quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Guiné 63/74 - P6990: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (32): Teixeira Pinto - Perdidos (1)

1. Mensagem de Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 11 de Setembro de 2010:

Amigo Vinhal
Espero que as férias tenham sido boas e retemperadoras.

Tendo andado um pouco intermitente nestas lides, só agora segue mais um pouco de “Viagem…”

Um abraço para ti e outro para a “Rapaziada” que, ao que leio, andou um tanto exaltada, diga-se de passagem e a meu ver, com razão. Esta de ser... ficcionado... e tentar emendar o que não tem emenda…(!?) é chamar-nos de parvos e como tal um insulto em cima de outro!

Bem, mas… UM SORRISO… vá lá…! A vida já nos é curta e precisamos de a aproveitar no seu último terço, nos bons momentos e não deixar que os maus nos abalem em demasia. Contem até dez… antes de ferver…!!

Vá… SORRIAM… APRECIEM… VIVAM!

Luís Faria


Viagem à volta das minhas memórias (32)

Saída (?) da mata - Distâncias na progressão, uma constante


Teixeira Pinto – Perdidos (1)

De novo em “casa” (Teixeira Pinto) e no ambiente a que já nos habituáramos, não houve necessidade de adaptação e as saídas ofensivas começaram a processar-se quase de imediato, levando-nos de novo a calcorrear de olhos e sentidos bem apurados, zonas difíceis mas também de beleza. Beleza que em várias ocasiões era anulada e transformada mesmo em inferno, por força das fortes chuvadas e trovoadas de fazer medo, que obscureciam a mata e que, especialmente conjugadas na noite com a luminosidade ofuscante e intervalada dos relampejos, punham árvores e arbustos a dançar em coreografias enganosas, que nos obrigavam quase em permanência a limpar a cara da água misturada com suor que nos alagava toldando-nos a vista, tentando descortinar o real num horizonte visual de metros, já que sabíamos por experiência, que não seriamos eventualmente os únicos que por aquelas matas andaria.

Numa dessas ocasiões de intempérie, tivemos um recontro com “indesejáveis de um raio” lá pelos meios da tarde e ao que recordo, evacuados os feridos e queimadas umas palhotas na saída, passado um tempo o temporal agravou-se de modo a meter medo, proporcionando-nos um quase novo encontro fatal com outro raio, desta vez ofuscante e eléctrico, que quase em simultâneo ao ribombo, escachou na certa uma árvore ali próximo onde tínhamos acabado de fazer um pequeno descanso.

Por o final da tarde se aproximar, as condições passarem a péssimas e a visibilidade começar a ser cada vez mais limitada, foi resolvido passar a noite emboscando em local menos perigoso. Assim, antecipámos o regresso à estrada, onde iríamos ser recolhidos às primeiras horas da manhã e onde acabaríamos por chegar já noite feita, após marcha penosa e demorada, como habitual a corta-mato, intervalada com paragens expectantes.

Teixeira Pinto - Zona (aproximada) de actuação da CCaç 2791

Pelo caminho e já quase ao anoitecer, num dos controlos de progressão da rapaziada, que habitualmente fazíamos (um dos graduados parava observando a fila passar), foi detectada a falta da última meia-dúzia !

O Pessoal pára,… há que chamar e aguardar...! Nada de resposta. O Alf Barros e o Augusto (meu 2.º GCOMB), o Lobo e o Sampaio (4 º GCOMB) e mais um ou dois que não recordo o nome, tinham ficado para trás sem que alguém se apercebesse (?!)… Não houve aviso (?!)… que merdice… Nunca havia acontecido! E logo àquela hora e com aquele temporal!

Os Furriéis reúnem com o Alf Gaspar (4.º GCOMB) que é de opinião que o Castro e eu os fôssemos procurar com homens nossos. Não concordamos, já que as probabilidades de os encontrar no meio daquele temporal e àquela hora seriam nulas ou quase, e o risco de nos enfrentarmos inadvertidamente ou de também nos perdermos era sério considerar. Achamos que tiros de orientação era o que devíamos fazer e assim foi feito

No último controlo relativamente pouco tempo atrás, tudo estava bem, pelo que não deveriam estar muito longe . Assim, resolvemos dar tiros (três, julgo) de sinalização e aguardar um tempo. Nada de resposta nem de aparecer. Com receio de termos denunciado ao IN (eventualmente não andaria muito longe) a nossa posição, decidimos recomeçar a avançar vagarosamente em direcção à estrada que ainda estava um tanto longe, ziguezagueando com azimute definido e fazendo intervaladamente pausas e séries de tiros… à mesma sem respostas. A noite apanhou-nos nessas andanças e os tiros sinalizadores passaram a ser dirigidos para o chão, de modo a que a chama não servisse de localização visual.

Havia apreensão e preocupação pelo que teria acontecido. Por que raio se perderam?! Ainda por cima o Barros era Alferes preto, da Guiné! Será que não ouvem os tiros, ou foram apanhados à mão?

Curiosamente que essa última hipótese não considerei. Achava muito improvável que isso tivesse acontecido com aqueles Homens… sem luta brava e como tal audível. E nada se ouviu. Não, na certa não responderam para não serem detectados, mas sabiam para onde nos dirigíamos. O Barros era conhecedor do nosso objectivo, tinha o mapa, a bússola e mais que capacidade para ultrapassar a situação, para além de estar bem acompanhado quer pelo tipo de homens a seu lado, quer pelo armamento de que dispunham. Há que esperar e confiar, pensei. Em última análise, caso não aparecessem, ao raiar do dia bateríamos a zona em sua procura. A última sinalização é feita um pouco antes chegarmos ao local de emboscarmos para passar a noite.

Uma noite de certa apreensão, tormentosa e de insónia. Ao despontar da claridade é dada mais uma serie de sinalização… a resposta vem de imediato e de ao pé… momentos depois chegam as “vedetas” para contar a estória…Tinham passado a noite emboscando ali perto.

Antes de ouvirmos o relato do que se passara, o bi-grupo por segurança muda de poiso e embosca de novo, não vá o “diabo tecê-las”. “O filme” virá depois.

Mais um par de horas de espera vigilante e as viaturas levar-nos-ão a Teixeira Pinto, onde na certa irá ser feita uma bem merecida “cerimónia” de caixão à cova.

Luís Faria
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 25 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6783: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (31): De volta à natureza

3 comentários:

Jorge Fontinha disse...

Sorte a minha nessa operação.Na altura, andava eu pelo Bairro Alto ou talvez no Cais do Sodré.Foi nas minhas queridas férias que haviam sido antecedidas do ataque a Bissau, pelos mísseis do Santo António de 1971.Talvez tenha sido a única operação em que o meu 4º grupo de Combate alinhou, sem a minha presença.Mas o Alferes Gaspar e o Furriel Chaves eram tão ou mais competentes e tinham um grupo de Combate de grande gabarito, que fazia o melhor bi-grupo, com o 2º, do Barros, Luis Faria e o Carlos Castro.
Um abraço para todos eles em geral e aquele agração, em paricular, para ti meu velho amigo.


Jorge Fontinha

Hélder Valério disse...

Caro Luís Faria

Uma história bem contada, relatando mais um episódio da saga dos jovens que ganharam a maturidade naqueles idos de 60/70.

Mas quero essencialmente deixar o meu aplauso para a tua introdução. Não deixando de marcar posição, e de modo forte e sonoro, há que seguir em frente e valorizar o que há de positivo.

Um abraço
Hélder S.

Anónimo disse...

Luís Faria,

Obrigado pela tua introdução. Simples, frontal, positiva.

Em frente!

Este teu recorte do mapa faz-me lembrar a quinta de férias por onde, com pompa e circunstãncia, passeei o meu charme...

Lamento que não tenhas posto à prova os teus dotes de cartógrafo desenhando a estrada nova. Esta foi a grande responsável pelos bons momentos anti-stressantes que vivemos naquelas paragens.

A zona de acção da CCaç 3327 era, usando o teu mapa, da estrada nova para a esquerda.

Embora não refiras a Mata do Balenguerez, julgo ser esta o teatro da tua história, era de facto uma bela mata. Imprevisível pela sua vegetação ora densa, alta, rastejante, clareiras perigosas.

Em suma, uma mata onde tudo era possível, incuindo o partir de uma coluna, momento sempre indesejável.

Para mais, depois da evacuação de feridos.

Um abraço amigo,
José Câmara