1. Décimo nono episódio da narrativa "Do Ninho de D'Águia até África", de autoria do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), iniciada no Poste P10177.
Do Ninho D'Águia até África (19)
Furriel Roger, o herói!
Lisboa, 10 de Junho de 1966 > Na foto, o Fur Mil Rogério Cardoso*, na fila de trás, assinalado com o círculo, antes de ser condecorado com a Cruz de Guerra. Em primeiro plano, à esquerda, também assinalado com um círculo, o seu Comandante, o Coronel Braamcamp Sobral.
Foto de Rogério Cardoso. Legenda de Carlos Vinhal
O carro dos doentes, como é conhecido no
aquartelamento, vai ao hospital, que fica na capital da
província, uma vez por semana.
Mais propriamente à sexta-feira.
A viatura é igual a outras que já aqui descrevemos. Quatro
bancos corridos descobertos. Se chove,
pouca diferença faz, até refresca.
Os doentes, são aqueles que necessitam de tratamento
periódico, ou adoecem mesmo, com qualquer enxaqueca, e vão à
consulta, previamente marcada. Se for ferimento grave,
ou qualquer outra causa de emergência, são evacuados de
helicóptero. Pelo menos é o que tem acontecido.
Sempre acompanha a viatura, uma secção de combate, que
normalmente viaja em dois jeeps, um atrás e outro na frente.
Desta vez, os militares vão mais confiantes, pois quem comanda
esta secção de combate é o furriel miliciano “Roger”, era
por este nome que era conhecido, um bom guerreiro e líder, entre
os militares de acção, e está estacionado num aquartelamento
onde quase tudo é improvisado, numa povoação mais a oeste, em
plena zona de combate. Neste momento, vai com a G3 numa mão, de pé, em cima do jeep, seguro com a outra mão, a apanhar a
aragem fresca no corpo, como de uma dádiva se tratasse.
O Cifra lembra-se, não só pelas mensagens, que na altura lhe
passaram pelas mãos, mas o que era voz corrente entre militares
de acção, pois este bravo militar, que pertencia a uma companhia
do batalhão, cujo comando, estava estacionado no aquartelamento
de Mansoa, se não estou em erro era o Batalhão de Artilharia
645, mais tarde, foi considerado um herói, pois foi evacuado,
ainda vivo, da zona de combate, com as pernas bastante
danificadas, pois uma granada, atingiu-o, não explodiu, e ele
ferido com o impacto, ainda teve coragem de
arremessar a granada para longe, com receio que explodisse e
ferisse os seus colegas, que angustiados e desesperados debaixo
de fogo intenso, enquanto tivessem munições, usavam “puta da
G3”, alguns gritando, com os olhos vermelhos de fúria e alguma
raiva, outros protegendo-se, tentando sobreviver, sem pensarem
em mais nada, que não fosse manterem-se vivos.
O furriel Roger foi um dos militares que ficaram no
pensamento de muitos, a sua fotografia foi colocada no quadro de
honra, que existia no aquartelamento em frente às instalações do
comando a que o Cifra pertencia, para exemplo de todos, e em
especial de tropas novas, e a sua história faria páginas e
páginas. Até foi motivo de uma certa rivalidade, em mensagens
trocadas com o comando territorial na capital da província, pois
ambos os comandantes, tanto o do comando a que o Cifra
pertencia, como o do seu batalhão, o queriam apresentar como
sendo seu militar.
A guerra para ele acabou, começou outra
guerra, que era a sua possível reabilitação. Depois de
tratado, com os meios que na altura havia no hospital da capital
da província, foi evacuado para a Metrópole,
como então se dizia, de onde andou de hospital em hospital.
Mais tarde, depois dessas rivalidades entre comandantes, o
comandante do Cifra, propôs uma cruz
de guerra ao Roger, que recebeu mais tarde, por altura do dia 10 de Junho, em
Lisboa. O furriel Roger, além de ser uma pessoa alegre, e
popular, pois tinha uma alegria e entusiasmo contagiantes, era
decidido e corajoso, e fazia parte de um grupo que “ia a todas”.
Fotografia do Roger, tirada em plena zona de guerra, na
região do Oio, sempre sorridente, sentado numa viatura auto, com
o registo MG-21-29. Foto tirada na estrada, rodeada
de matas, que naquela altura não era mais que um carreiro,
entre Bissorã e o Olossato.
Estas simples palavras são uma homenagem, em nome daqueles
que ele tinha a esperança de salvar, ao atirar para longe a
granada, embora já estivesse ferido, com desprezo pela
sua própria vida, pois nesse momento sentia o dever da sua
responsabilidade como líder, embora já não pudesse mover as suas
pernas, destroçadas e cobertas de sangue.
Felizmente, ainda está vivo, e faz parte dos nossos, que
cada vez somos menos, os antigos combatentes.
____________
Notas de CV:
(*) Rogério Cardoso foi Fur Mil na CART 643/BART 645 que esteve em Bissorã nos anos de 1964 a 1966
Vd. último poste da série de 16 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10536: Do Ninho D'Águia até África (18): O clima do Equador (Tony Borié)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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9 comentários:
Amigo Rogérío:
Gostei de ver, mesmo muito, tu seres lembrado e laureado por outro camarada que nem ao teu Batalhão pertencia.
Nunca é demais lembrar aqueles que com desprezo da sua própria vida, em dado momento, procuram salvar a dos outros.
Saudações para o Tony Borié
e tu Rogério recebe um abração
Rui Silva
Muito bonita esta homenagem e muito a propósito, dado que hoje dia 20 de Outubro é o aniversário do Furriel Rogério Cardoso (Roger).
Estão os dois de parabéns.
João Almeida
Camaradas,
O que eu destaco desta homenagem, é a consideração especial que o Rogério ainda pode sentir da parte daqueles que com ele conviveram. Não tanto pelo heroísmo, mas pelas qualidades humanas que terá evidenciado, e lhe grangearam amizades que perduram.
Outro abraço para ambos
JD
Tony Borié
Linda esta singela mas elucidativa homenagem que prestas ao Homem altruísta e Militar Fur.Rogério Cardoso que,pelo que constato,foi e continua a ser merecedor da amizade e consideração de quem com ele conviveu nesses tempos difíceis.
O meu abraço para ti e para o "Roger"
Luis Faria
Caro camarada
Esta tua homenagem ao "Roger", ainda por cima na sua data de aniversário, é a 'prova provada' que o reconhecimento da camaradagem surgida e alimentada nas condições que todos sabemos, não é coisa de somenos.
E ainda acresce o facto de ter o benefício da amizade do Rogério, que me tem presenteado com ela, e que foi mais um conhecimento adquirido aqui no nosso Blogue.
Abraço
Hélder S.
Obrigado camaradas pela prova de grande amizade. Os elogios que me foram dirigidos, a todos vós também podem ser destinados, porque todos cumprimos com o melhor do nosso esforço, a isso ninguém poderá duvidar.
Rogério Cardoso
Abraço do filho que muito orgulho tem no seu querido Pai. Jorge Cardoso
Abraço do filho que muito orgulho tem no seu querido Pai. Jorge Cardoso
Caro Jorge Cardoso
É bonito,é lindo o que escreveste!Ainda para mais é um testemunho público.Bonito,bonito!
A mais das vezes filhos e pais vão-se inibindo e protelando manifestações de afectos recíprocos ou não,que lhes vão na alma,como que envergonhados e esperando ocasião mais oportuna para se expressarem.Depois...bem depois pode ser tarde ... e lamenta-se não o ter feito!
Um abraço para os dois
Luis Faria
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