpoesia (35): Tinhas no olhar / sinais seguros de esperança... (José Brás)

2 comentários:

MANUELMAIA disse...

QUE MARAVILHA,ZÉ BRÁS,QUE MARAVILHA!
OBRIGADO
MANUEL MAIA

Luís Graça disse...

Zé:

Tens que voltar à Guiné, para fazer o "upgrade' do teu roteiro poético-sentimental... Tu, eu, o Maia e todos os poetas malditos do nosso blogue (todos os poetas são mal-ditos).

Temos garantido o apoio logístico da AD - Acção para o Desenvolvimento... Vais gostar de conhecer o Pepito. É pena não podermos estar lá, em Guileje, no dia 20, e revisitar Mejo, o teu Medjo...(onde vive hoje a população que retirou de Guileje, a principio "à contre-coeur", hoje agradecida ao Coutinho e Lima)...