1. Mensagem do nosso camarada Amílcar Ventura, de Silves (e que expecionalmente publicamos em letra maíuscula, tal como ele nos mandou) (*):
AMIGOS E CAMARADAS DE GUINÉ,
ACHO QUE CHEGA,
NÃO VOU MAIS FAZER UM COMENTÁRIO NO BLOGUE,
NÃO ME VOU EMBORA VISTO JÁ NÃO PASSAR UM DIA
SEM FAZER UMA PASSAGEM PELO BLOGUE,
MAS NÃO MAIS NINGUÉM ME VAI INSULTAR.
MAS NÃO ME VOU EMBORA SEM EXPLICAR AOS MEUS CAMARADAS DE GUINÉ
O MEU PROBLEMA COM A GUERRA DE ÁFRICA,
ISTO PARA QUE TODOS PERCEBAM O PORQUÊ DE EU FALAR ASSIM.
COMEÇO POR DIZER QUE SÃO DUAS COISAS
QUE ME TRAUMATIZARAM COM AQUELA GUERRA (**):
UMA TEM A VER COM O MEU CRESCIMENTO NO SEIO DA MINHA FAMÍLIA,
CRESCI NUMA FAMÍLIA DE ACTIVISTAS DO PCP
ERA JOVEM,. A PIDE ENTRAVA-ME CASA ADENTRO,
REVOLTAVA A CASA DE PERNAS PARA O AR,
E VÁRIAS VEZES LEVAVA O MEU PAI PRESO,
QUE ÁS VEZES SÓ VOLTAVA PASSADAS SEMANAS.
TIVE UM TIO QUE FOI DEPUTADO DO PCP
E VÁRIAS VEZES VICE PRESIDENTE DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA,
QUE SÓ O CONHECI COM 18 ANOS DE IDADE,
ESTEVE TODO ESTE TEMPO PRESO EM PENICHE.
AGORA VEM A SEGUNDA PARTE, ESTA A MAIS DIFÍCIL PARA MIM,
TEM A VER COM O MEU IRMÃO MAIS VELHO,
QUE É DEFICIENTE DAS FORÇAS ARMADAS.
A HISTÓRIA DELE PARA MIM FOI O QUE ME MARCOU MAIS
E HOJE AINDA TENHO PESADELOS POR CAUSA DISTO.
O MEU IRMÃO TIROU A ESPECIALIDADE DE TRANSMISSÕES
E JÁ FURRIEL, FOI RECLASIFICADO EM ATIRADOR DE ARTILHARIA.
COMO ERA NORMAL OS PRIMEIROS LUGARES NUNCA IAM PARA A GUERRA
E FOI O QUE ELE PENSOU,
MAS POR CAUSA DA POLITICA DA FAMÍLIA
FIZERAM ESTE FAVOR AO MEU IRMÃO,
FOI UM MÊS PARA VENDAS NOVAS A APRENDER O OBUS 10,5
E DE SEGUIDA GUINÉ COM ELE,
FOI PARAR A GAMPARÁ
E TEVE AZAR,
FOI GRAVEMENTE FERIDO
E SE NÃO FOSSE O SARGENTO ENFERMEIRO SILVA, NOSSO AMIGO,
QUE VIVIA COM A ESPOSA EM BISSAU,
E SE NÃO FOSSE ELE E OUTRO AMIGO, O CABO ENFERMEIRO COSTA,
O MEU IRMÃO TINHA FALECIDO NO HOSPITAL EM BISSAU.
AGORA VEM A PARTE PIOR PARA MIM:
O MEU IRMÃO VEM TRANSFERIDO PARA O ANEXO DO HOSPITAL MILITAR,
NA RUA ARTILHARIA UM,
E EU VOU VISITA-LO, JÁ ESTANDO EU MOBILIZADO PARA A GUINÉ.
E O QUE MAIS ME MARCOU,
E ATÉ HOJE NÃO ME SAÍ DA CABEÇA,
FOI VER, AMIGO, NEM SEI O NOME QUE DAR,
MAS VI A NOSSA JUVENTUDE,
UNS SEM BRAÇOS,
VI MUITOS INVISUAIS,
SEM UMA PERNA,
SEM AS DUAS.
MEUS AMIGOS, É ISTO,
QUERIA DIZER MAIS
MAS FALTA-ME A CORAGEM,
ESPERO QUE ME PERCEBAM
E PEÇO DESCULPA A TODOS AQUELES A QUEM OFENDI,
NÃO ERA ESSA A MINHA INTENÇÃO.
UM ABRAÇO DO TAMANHO DA GUINÉ
PARA TODOS OS MEUS CAMARADAS DE GUINÉ.
AMÍLCAR VENTURA (foto actual, à direita)
[Fixação / revisão de texto: L.G.]
2. Comentário de L.G.:
Amílcar, publico esta tua mensagem, dirigida a todos os amigos e camaradas da Guiné, pertencentes à nossa Tabanca Grande, bem como todos os demais leitores do nosso blogue; lamento muito o que te aconteceu, a ti, teu irmão, teu pai, teu tio, tua família; compreendo as tuas razões pessoais e familiares mas não posso aceitar as tuas razões para a auto-exclusão...
Não é a primeira vez que, sentindo-te alvo de tratamento menos amistoso (se não mesmo hostil) por parte de um ou outro camarada, manifestas a tua mágoa e dás conta da tua intenção de deixar o blogue ou, no mínimo, remeter-te ao silêncio...
Ora, e como tu próprio bem sabes, aqui não há vítimas nem lugar para a vitimização. Em contrapartida, também não poderemos tolerar que camaradas insultem outros camaradas, seja a que pretexto for (e, muito menos, na sequência da revelação de um "segredo", seja qual for o seu conteúdo). Uns e outros teremos de ser razoáveis e tolerantes, dois exercícios (o da razoabilidade e o da tolerância) que nem sempre não fáceis...
Amílcar, continuas a ser membro, de pleno direito, do nosso blogue. Reocupa, por favor, o teu lugar e ajuda-nos, também tu, a cumprir a nossa missão bloguística, que é a de contar (e, portanto, partilhar) os "nossos segredos" enquanto combatentes no TO da Guiné. Não confundas, em todo o caso, a crítica (objectiva) com o insulto (gratuito).
Um Alfa Bravo. Luís
______________
Notas de L.G.:
(*) Vd. poste de 9 de Maio de 2009: Guiné 63/74 - P4308: Tabanca Grande (137): Amílcar Ventura, ex-Fur Mil da 1.ª CCAV/BCAV 8323, Bajocunda, 1973/74
(**) Vd. poste de 24 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5002: O segredo de... (7): Amílcar Ventura: Ajudei o PAIGC por razões políticas e humanitárias
Último poste da série > 27 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6257: O segredo de... (12): O meu sobrinho Malan Djaló, aliás, Malan Nanque, o rapazito de 8 ou 9 anos anos, apanhado pelo Grupo Fantasmas, do Alf Mil Comando Saraiva, em 11 de Novembro de 1964, em Gundagué Beafada, Xime... (Amadú Djaló)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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12 comentários:
Caro Amilcar Ventura
Um Homem, com a tua força e coragem e o tempero do teu sofrimento… Desistir de manifestar a sua opinião, isso não é via… Aprecio a tua franqueza e transparência, que não está à altura de qualquer um! Jamais desistir, o teu lugar é entre nós, deves continuar no nosso seio.
Um abraço
José Corceiro
Caro Amílcar Ventura.
Fizeste muito bem em expores as tuas razões para que melhor se compreenda as tuas atitudes para com camaradas que podem criticar as tuas opiniões, mas tens de aceitar as críticas de forma serena, porque já deu para perceber que também não ajudas na maneira como escreves para quem te critica.
Quanto ao caso do teu irmão, lamento a situação, mas deves olhar em frente e falares das coisas que ainda podes fazer por ele.
Por último, por mim não és “dispensado,” deves contar mais estórias, e não queiras ser vítima, porque este blogue é a melhor família onde podes desabafar.
Um abraço
Manuel Marinho
Amílcar Ventura
Como escreve o Corceiro e também o Luís Graça, não voltes a cara.
Acredito que seja difícil mas desistir é mau. Penso que te irias arrepender.
De qualquer modo é compreensível a tua atitude. Realmente houve situações em que 'corações empolgados' se atirarm a ti 'como gato a bofe' e de tal modo fustigavam que quase se podia prever o que sucederia caso tivessem uma arma na mão.
É claro que o teu 'segredo' teve todos aqueles aspectos merecedores de reparos, de desaprovações, com que alguns te brindaram, eu inclusive, em mail pessoal.
Também é verdade que, ao agirem assim tão rudemente, impediram provavelmente que outras histórias, outros 'segredos' pudessem ser revelados e, com isso, frustraram um dos objectivos do Blogue que é 'conta a tua história'.
Quanto aos aspectos que contas, sobre o que era 'viver' naqueles tempos, não sendo beneficiário ou lacaio do regime vigente, isso não terá grande efeito sobre quem viveu à margem disso. Para eles, isso 'não existiu', foram invenções dos opositores.
Quem é que acredita, melhor, quem é que quer acreditar que alguma vez fosse possível acontecer o que agora te conto: o meu falecido sogro, algarvio, ferroviário, teve o azar de uma vez, quando recebia o salário, assinar o recibo como sempre fazia, com a mão esquerda, porque era 'canhoto', como se dizia. Nesse dia a 'cerimónia' foi observada por uma pessoa 'importante' que logo o interpelou: "Oh, sr. Silva, então assina-se com a mão esquerda? Faz tudo com a mão esquerda?" E o meu sogro respondeu: "pois é verdade, até para me defender, é com a esquerda que me defendo".
O meu sogro referia-se ao acto de socar, aquando de eventuais brigas, mas isso não impediu que alguém tivesse outras interpretações e, por via disso, também recebeu 'visitas', não convidadas, em casa e durante algum tempo foi 'acompanhado' por vários olhos....
Mas isto não existiu!
Um abraço
Hélder S.
Li com muita atenção toda a sua história de parte da sua vida que tem a ver com a Guerra da Guiné e não só.
Compreendo perfeitamente toda a sua revolta em relação à mesma, no entanto, considero que continuar a viver pensando nisso não o ajuda em nada. Não digo para esquecer porque sei que há coisas que nunca se esquecem.
Em relação a deixar de comentar no Blogue, não tenho opinião formada, como sabe, eu sou apenas uma leitora do blogue.
Pode sempre contar comigo caso tenha necessidade e pense que posso ajudar em alguma coisa.
Um abraço amigo para si e para a sua esposa.
Filomena
Amigo Ventura
És algarvio como eu. Nasci perto de onde tu nasceste, quinze quilómetros talvez, não fui aí criado. Vivi e cresci no Alentejo. Só que já suspeitava uma das tuas razões. Silves camarada foi terra de contestação e muito mais. Talvez o tenha dito a alguém do blogue.
Moro, em certos períodos do ano, aí perto. Os tais doze ou quinze Kms. Há momentos atrás, gente minha para lá foi. Eu vou sair breve e quero passar pelo Algarve. Este mês ainda e logo se verá...gostava de falar contigo,Gostava mesmo. Manda-me um email com os teus contactos, as tuas coordenadas e eu enviarei as minhas.
Aqui, assim exposto, um homem fica nu e por um sujeito falar aberto...Silves terra de fábricas, de...desde miúdo que ouvia falar e sabia calar.
Quando ao tal assunto falarei pessoalmente. Valerá a pena? Talvez.
Um abraço do Torcato Mendonça
Caro Amilcar Ventura:
Não desistas. Não podes desistir.
A tua franqueza valeu-te a imcomprensão de alguns camaradas, mas essa é uma razão acrescida para contituares aqui, no Blogue, a manifestar a tua opinião e a defenderes os teus pontos de vista, na certeza que não estás só.
O Blogue fica mais rico com a tua participação, ele alimenta-se na diversidade de opiniões de todos nós.
Aqui não há donos da verdade!
Um abraço amigo.
Manuel Reis
Caro Amilcar Ventura,
Não desistas porque os teus conhecimentos e vivências fazem falta a todos nós!É a História!
Em 22JAN1969 dei entrada no H.M.P.,anexo em Campolide, e vi como tu o que felizmente a maioria dos ex-combatentes não viram!
Um abraço do
António Tavares
Meu caro camarigo Amílcar Ventura
Julgo que estou “à vontade” para responder a esta tua mensagem, visto que fui um dos que te critiquei.
Em primeiro lugar compreendo as razões do teu azedume e de algumas respostas que deste, mas meu camarigo, não foste o único com tais problemas na família e conheci algumas a quem morreu um filho e outro ficou inválido, por exemplo.
Nem sempre funcionava a “regra” de numa família apenas ir um só ou sobretudo quando um morresse o outro ou outros não serem mobilizados.
Com isto não estou a menosprezar a tua dor, mas a dizer-te que o teu caso não foi único e lembrarmo-nos que a maioria esmagadora não estava ali porque queria.
Segundo dizer-te que alguns de nós já tiveram aqui neste espaço respostas a comentários e textos, muito desagradáveis, para não dizer mais, mas nem por isso vamos deixar de afirmar o que acharmos por bem afirmar, na certeza de que nos expomos sempre a sermos criticados quando aqui escrevemos ou comentamos.
Terceiro, dizer-te com toda a sinceridade e frontalidade que quando nos contas que davas combustível àqueles que nos tentavam matar, (é disto que a guerra trata), não esperarias com certeza que as respostas não fossem duras e ríspidas.
Mas devo dizer-te também que a tua reacção a muitos textos que por aqui provocam respostas que tu não gostas e sobretudo que não és o único criticado com “dureza”.
Posto isto quero pedir-te que por aqui fiques, porque a diversidade de opiniões é importante, mas não confundas, peço-te, criticas ao que escreves e comentas, com ataques pessoais porque não é esse o intuito de ninguém por aqui, acredito eu.
Recebe um abraço camarigo e se em alguma coisa te ofendi, (para além da justa critica), peço-te desculpa.
Caro Amigo,
O que estes camaradas escreveram está certíssimo.
Vim aqui para te dizer só duas coisas.
1 - Conto contigo aqui.
2 - Recebe um grande Abraço.
Manuel Amaro
Caro Amilcar Ventura
40 anos estão passados que deixei o HM241,onde passei 24 meses vendo a sentindo o que nunca antes podia imaginar: DOR,SOFRIMENTO E MORTE.
Felizmente que muitos camaradas nunca dele necessitaram,ainda hoje adormeço com imagens daquele tempo.Por muito que se queira esquecer,torna-se impossivel.
Os olhos da nossa memória vêem melhor que os nossos.
Quer queiramos quer não, são imagens, que teremos de suportar até ao fim dos nossos dias.
Posso-te dizer que houveram Camaradas,que não me eram nada,alguns ainda hoje entre nós,que me faziam vir as lágrimas aos olhos, mais fortes, aueles que para a continuidade da vida necessitavam de uma mão para os guiar.
São feridas que nunca se fecham.
Por isso te digo, não vás, deixa-te estar onde estás,todos te compreenderemos e ajudaremos.
Não queiras que a saúdade, tanto para ti como para nós, faça um buraco que jamais se tape.
"...encontrei-te amigo...quem é especial fica..."
Se estivemos unidos no passado, devemos manter-nos juntos no presente.
Um abraço
António Paiva
Amigo Amilcar
A coexistencia deve tentar ser dinâmica mas pacífica e de molde a que a liberdade de uns não atropele a liberdade dos outros.Só assim se consegue compreender,aprender,conviver e amar.
Quero dizer com isto que não nos devemos anular ou subtrair a eventuais "confrontos" válidos e que possam ser importantes para nós.Isso liberta-nos e acaba por nos dar paz.
Desculpa-me a opinião transcrita,mas quis afirma-la nesta comunidade que deverá ser plural,crítica,sincera,honesta, não ofensiva e ...amiga.
Um abraço
Luis Faria
Amílcar: "O dente morde a língua e, mesmo assim, vivem juntos"... Deves conhecer o provérbio popular...
Sabes que tens aqui muita gente que te estima, mesmo que não tenha que concordar (sempre) contigo... Essa é a maior riqueza deste blogue... LG
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