HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DE BELMIRO TAVARES (18)
A mina não destruiu tudo... o fogo faz a sua parte.
A Mina Anticarro
(consequências)
O dia 28 de Dezembro de 1964 ficou profundamente marcado nas nossas mentes de jovens e pouco experientes combatentes (estávamos com poucos meses de mato!) por vários motivos bem ligados entre si.
Por um lado sofremos os efeitos terrivelmente devastadores e assustadores da primeira mina anticarro que deflagrou na nossa zona depois da nossa chegada... ainda não sabemos bem como. Pensou-se de início que se trataria duma mina telecomandada pois explodiu à passagem da segunda viatura e sob a roda de trás do lado direito. Muito provavelmente não terá sido essa a causa do rebentamento, depreendemos nós, hoje, volvidos 47 anos.
A primeira viatura era uma GMC da 2.ª Grande Guerra à qual chamávamos “rebentaminas” mas felizmente nunca accionou nenhuma... talvez porque era conduzida por um soldado sempre muito atento e cuidadoso e, além do mais, chamava-se Padre Eterno – acreditem que é verdade.
Por outro lado, como consequência da monstruosa explosão tivemos um morto, o Fur Mil Vilhena Mesquita, natural de Vila Nova de Famalicão, na realidade era o nosso primeiro morto verdadeiramente em combate; tivemos também três feridos considerados em estado muito grave e alguns feridos ligeiros.
Apesar de ainda não ter havido minas na nossa zona depois da nossa entrada no teatro de operações – tempos antes uma autometralhadora havia sido seriamente danificada pelo rebentamento duma mina a escassos 3Km de Binta – já os nossos condutores auto estavam alertados que tal podia acontecer a qualquer momento; deveriam cumprir escrupulosamente – tanto quanto possível – as regras estabelecidas.
À cabeça da coluna seguia invariavelmente a tal GMC, viatura mais resistente ao efeito de tais armas; as restantes viaturas deviam pisar sempre o rasto da GMC para evitar fazer explodir minas. Circulando à velocidade possível naquela via de terra batida – estrada Binta/Bigne – era um tanto complicado cumprir com o rigor apropriado, aquelas ordens – até porque os soldados partiram de cá com pouquíssimos conhecimentos e quase nula experiência. Aprenderam mais num mês em Bissau do que os parcos ensinamentos que lhes foram transmitidos durante a especialidade. Faziam o que podiam!
Por outro lado ainda, as Mercedes, viaturas mais altas e bastante resistentes, circulavam apenas com dois pneus no eixo de trás – os interiores – para que pisassem maior superficíe de estrada com os quatro pneus (2 em cada eixo) protegendo assim a tarefa dos unimogues que eram mais vulneráveis.
O rebentamento desta mina e suas consequências imediatas foram amplamente tratados pelo companheiro Jero, o nosso insigne cronista, autor de o “Diário” da CCaç 675 e “Golpes de Mãos’s” com arte, engenho e profundo sentimento.
Aqui e agora tratarei apenas do que aconteceu ao soldado 2085, António Filipe de seu nome completo, mais conhecido pelo nome da terra que o viu nascer – Vendas Novas – o que acontecia com frequência na vida militar.
O Filipe foi um dos três feridos em estado muito grave.
Transportado de helicópetero, chegou em coma ao HM 241 em Bissau; avaliado o seu estado, seguiu de urgência para a capital do Imprério.
Permaneceu internado no HMP da Estrela durante mais de 3 anos; foi submetido a diversas intervenções cirúrgicas para minorar a sua incapacidade física. Por fim foi-lhe atribuido um grau de incapacidade bastante elevado – 77%.
Durante a sua permanência “forçada” no HMP, o nosso homem teve a coragem, a paciência e a pachorra de fazer o 5.ºano do liceu, o que lhe proporcionou um razoável e inesperado (à partida) emprego como escriturário numa grande empresa de metalomecânica (Mague) onde recentemente veio a reformar-se por idade.
Um dia o seu médico assistente ordenou que o Vendas Novas fizesse um determinado tratamento especial ao seu pé danificado, numa dependência do mesmo hospital; houve um “ligeiro” descuido da enfermeira – hoje falaríamos de negligência – e o bom do Filipe voltou com uma série de bolhas de água – vulgo: queimaduras – no pé.
O médico, ao aperceber-se do estado lastimoso em que se encontrava o pé do seu paciente, perguntou escandalizado:
- Que raio é isto?! Como provocaste estas queimaduras tão extensas?
- Foi lá do outro lado! Uma puta duma enfermeira distraiu-se e eu fiquei com o meu pé neste estado miserável!
- Quem foi ela?
O Filipe tentou transmitir os atributos de que se lembrava da tal enfermeira para que o médico conseguisse identificá-la e citou também um nome que ouviu alguém chamar-lhe.
Comentário do galeno:
- Essa a quem tu chamas de puta... é a minha mulher!
Imaginem a cara do Vendas Novas... e o susto que ele terá apanhado... sem vislumbrar um buraco onde pudesse enfiar-se!
Lisboa, 12 de Dezembro de 2011
Belmiro Tavares
O Filipe em posição de combate... para a fotografia.
____________Nota de CV:
Vd. último poste da série de 7 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9151: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (17): Quando Paulo VI visitou o Santuário de Fátima
2 comentários:
Caro Belmiro
Este teu relato tem várias nuances. Como dizes, a questão do rebentamento e do tratamento inicial dos ferimentos já está abordado pelo nosso amigo Jero.
Apenas quero referir a parte final em que o 'vendas novas' tem aquela 'liberdade de linguagem'. Fez-me lembrar uma situação que vivi que tem também algum constrangimento e que foi ultrapassada com benevolência pelo meu interlocutor. Agora que me lembrei, irei tentar recordar o enquadramento e passar a texto.
Abraço
Hélder S.
Realmente, "Vendas Novas"!
Só te faltou o "tal burako" de que o Belmiro fala.
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