Todos os camaradas ainda terão na memória situações que esta guerra nos levou a passar e a ter que superar.
Lembro-me com alguma frequência de uma situação da qual tenho a certeza que muitos mais camaradas por ela também passaram.
Aconteceu por volta do dia 12 de Maio de 1973.
HISTÓRIAS DA GUERRA - I
IMAGENS QUE NUNCA SE APAGARÃO
Ainda em casa comecei por me despedir dos meus familiares pois iria embarcar para a Guiné para uma guerra onde só tinha a certeza de partir mas não de regressar.
Pedi a todos os presentes para me deixarem sozinho porque pretendia me despedir do último elemento da família que se encontrava deitada na minha cama, qual boneca, de 8 meses, cabelos louros e olhos azuis muito abertos, sem perceber que os meus abraços muito fortes e as minhas lágrimas eram de um enorme medo de nunca mais vir a ter aqueles gestos.
Lavado em lágrimas (porque um homem também chora) tive que me ir embora que a nossa tropa não dava para ter atrasos.
A partir daqui não consigo saber o que me aconteceu porque saí numa calma para a qual ainda hoje não consigo ter uma explicação.
Passados 6 meses regresso de férias e ao chegar ao aeroporto da Portela lá estavam os meus familiares mais chegados e claro a minha boneca que já tinha 14 meses, e já andava e falava.
Se a emoção da chegada já seria muito forte, uma grande angústia se apoderou de mim naquela altura porque a minha boneca chorava desalmadamente fugindo do meu colo, não me permitindo dar aqueles beijos e abraços que só um pai sabe dar.
Em todo o caminho para a margem sul, mal olhava para mim, desatava a chorar agarrada à mãe que embora lhe dissesse que era o pai Zé de nada servia.
Horas passadas vim a saber que embora lhe tenham sempre sido mostradas fotografias minhas, as mesmas não reflectiam a pessoa que estava na frente dela, pois eu estava bem mais magro, mais queimado e de bigode.
Dou graças a Deus por me ter sido permitido passar por tudo isto, pois camaradas houve que foram privados deste “sofrimento” e que deixaram um grande vazio a todos os seus amigos e familiares.
Para todos os camaradas um grande e forte abraço.
José Carlos Gabriel
Nhala, AGO73 > A roupa que mais gostava de usar
Nhala, JUL73 > As saudades
Nhala, JUN73 > Desempenho de funções
Nhala, JUN73 > A escrever para a família
____________Notas de CV:
(*) Vd. poste de 16 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8680: Tabanca Grande (297): José Carlos Ramos dos Santos Gabriel, ex-1.º Cabo Op Cripto da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Nhala, 1973/74)
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