1. Adivinha-se o fim desta série que o nosso camarada Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72) tem mantido com tanta regularidade.
Este episódio chegou até nós no dia 16 de Outubro de 2012:
Viagem à volta das minhas memórias (57)
Bula – Minas, fim do suplício!
Vista parcial de Bula
Foto: © Victor Garcia. Todos os direitos reservadosBubáque e “Peluda” à vista ?!
Os dias certamente pareceriam querer ficar cada vez mais longos e penosos, como que a querer resistir a um final de comissão de data marcada que se ia avizinhando.
Para além das actividades atribuídas e como sinal de final de comissão próximo, o Pessoal ia-se entretendo a fazer os caixotes em madeiras diversas mais ou menos valiosas e com volumetrias condicentes com a carga prevista, por norma grande. Desde gravuras, estatuetas, peles, panos, artesanato, roupas, rádios, máquinas, ventoinhas e sei lá que mais,… “coca-cola” verdadeira, “Perrier”… até peças de mobiliário nacarado asiático… tudo era encaixotado para ser despachado via marítima para a Metrópole. Claro, não podiam ser esquecidas as garrafas - distribuídas a pagantes e acumuladas ao longo dos meses - de uísques e licores, por vezes às dezenas e alguns de gabarito! Havia até negócio à conta das ditas, do tipo duas por uma ou até venda inflacionada devido à já inexistência ou à escassez de abastecimento em tempo útil. Depois de despachada, creio que pela Companhia, a caixotaria seria levantada em Alcântara (?).
Em data prevista, a CCAÇ 2791 no seu todo ou faseada, já não recordo, arrancou para o Cumeré onde iria aguardar o embarque para a Metrópole, rumo à “peluda”, deixando-me de certo modo “desenquadrado e abandonado ao destino” lá por Bula, ainda no exercício de funções mineiras. Mais tarde e se não protagonizasse um qualquer acidente, ir-me-ia juntar à Rapaziada da minha “FORÇA”.
Em dia que não registei, acabou finalmente o trabalho no campo de minas que havia estropiado uns tantos, demasiados, que deu cabo dos nervos a alguma boa gente que por lá cirandou e até a outra que por lá não tinha sequer posto os pés. Muitos milhares tinham sido levantadas. Tendo o meu contributo sido de mil e trinta e duas, a sensação de alívio, paz, tranquilidade e de certezas num futuro, só sentida se poderá entender!
Era hora de festejar o fim do suplício! Depois… dois ou três dias de recuperação e preparação já que de seguida… Bubaque,- que me tinham contado paradisíaca – se perfilava no horizonte próximo do meu pensamento como destino de uns poucos dias de descanso prometidos e a meu ver merecidamente ganhos. Com alguns “pesos” economizados no bolso iria ser, sonhava, uma pré-peluda à maneira, de “papo ao sol”, águas mornas e límpidas, peixinho fresco grelhado, bebida a contento, na certa boa companhia… enfim uns diazitos a não esquecerem! Seguir-se-ia o reencontro no Cumeré e o ”Boeing” dos TAM para a PELUDA!
Entremeados por bons momentos, aqueles meses tinham sido duros, bastante duros mas o passado já era e como se diz, ”tudo está bem quando acaba bem”. Pelo menos até ao momento assim acontecera comigo que, comparativamente, tinha sido um felizardo. Tirando uns sustos ou melhor, “cagaços” valentes e uma morteirada que mandei e me pôs a mão como uma bola, nem sequer um paludismozito apanhei.
Dizia, antes de começar a divagar (?!), que a data era para festejar e assim foi. Claro que o conceito de festejo, programado ou não, é subjectivo e variável em função do estado de espírito, dos meios e do meio, do momento e outros elementos susceptíveis de o condicionar. Para além dumas cervejolas frescas, não foi programado e foi acontecendo ao sabor dos impulsos e dos ditames mentais no momento, deixando-me em memória uma ou outra situação, se calhar para muitos e à luz de hoje, pouco próprias. Naquele contexto, aconteceram!
Luís Faria em Bula num momento musical
Terminado o trabalho e chegado ao quartel, talvez uma das primeiras coisas que aconteceram foi tomar uma banhoca. Sim, uma banhoca, já que não resisti ao impulso de me enfiar completamente vestido no bidão de água omnipresente à porta do quarto, talvez perante as bocas de alguns e espanto de outros.
Depois de certamente ter ido ao petisco civil e regressado ao quartel, já pela noite recordo acabar no bar a pedir um “cocktail” especial, composto por uma medida de tudo o que continha o vasilhame exposto nas prateleiras do bar. Em conformidade com o pedido e sob meu controlo, foram entrando no agitador medida após medida de diferentes uísques e licores, de águas-ardentes, brandies, bagaço… até que é dado por terminado. A única medida que não foi considerada foi a do “Elsève Balsam” (?) - champô de ovo. Sob protesto e incredulidade (?!) do “barman”, não recordo o nome, e ante a minha ordem… acabou por ser também incluído na mistura, talvez deva antes dizer… mixórdia! Os passos seguintes foram emborcar a mistela, perante a expectativa dos presentes.
Tempos após e já noite adentro vejo-me meio zig meio zag , em cuecas, a jogar um jogo a céu aberto, em que o objectivo era manter à raquetada uma bola em movimento circular à volta duma haste vertical a que estava ligada por um cordão ou corrente (?).
Claro que a “mixórdia” já fazia os seus efeitos e os rodopios que os falhanços na bola me obrigavam a fazer, levavam-me a por vezes percorrer uns metros em busca do equilíbrio, acabando sentado no chão! Por fim o apelo da cama acabou por ser mais forte.
Ao acordar pela manhã seguinte senti um mal-estar horrível e uma agitação mais que anormal, parecendo-me que as veias iam rebentar. Estou f… é a merda do champô que me anda no sangue, pensei resolvendo ir tomar um banho na tentativa de acalmar. Qual quê, pareceu-me ficar pior… as veias pareciam rebentar… assustei-me de verdade e não recordo se acompanhado ou não dirigi-me para o posto-médico ali próximo. Só lembro que de imediato abri (arrombei?) a porta do médico Alf. Cruz e… acordei fresco e firme como o aço, não sei quanto tempo depois, como se nada tivesse acontecido.
Nova vida estava prestes a começar. Pensamentos secretos de “meter o chico” iriam esperar resolução mais tarde. Iria depender de auto análise mais aprofundada e da situação a encontrar na Metrópole.
Luís Faria
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 10 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10360: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (56): Bula - A guerra das minas (6): A "sentinela"
11 comentários:
OLÁ LUÍS,
LEVANTAR MIL E TRINTA E DUAS MINAS FOI OBRA !
A MINA É UMA "ARMA COBARDE",A MAIS COBARDE DE TODAS,CAPAZ DE MATAR E ESTROPIAR MUITOS EM SIMULTÂNEO, E QUANTAS VEZES CIVIS...
O DIA DE SAIR PARA A PELUDA FOI PARA TODA A GENTE,CREIO BEM,O SEGUNDO MELHOR DA COMISSÃO PORQUE O PRIMEIRO ERA O DA PARTIDA...
MAS...JUNTAR ELSÈVE BALSAN COM TUDO QUANTO ERA BEBIDA ALCOOLÓCIA NÃO LEMBRARIA AO DIABO,LUÍS... SÓ SE O OBJECTIVO FOSSE "LAVAR O ALCOOL"... DEPOIS DUMA PIELA MONUMENTAL,ATÉ IDEIAS "SUBSERSIVAS" COMO METER O CHICO PODIAM TER LUGAR...
ABRAÇO
Camarigo Luís Faria
Eis que finalmente tinhas terminado a tua ida aos infernos e regressado inteiro depois dessas mil e trinta e duas "danadas" que levantaste.
Foi obra, competência e também uma boa "fada madrinha" para ajudar a afastar os desejos diabólicos.
Então, no final de todas as tormentas ainda pensavas meter o chico?
Bem, competência não te faltava, é bem verdade, por toda a actividade que demonstraste nas mais variadas situações.
Um abraço
JPicado
PS-tenho vindo a actualizar toda a matéria atrasada, mas ainda me faltam muitos postados.
Lá dizia o Vasco Santana, mas sem o Elseve Balsan: "Comprendite!"
Meu caro Luís Faria, tenho seguido com atenção, curiosidade e alguma emoção pontual, toda a tua "odisseia" de semeador e, principalmente, caçador/recoletor de minas, um trabalho do c... que, só de pensar nele, me arrepia!
E essa de levantares 1032 minas (!!!) é de abrir bem a boca, de espanto.
Muitos parabéns pelo teu trabalho sobre este tema e que aqui tens vindo a publicar. Com um abraço do
Manuel Joaquim
Caro amigo Luís,
A mina é uma "Arma Cobarde" disse o Manuel Maia. Eu acrescento, a mina é a arma mais insensível de todas as que conheci, que há muito deveria ter sido banida dos exércitos.
O teu trabalho foi extraordinário. Daí não me admirar o facto de teres querido ensaboar por fora e por dentro. Final feliz!
Abraço amigo.
José Câmara
Caro Luís:
Antes de ler um texto teu, tenho sempre o cuidado de o "scannear" (fazer uma picagem prévia) com um comando próprio no meu computador não vá haver armadilha ou mina por ali camuflada, pois pode não te ter passado o vício. Irra!.
Apreciei o teu texto. Essa de pôr champoo no dito cocktail lembra ao diabo sim senhor! Lembro-me dos cocktails feitos no Olossato em que misturávamos tudo que houvesse na altura. Por acaso ninguém se lembrou do shampoo...
Recebe um grande abraço e passa bem.
Rui Silva
Caro Luís Faria,
A mina nem o nome de arma merece.
Sendo lá o que fôr é a mais vil e torpe armadilha que se pode utilizar numa guerra.
É por excelência a coroa daquela célebre frase "NO AMOR E NA GUERRA VALE TUDO".
Quem foi o "LAVRADOR" da tua Companhia ou Batalhão que te obrigou a plantar e a recolher 1032 minas?
Ainda bem que estás connosco para nos contares as tuas aventuras e trabalhos.
Um grande abraço.
Adriano Moreira
Acho que não estava por perto, dessa tua lavagem ao estômago. Estive por perto de algumas outras e cabia-me quase sempre, acompanhar-te na ressaca nas quais invariavelmente fazias o «testamento» e me pedias que uma vez eu chegasse à Metrópole, fosse portador dos teus pertences à Aida e fizesse o teu elogio de bom camarada e amigo. Quantas de aturei? Não foram de certeza 1032, mas foram algumas. Eu sei que também me aturaste uma ou outra!... É melhor não falar disso!
Aquele abraço e bem vindo à vida civil!
Jorge Fontinha
Viva Camarada!
Depois da trabalheira quiseste a bebedeira histórica. Uma original e estrambólica narça!
Admiro-me que tenhas acordado. Uma bebedeira assim descrita, quase merecia que petrificasses em estátua pela limpeza efectuada.
Afinal, regressaste como os outros, e tiveste que te fazer à vida.
Mas, afinal, Bubaque? como foi? Como foste lá parar? Onde assentaste arrais? E a praia? E o peixe? E as gajas? Quem é que pagou a conta? Foi ou não foi um merecido descanso? Ou agitação?
Infelizmente não fui às ilhas, e agora que o Gasparinho inspira a minha vida, já não alimento essa esperança. Mas não lhe levo a mal. Odeio-o tanto, como à generalidade dos políticos democráticos e sobranceiros.
Q'uéisso?
É que os antigos não enganavam, estavam bem rotulados e agiam na escuridão diurna ou noturna.
Descreve o resto depressa e com pormenor, que sempre ouvi, até o lavar dos cestos é vindima. Sff, que também se usa.
Um abraço
JD
Caros Companheiros
Antes do mais,o meu agradecimento pelos comentários,de certo modo incentivo e seiva para a Alma.
Manuel Maia - a ideia não nasceu por essa altura mas bem antes,acabando por vir a ficar ficar"submergida"!!
Manuel Joaquim - todos os "mineiros",(creio não chegarmos à dúzia)que andaram nesse campo ,levantaram esse numero a passar.
José da Câmara -Extraordinário... bem...nem a mim nem aos outros "compinchas", nos pagaram horas extras nem prémio,ao que sei!!!
Extraordinários,esses sim, foram quem ficou estropiado,que nada pediram e nem gratidão expressa,ao que sei, receberam!
Rui Silva - pelo que li há pedaço num comentário, houve outros que tambem saborearam "champô de ovo".
Não tenhas receio,podes abandonar a pica,já que as minas ou armadilhas não constam há muito do meu "cardápio". Talvez por vezes...ingenuamente!?
Adriano Moreira - Frase certa"...não vale tudo"!Mas será que a própria guerra vale alguma coisa?Para "fazer a paz"?Será!?!A meu ver talvez fosse melhor que se assumissem as verdades,repito verdades porque são exercidas as guerras!!
Fontinha- Estavas já para o Cumeré.Deixa que te diga mas essa do quantas te aturei????Até parece!a sério...Uma,uma!!as outras algumas eram ...alegrias de continuar a viver e de saudades !! Quanto ao restante...verdade!
José Dinis
É bem verdade,como quase todos,tive que me fazer à vida e por estas bandas continuo a andar.
Sobre Bubaque,paciência,terás que me ler, talvez no próximo episódio.
Posso no entanto adiantar-te que foi uma grande surpresa e agitação que pensei poder vir a atrasar-me por uns bons tempos o regresso à Metrópole!
Um abraço a todos vós
Luis Faria
Amigo Jorge Picado
Não sei porque,saltei o teu comentário.Não deverá vir mal ao mundo por responder em separado!?
Obrigado pelo que escreves e BEM REAPARECIDO por estas bandas!Fico satisfeito.
Quanto à fada madrinha ...é bem verdade,felizmente.
Um abraço
Luis Faria
LUÍS,
PENSO QUE MUITOS DE NÓS TIVERAM ESSA IDEIA "SUBSERSIVA", OU FORAM PARA ELA ALERTADOS PELOS SARGENTOS DAS RESPECTIVAS COMPANHIAS...
EU NÃO FUGI À REGRA,COMO OS RESTANTES FURRIEIS,MAS...NEM PENSAR. HOJE,DOU COMIGO A PENSAR QUE SE O TIVESSE FEITO, JÁ TERIA ESTADO ENVOLVIDO EM VÁRIAS REVOLUÇÕES... MAS IMPEROU O BOM SENSO, E ENTENDI QUE DEVERIA TRABALHAR PARA MERECER O PÃO DE CADA DIA,COMO SOE DIZER-SE...
ABRAÇO
manuelmaia
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