sábado, 20 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10549: Do Ninho D'Águia até África (19): Furriel Roger, o Herói (Tony Borié)

1. Décimo nono episódio da narrativa "Do Ninho de D'Águia até África", de autoria do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), iniciada no Poste P10177.


Do Ninho D'Águia até África (19)

Furriel Roger, o herói!



Lisboa, 10 de Junho de 1966 > Na foto, o Fur Mil Rogério Cardoso*, na fila de trás, assinalado com o círculo, antes de ser condecorado com a Cruz de Guerra. Em primeiro plano, à esquerda, também assinalado com um círculo, o seu Comandante, o Coronel Braamcamp Sobral.
Foto de Rogério Cardoso. Legenda de Carlos Vinhal


O carro dos doentes, como é conhecido no aquartelamento, vai ao hospital, que fica na capital da província, uma vez por semana.

Mais propriamente à sexta-feira.

A viatura é igual a outras que já aqui descrevemos. Quatro bancos corridos descobertos. Se chove, pouca diferença faz, até refresca.

Os doentes, são aqueles que necessitam de tratamento periódico, ou adoecem mesmo, com qualquer enxaqueca, e vão à consulta, previamente marcada. Se for ferimento grave, ou qualquer outra causa de emergência, são evacuados de helicóptero. Pelo menos é o que tem acontecido.

Sempre acompanha a viatura, uma secção de combate, que normalmente viaja em dois jeeps, um atrás e outro na frente. Desta vez, os militares vão mais confiantes, pois quem comanda esta secção de combate é o furriel miliciano “Roger”, era por este nome que era conhecido, um bom guerreiro e líder, entre os militares de acção, e está estacionado num aquartelamento onde quase tudo é improvisado, numa povoação mais a oeste, em plena zona de combate. Neste momento, vai com a G3 numa mão, de pé, em cima do jeep, seguro com a outra mão, a apanhar a aragem fresca no corpo, como de uma dádiva se tratasse.

O Cifra lembra-se, não só pelas mensagens, que na altura lhe passaram pelas mãos, mas o que era voz corrente entre militares de acção, pois este bravo militar, que pertencia a uma companhia do batalhão, cujo comando, estava estacionado no aquartelamento de Mansoa, se não estou em erro era o Batalhão de Artilharia 645, mais tarde, foi considerado um herói, pois foi evacuado, ainda vivo, da zona de combate, com as pernas bastante danificadas, pois uma granada, atingiu-o, não explodiu, e ele ferido com o impacto, ainda teve coragem de arremessar a granada para longe, com receio que explodisse e ferisse os seus colegas, que angustiados e desesperados debaixo de fogo intenso, enquanto tivessem munições, usavam “puta da G3”, alguns gritando, com os olhos vermelhos de fúria e alguma raiva, outros protegendo-se, tentando sobreviver, sem pensarem em mais nada, que não fosse manterem-se vivos.

O furriel Roger foi um dos militares que ficaram no pensamento de muitos, a sua fotografia foi colocada no quadro de honra, que existia no aquartelamento em frente às instalações do comando a que o Cifra pertencia, para exemplo de todos, e em especial de tropas novas, e a sua história faria páginas e páginas. Até foi motivo de uma certa rivalidade, em mensagens trocadas com o comando territorial na capital da província, pois ambos os comandantes, tanto o do comando a que o Cifra pertencia, como o do seu batalhão, o queriam apresentar como sendo seu militar.

A guerra para ele acabou, começou outra guerra, que era a sua possível reabilitação. Depois de tratado, com os meios que na altura havia no hospital da capital da província, foi evacuado para a Metrópole, como então se dizia, de onde andou de hospital em hospital. Mais tarde, depois dessas rivalidades entre comandantes, o comandante do Cifra, propôs uma cruz de guerra ao Roger, que recebeu mais tarde, por altura do dia 10 de Junho, em Lisboa. O furriel Roger, além de ser uma pessoa alegre, e popular, pois tinha uma alegria e entusiasmo contagiantes, era decidido e corajoso, e fazia parte de um grupo que “ia a todas”.

Fotografia do Roger, tirada em plena zona de guerra, na região do Oio, sempre sorridente, sentado numa viatura auto, com o registo MG-21-29. Foto tirada na estrada, rodeada de matas, que naquela altura não era mais que um carreiro, entre Bissorã e o Olossato.

Estas simples palavras são uma homenagem, em nome daqueles que ele tinha a esperança de salvar, ao atirar para longe a granada, embora já estivesse ferido, com desprezo pela sua própria vida, pois nesse momento sentia o dever da sua responsabilidade como líder, embora já não pudesse mover as suas pernas, destroçadas e cobertas de sangue.

Felizmente, ainda está vivo, e faz parte dos nossos, que cada vez somos menos, os antigos combatentes.
____________

Notas de CV:

(*) Rogério Cardoso foi Fur Mil na CART 643/BART 645 que esteve em Bissorã nos anos de 1964 a 1966

Vd. último poste da série de 16 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10536: Do Ninho D'Águia até África (18): O clima do Equador (Tony Borié)

9 comentários:

Rui Silva disse...

Amigo Rogérío:
Gostei de ver, mesmo muito, tu seres lembrado e laureado por outro camarada que nem ao teu Batalhão pertencia.
Nunca é demais lembrar aqueles que com desprezo da sua própria vida, em dado momento, procuram salvar a dos outros.

Saudações para o Tony Borié
e tu Rogério recebe um abração

Rui Silva

Anónimo disse...

Muito bonita esta homenagem e muito a propósito, dado que hoje dia 20 de Outubro é o aniversário do Furriel Rogério Cardoso (Roger).

Estão os dois de parabéns.

João Almeida

JD disse...

Camaradas,
O que eu destaco desta homenagem, é a consideração especial que o Rogério ainda pode sentir da parte daqueles que com ele conviveram. Não tanto pelo heroísmo, mas pelas qualidades humanas que terá evidenciado, e lhe grangearam amizades que perduram.
Outro abraço para ambos
JD

Luis Faria disse...

Tony Borié

Linda esta singela mas elucidativa homenagem que prestas ao Homem altruísta e Militar Fur.Rogério Cardoso que,pelo que constato,foi e continua a ser merecedor da amizade e consideração de quem com ele conviveu nesses tempos difíceis.
O meu abraço para ti e para o "Roger"
Luis Faria

Hélder Valério disse...

Caro camarada

Esta tua homenagem ao "Roger", ainda por cima na sua data de aniversário, é a 'prova provada' que o reconhecimento da camaradagem surgida e alimentada nas condições que todos sabemos, não é coisa de somenos.

E ainda acresce o facto de ter o benefício da amizade do Rogério, que me tem presenteado com ela, e que foi mais um conhecimento adquirido aqui no nosso Blogue.

Abraço
Hélder S.

Rogerio Cardoso disse...

Obrigado camaradas pela prova de grande amizade. Os elogios que me foram dirigidos, a todos vós também podem ser destinados, porque todos cumprimos com o melhor do nosso esforço, a isso ninguém poderá duvidar.
Rogério Cardoso

Jorge Cardoso disse...

Abraço do filho que muito orgulho tem no seu querido Pai. Jorge Cardoso

Jorge Cardoso disse...

Abraço do filho que muito orgulho tem no seu querido Pai. Jorge Cardoso

Luis Faria disse...

Caro Jorge Cardoso

É bonito,é lindo o que escreveste!Ainda para mais é um testemunho público.Bonito,bonito!

A mais das vezes filhos e pais vão-se inibindo e protelando manifestações de afectos recíprocos ou não,que lhes vão na alma,como que envergonhados e esperando ocasião mais oportuna para se expressarem.Depois...bem depois pode ser tarde ... e lamenta-se não o ter feito!

Um abraço para os dois
Luis Faria