OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA
GUINÉ 65/67 - MEMÓRIAS AVULSAS
23 - EM BISSAU
A adaptação fez-se, tudo voltou à normalidade e acabei até para começar a ir ao médico, coisa que até agora não necessitara, pois que as pequenas mazelas, até então, resolviam-se com o Enfermeiro da Companhia.
No Hospital Militar conheci um Senhor Tenente-Médico, que depois voltei a encontrar "na" Lisboa e com quem aprendi o poder da mente. Imaginem só que certo dia e devido a excessos, senti que o meu órgão reprodutório estava a não reagir aos estímulos e isso colocava-me numa situação algo confusa, chegando até a temer que me estava a passar para "o outro lado".
Consulta marcada, apresentei o problema... o Senhor Doutor ouviu calmamente, ia tomando notas, questionou-me se era a primeira vez que tal me acontecia, mais isto... mais aquilo, etc... etc... etc... as frequências do acto... eu sei lá.
Depois dum enervante silêncio, ao mesmo tempo que ia rabiscando um papel, acaba por chamar o enfermeiro a quem segredou algo ao ouvido, este foi lá dentro e pomposamente voltou depois com um copo d'água e um comprimido, que deixou em cima da secretária e saiu.
É então que me explica que "isso pode acontecer, devido ao stress da função de que estás agora incumbido... e mais por isto... e mais por aquilo".
- Bom mas não fiques preocupado, vais tomar agora este comprimido e verás que hoje mesmo resolverás a questão que t'apoquenta" e voltas cá logo que queiras, para me dizeres como correu.
Cheio de fé fiquei, emborquei a pílula e raios m'a partam... resultou que nem ginjas, penso até que bati o meu record nessas tarde e noite.
Passados tempos encontrámo-nos, confirmei o bem da coisa e atrevi-me a pedir-lhe a receita, não fosse o diabo tecê-las e voltar a acontecer-me tão desagradável, senão incómoda situação.
- É pá isso não, não posso fazer isso mas se te acontecer semelhante tal, aparece que aqui na minha presença, tomarás tão mágica mezinha.
Por que insisti... insisti... e insisti, lá consegui que acedesse a dar-me mais uma daquelas milagrosas pastilhas. Chamou o enfermeiro, repetiu a cena do segredar-lhe ao ouvido, este ouvia religiosamente mas às tantas escangalhou-se a rir, (topei que estavam a gozar comigo) e diz:
- Ó Doutor, este gajo não é nenhum anjinho e mais vale dizer-lhe já que o que tomou foi uma aspirina.
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Éramos cinco à mesa: eu, a minha filha então com dois anos e meio, a minha mulher um pouco mais velha, (haviam chegado para me fazerem companhia por um ou dois meses) e um casal amigo, ele também Furriel Miliciano.
Comida opípara, bebidas nos conformes e a boa disposição reinava. Os contrastes da porca da vida, porém não deixaram que tudo fosse normal.
Cerca da meia-noite e quando a visita do Pai Natal já se anunciava, chegou o mini-moke que me procurava sempre que necessário e colocado ao serviço dos funestos acontecimentos, que me competiam após acontecidos, começar a acompanhar.
E lá fomos para o Hospital Militar.
Tragédia das tragédias, cinco dos nossos jaziam ali. Liguei para o Céu e perguntei: Porquê?
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Até que naquele dia 16 de Abril de 1967, determinaram e mandaram publicar, que eu devia embarcar no Uíge, a saudade começou aí, mas livrava-me finalmente do horror.
Voltei para a vida civil e um ano depois abandonei a Santa terrinha para vir para a Capital do Império.
Perdi coisas de que muito gostava, refiro-me ao Conjunto Sôr-Ritmo (onde fui o vocalista)... deixei as minhas mais que muitas fãs... a arbitragem de futebol e as saudações com pedras e até bocados da bancada com que me perseguiam em campo.
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P.S. - "SE A TANTO ME AJUDAR O ENGENHO E ARTE"
Ora aqui está uma frase que inventei agora e que decerto já leram em "Os Lusíadas", esse poema épico, escrito pelo nosso ENORME Luís Vaz de Camões.
Vem isto a propósito de que e não havendo PARA JÁ, mais a acrescentar, termino os melhores 40 meses da minha vida, mas pretendo regressar com o pós-Guiné, "Se a tanto me ajudar o engenho e arte", repito.
Grato estou aos que leram e gostaram, mais ainda aos que comentaram, aos que criticaram construtivamente.
Agradeço a todos vocês, meus novos amigos, que me "obrigaram" e mantiveram activo, vivo de verdade e rindo (também chorando) com as memórias que julgava não mais querer avivar.
Ao meu Caro Editor, SENHOR Carlos Vinhal que tão bem ilustrou e até titulou algumas crónicas, vai um especial obrigado.
Abraços para todos os que me fizeram sentir, de novo, o valor da amizade e aguardem-me porque no baú, velho como eu, ainda existem coisas para contar.
Até lá
Veríssimo Ferreira
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Nota do editor
Último poste da série de 1 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11781: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (40): 41.º episódio: Memórias avulsas (22): Alô Guiné... estou a chegar
8 comentários:
Caro Veríssimo,
Os meus parabéns por teres terminado a série dos 40 melhores meses da tua vida.
Não estou a dizer isto para me vêr livre das tuas escrituras, mas pelo contrário lançar-te o desafio de iniciares os 80 melhores meses da tua vida pós tropa.
Se te sentires desencorajado tomas uma aspirina ou uma vitamina, que "pissicológicamente" dá sempre resultado.
Continua a pôr as tuas memórias ao léu.
Aqui ninguém te atira pedras.
Um grande abraço.
Adriano Moreira
Pois, pois..meu caro V.Ferreira
Anda que hoje se for caso disso,já lá não vais com aspirina ou outro placebo qualquer...era a vantagem dos nossos 20 e poucos anos..
"Negas" toda a gente teve.
Hoje é mais a diabetes, a treta da próstata e "quejandos"..
Adorei as tuas "estórias"
Faz mas é o favor de continuares..
Um grande alfa bravo
C.Martins
Caro Veríssimo
Eu dancei ao som do "Sôr-Ritmo".
E se tu alguma vez actuaste em Castelo de Vide ou arredores, então foste um dos que me "deu música".
Além deste factor, creio estar certo ao dizer que fomos colegas de empresa, tendo chegado a estar juntos em algumas Acções de Formação e Reuniões de Área.
Não me lembro se, nestas alturas, chegámos a falar do "Sôr-Ritmo" ou da Guiné, mas se o fizemos terá sido só pela rama.
Tenho seguido com atenção, com gosto e com gozo a série dos melhores 40 meses da tua vida.
Continua.
Um grande abraço
José Pires Vermelho
Veríssimo
Pois é...dizes que terminaste as estórias dos teus »...Melhores 40 meses da tua vida...» Foi muito agradável ir lendo essas tuas estórias nas quais muitos de nós nos revemos então não é que passamos pelos mesmos sítios???
Além de mais caro Veríssimo o mais importante é que neste espaço temos tido a oportunidade de nos irmos conhecendo uns aos outros muito mais que algum dia seria imaginável.Eu pelo menos nunca gostei tanto de conhecer camaradas da Guiné como o que tem acontecido neste nosso espaço,ainda que á distância .
Bom caro camarada , vai continuando e busca nas tuas memórias mais umas estórias é que a malta já estava habituada.
Um abraço
Henrique Cerqueira
Veríssimo:
Acho que agora está na altura de selecionar os melhores episódios, e pensar em publicá-los num livrinho até 150/200 páginas... Pode até ser com esse originalíssimo e provacador título, Guiné: os 2 melhores anos da minha vida...
Eu ofereço-me para te escrever um prefácio (ou pósfácio) não menos original e provocador, a meias com com o Carlos Vinhal, que foi de facto o teu editor dedicadíssimo...
Tens sentido de humor, tens um enorme jeito para transformar o "fait-divers" em história de antologia, tens talento narrativo, és um bom observador do bicho homem, tens matéria-prima já trabalhadada... Do que é que estás à espera ?...
Bom, a coisa não pão pode ficar por aqui: e o pós-guerra ? a sabática, de 12 meses, no Alentejo, as "sopas & descanso" ? a adaptação a Lisboa ? o regresso à vida de paisano ?... Isso dá outra série...
Para depois das férias. Um abração. Luis
Eu sou a menina que está na foto e que tinha dis anos e meio quando esteve na Guiné. Sempre tive muito orgulho em dizer que o meu pai foi um combatente : não só na Guerra do Ultramar mas também na vida. Nunca nad alhe foi dado de mão beijada .Sempre trabalhou e lutou para ter alguma coisa na vida. É um exemplo de dignidade, integridade e muitos outros valores que tentei transmitir aos seus netos para quem ele é um ídolo e uma referência. Não deixes de escrever pai. Estas crónicas ajudam a exorcitar o passado cruel, e ajudam-nos a conhecer-te melhor. Respeitamos muito o sofrimento e a dôr da guerra dos ex-combatentes, mas é importante que essas memórias sejam partilhadas para ficarem para as futuras gerações. Ao meu pai, e a todos os que escrevem neste blog deixo o pedido : continuem a escrever a història. Para os vossos filhos, netos e bisnetos. Só quem lá esteve a pode contar. Bem haja quem fundou o blog, bem haja quem apreciou as crónicas do meu pai, e tu pai continua a escrever. Peço-te. Da filha que te adora.
Caro camarada Veríssimo Ferreira
Ora vamos lá a ver se consigo transmitir as minhas ideias de forma curta e concisa.
Uma das coisas que este Blogue tem como característica é colocar pessoas distintas, com experiências de vida e percursos distintos, com a possibilidade de se conhecerem e compreenderem.
Por mim, acho que se não fosse o Blogue, seria muito pouco provável que viéssemos a trocar ideias e o reconhecimento mútuo.
Começando pelo princípio temos logo o título, a todos os títulos 'provocatório', que escolheste para o conjunto dos textos que plasmaram as tuas memórias e relatos das tuas vivências da vida militar, com especial incidência, mas não só, pelos episódios ocorridos na Guiné.
Esse título de "os melhores 40 meses da minha vida", percebendo-se bem que te estavas a referir aos vividos em ambiente militar, pode ter, como calculas, várias 'leituras' e, também como podes calcular, algumas delas não serão (seriam) coincidentes com a minha 'visão' de tal passagem.
Sendo assim, tendo eu optado por valorizar o estilo da narrativa, a ironia sempre presente na forma e o conteúdo bastante expressivo da generalidade das tuas contribuições para o espólio do Blogue, fui um atento e interessado leitor desde os primeiros tempos e disso mesmo tive oportunidade de, em alguns comentários, ir pontuando e incentivando à continuação das tuas contribuições.
Hoje, em que tens a pretensão de "arrumar a caneta" (figura de estilo que pretende substituir o "não usar o teclado"), podes verificar a quantidade e qualidade das intervenções que por aqui aparecem a rechaçar esse teu intuito.
Não preciso de me socorrer do que o Luís, o Adriano, o C. Martins, o Vermelho, o Cerqueira, e outros que pensam o mesmo embora não o coloquem em 'letra de forma', para te dizer que a tua escrita foi muito e bem apreciada e que se espera que continues.
Agora, a "cereja em cima do bolo" vem exactamente de onde certamente não esperavas, especialmente por aqui (confesso que também não esperava, fiquei até com alguma emoção), veio de uma tal 'menina' Paula que de uma forma cheia de amor filial, com grande empolgamento e com toda a razão, escreve as palavras certas e que subscrevo totalmente.
Já conhecia a foto da família em Bissau através do Face e aproveito a ocasião para te render homenagem quanto ao facto de teres podido proporcionar à tua família (existente à data) a possibilidade de conhecerem esse pedaço de África, mesmo em tempos de incerteza, para que pudessem "crescer", em conhecimento e riqueza interior.
Presumo que mesmo muito jovem, terá ficado alguma coisa na memória de infância que permita ter agora uma 'filtragem' quando surgem notícias depreciativas sobre a Guiné, as suas terras e suas gentes.
Caro amigo Veríssimo, dá-te uma 'folga', recupera o fôlego e sempre que possas e queiras... escreve!
Um grande abraço
Hélder Sousa
Olá Veríssimo.
Cheguei ontem a casa, andei uns dias pelo norte, já tinha visto a "notícia", mas andava "atarefado", e não podia comentá-la, e hoje, verifiquei lá em cima no blogue, a tua filha e o Helder, talvez também admirados, a dizerem para continuares, pois com toda a certeza que vais continuar, tens jeito a escrever, dás sempre uma certa "graça", em algumas situações aflitivas, e acima de tudo ajuda-te a passar o tempo, pois o "fdp" do relógio é lento!
Um abraço, o dia hoje está lindo, estamos vivos, eu, pelo menos hoje não tenho dores, a nossa idade de "ouro", é a idade mais linda do mundo, a nossa geração foi e continua a ser a "melhor"!.
Espero ler a próxima.
Tony Borie.
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