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O César e o Capitão Silveira
O César era o chamado mancebo do mais puro e inocente que a Companhia conheceu.
Quando em Santa Margarida soube que ia para a Guiné, que não fazia a mínima ideia do que seria, quando o comboio parou na Rocha Conde de Óbidos, junto ao Uíge, abriu a boca de espanto dizendo que nunca tinha visto nada igual, julgava que o barco era como no ribeiro da aldeia dele que levava meia duzia de cada vez para o outro lado, que não seria longe no seu pensamento.
Já em Bissorã em meados de Junho, o local não tinha condições para alojar tantos homens, estou a falar em 1964, e para exemplificar nós estivemos 6 ou 7 meses sem um frigorífico, bebia-se água e cerveja quentes, a não ser puxar pelo patacão nas tascas dos civis.
Houve então uma alma caridosa da retaguarda, aquela em que diziam que estava firme que nem uma rocha, enviou um aparelho a petróleo e foi uma festa.
Esse frigorifico, claro que só podia ser aberto 2 vezes por dia, almoço e jantar e para não haver abuso e respeito pela ordem, foi colocado no terraço dos oficiais, assim se houvesse abuso eram só meia duzia.
Numa bela noite de muito calor e depois de jantar, estava o Capitão Silveira, o Tenente Médico Campos, Alf Mil Lourenço, Paulo, Mendes e Cardoso, sentados nas esperguiçadeiras de pernas estendidas conversando, quando aparece o soldado César, passando por cima deles até chegar ao frigorifico, abrindo-o, garrafão à boca bebendo o que lhe deu na vontade.
O Capitão Silveira em voz alta advertiu assim:
- Ó pazinho que confiança é esta, passas aqui por cima de todos nós, abres a porta, garrafão à boca, bebes o que te apetece, como é a confiança e o respeito?
Respondendo de pronto:
- Ó meu Capitão, que eu saiba o frigorifico não é seu mas sim da malta toda.
O Capitão não se conteve, começou a rir, o que era raro, e mandou-o embora, dizendo entre dentes para os oficiais:
- Isto sim é que é pureza, embora a hierarquia não tivesse sido respeitada, com homens assim levo a Companhia para onde quero.
Rogério Cardoso
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Nota de CV:
Vd. primeiro poste da série de 9 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5619: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (1): A tasca do Maximiano em dia de bife
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