quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Guiné 63/74 - P12085: "Memórias da Guiné", por Fernando Valente (Magro) (10): Actividades não oficiais

1. Continuação das "Memórias da Guiné" do nosso camarada Fernando Valente (Magro) (ex-Cap Mil Art.ª do BENG 447, Bissau, 1970/72), que foram publicadas em livro de sua autoria com o mesmo título, Edições Polvo, 2005:


MEMÓRIAS DA GUINÉ

Fernando de Pinho Valente (Magro)
ex-Cap. Mil de Artilharia 

10 - ACTIVIDADES NÃO OFICIAIS



Na esplanada do café Bento, em Bissau, encontrei o Inocêncio, que conhecia da Metrópole. Ele tinha sido funcionário da Câmara Municipal de Viseu e era genro de um capataz de obras públicas da Junta Autónoma de Estradas onde eu trabalhara.

Fez-me uma festa.
- O Senhor Engenheiro aqui, na Guiné?!

Expliquei-lhe a situação em que me encontrava como Capitão ao serviço do Exército.
Disse-me ele que estava colocado nos Serviços Administrativos da Tecnil, uma empresa de construções, especialmente vocacionada para a abertura e pavimentação de estradas, cujos donos eram oriundos de Viseu. Também me disse que, naquela altura, não tinham nenhum técnico qualificado na empresa e que o Governo havia adjudicado à Tecnil as pavimentações de diversos arruamentos de Bissau. Que iria telefonar à noite para Lisboa ao Engenheiro Ramiro Sobral (um dos donos), como diariamente fazia, e o iria informar que eu estava em Bissau.

- O Senhor Engenheiro não nos quererá dar uma ajuda?

Disse-lhe que me era impossível, uma vez que estava preso ao serviço militar praticamente das 9 horas da manhã até às 17 horas.
Respondeu-me que bastaria que passasse todos os dias pela obra às oito horas da manhã, no início dos trabalhos, para combinar com o encarregado a tarefa do dia tirando-lhe qualquer dificuldade que tivesse. Depois, durante o dia mesmo à hora do almoço bastava que passasse rapidamente pela obra para me assegurar que os trabalhos corriam com regularidade. E isso chegava.
Nessas condições disse-lhe que poderia contar com a minha colaboração.

No dia seguinte o Inocêncio apareceu-me no Batalhão de Engenharia comunicando-me que o Engenheiro Ramiro Sobral me pedia que entrasse imediatamente ao serviço da Tecnil e começasse por estudar os processos de adjudicação das obras e as condições em que as mesmas teriam de ser levadas a efeito para que, logo que possível, os trabalhos pudessem ser iniciados.

Assim entrei ao serviço da empresa sem sequer saber qual seria meu ordenado. Só o vim a saber passados três meses, quando o Engenheiro Ramiro Sobral se deslocou a Bissau e me perguntou quanto queria ganhar.
Informei-o do tempo diário que dedicava à Tecnil, tanto nos locais das obras como com os estudos dos projectos. E disse-lhe que ele sabia melhor do que eu, naquelas condições, quanto poderia valer o meu trabalho.
Adiantou-me um valor mensal que era sensivelmente o que auferia a tempo inteiro em Viseu, na JAE. Aceitei imediatamente a sua proposta.

Trabalhando para a Tecnil, orientei os trabalhos de arranjo e modificação do perfil da Avenida da República junto ao Largo de Nuno Tristão e ao edifício da Sociedade Gouveia e do Café Bento, local onde, quando chovia, se juntava muita água e cujo escoamento era difícil.
Orientei ainda os trabalhos de pavimentação das ruas de Angola e de Moçambique e da estrada de Bor, desde o Largo de Teixeira Pinto até à estrada de Santa Luzia.
Projectei e executei, quase completamente, o edifício das novas instalações da Tecnil junto à estrada de Santa Luzia.

Largo de Nuno Tristão

Também encontrei em Bissau o Dr. Moniz, que conhecia de Viseu como professor da Escola Industrial.
O Dr. Moniz, que possuía uma casa senhorial em Rio de Moinhos, em certa ocasião necessitou de umas árvores e arbustos e dirigiu-se à Direcção de Estradas de Viseu no sentido de conseguir o que pretendia dos viveiros da JAE na Queiriga.
O meu Director mandou-o entender-se comigo, uma vez que, na altura, além da responsabilidade da conservação da rede rodoviária nacional da área de Viseu, também geria o referido viveiro da Queiriga.
Facultei-lhe o que pretendia.
O nosso conhecimento teve origem nesse facto e ele ficou-me sempre agradecido.

O Dr. Moniz informou-me que era Director da Escola Comercial e Industrial de Bissau e que precisava de professores.

- O Senhor Engenheiro é que poderia resolver-me um problema. Não tenho professores de Matemática nem de Desenho.

Disse-lhe que era absolutamente impossível satisfazer o que pretendia uma vez que saía do Quartel cerca das 17 horas.

- Mas o meu problema é justamente no horário nocturno.

Retorqui-lhe que já tinha o serviço da Tecnil e que, depois do jantar, ficava por casa a fazer companhia à família e a descansar.

- No entanto, continuou o Dr. Moniz, o horário nocturno aqui em Bissau começa justamente às 18 horas e o serviço docente a partir dessa hora é pago a dobrar. Não quererá o Sr. Engenheiro ao menos leccionar duas horas por dia das 18 às 20 horas?

Nessas condições aceitei o que o Dr. Moniz me propunha e passei a ser professor de Matemática e de Desenho Geral na Escola Comercial e Industrial de Bissau, exercendo essa actividade durante dois anos lectivos (1970-1971 e 1971-1972).

Fiquei com o meu tempo completamente preenchido até às 20 horas.

Nos fins-de-semana, e em casa à noite, ainda tive tempo de realizar alguns projectos de engenharia civil, a saber:
- Projecto de um edifício misto, com snack-bar, apartamentos e armazém para a Sociedade Comercial Ultramarina de colaboração com o Arquitecto Fernando Pereira Morgado, Capitão miliciano como eu;
- Projecto das infra-estruturas de um bairro de casas económicas para a Caixa de Previdência dos Funcionários Civis;
- Projecto de um bloco de apartamentos com rés-do-chão comercial para António Amaro;
- Projecto de um bloco de apartamentos e das instalações para uma fábrica de camisas.

Algumas pessoas que me estavam mais ligadas começaram, a dada altura, a aperceber-se destas minhas actividades bem como dos rendimentos que auferia e, por isso, na área militar passei a ser conhecido como "Capitão Caça-níqueis".

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 18 DE SETEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12057: "Memórias da Guiné", por Fernando Valente (Magro) (9): Os reordenamentos populacionais

8 comentários:

Henrique Cerqueira disse...

Pensei muito se devia ou não comentar o poste do nosso camarada Fernando Valente.Mas mesmo assim resolvi comentar e desde já peço ao camarada EX Cap.Mil que não interprete o meu comentário erradamente. Até porque ao ser publicado o seu texto permite que dentro do bom senso e respeito pelas regras do blogue seja expressa a minha opinião sobre o mesmo.
Pois o Fernando Valente que se auto-intitula de " Capitão Caça-Niqueis" eu diria " ...Caça Tachos...". Na realidade e até penso que quando as oportunidades boas nos "aparecem"devemos aproveitar. Mas mais uma vês e sem querer ofender eu conheci vários camaradas meus militares que se fartaram de prestar serviços a civis e para interesses civis,nomeadamente na área do ensino,saúde ,transportes terrestes e aduaneiros que como na sua actividade civil eram especialistas,foram recrutados para exercer essas actividades ,mas só ganhavam o pré da tropa.Bom na verdade não eram recrutados no Café Bento eram logo recrutados nas companhias e quando muito iam para Bissau o que já não era nada mau,assim já podiam ir ao "Bento".
Já agora a Tecnil andou a fazer a estrada Mansoa Bissorã e nunca lá vi nenhum militar pela manhãzinha.Minto... via os meus militares e os dos meus camaradas da CCAÇ13 mas logo,logo pela manhã iam os sapadores desactivar as armadilhas da frente de trabalhos.
Eu sei que em todas a épocas houveram favorecimentos,e a malta tinha era que aproveitar o camarada Fernando aproveitou. Hoje em dia é igual mas com mais requintes de "Democráticos"(entra-se na política e arrisca-se a ser Administrador de uma empresa pública e a ganhar mais uns "niqueis" vulgo euros ). O Fernando safou-se lá isso safou,pena minha que não consegui o mesmo.Só uma pergunta com tanto trabalhinho quando é que descansava?
Bom tenho dito e comentado e só peço ao camarada Fernando que não se "Abespinhe" comigo que se calhar isto é só "dor de cotovelo"
Um abraço
Henrique Cerqueira

Anónimo disse...

Raul Solnado näo teria...melhor "Guerra".

Anónimo disse...

Curiosa experiência de Guerra!


Diria mesmo épica. Uma epopeia de

caça-niqueis...


Abraço.

J.Cabral

Antº Rosinha disse...

Foi um antigo capitão-engenheiro do Batalhão de Engenharia de Bissau, que "fechou" as portas da Tecnil falida em 1982.

Esse engenheiro, já major na reserva,
teve que sair clandestinamente de Bissau para não ficar como responsável da Tecnil falida, às ordens do Tribunal em Bissau.

Ao tal Ramiro Sobral, patrão de Viseu, já faltava jogo de cintura para lidar com as novas burocracias guineenses, eram demasiado soviéticas para o paladar dos 75 anos do velhote beirão.

O Henrique Cerqueira ao lembrar o aproveitamento de oportunidades de "biscates" por engenheiros, professores médicos, etc. eram até incentivados e discretamente recomendados pelo Regime, e também não se pense que o velho Salazar não via irem para França imensos remetentes de Francos.

?Quantos passadores não estariam feitos com a PIDE?

Sem falar nos jogadores mobilizados de futebol que não ingressaram no Benfica de Nambuangongo ou de Cabedu para ficarem no Sporting de Luanda ou desportivo de Lourenço Marques que eram à beira da praia.

Claro que a guerra em câmara lenta de Angola como foi a minha guerra, dava para apreciar melhor estas coisas.

O Fernando Valente não fez mais que o trivial e não fez mais daquilo que lhe era "exigido".

Muitos engenheiros e médicos e mecânicos jogadores de futebol largaram a tropa mas não largaram Angola, porque aquilo era mesmo bom, ao contrário da Guiné.

A guerra colonial foi mais complicada do que simplesmente matar e morrer.

Claro que meu olhar de retornado também vê um pouco enviesado.

O Fernando Valente talvez não saiba, mas o Batalhão de Engenharia ficou mais tarde como ministério das Obras Públicas.

Embora uma parte das instalações albergou famílias de Combatentes da Liberdade da Pátria.

A Tecnil acabou por ser negociada entre o Governo de Nino e a Soares da Costa, com o aperto de mão selado por Valentim Loureiro.

Cumpromentos

Anónimo disse...

OH meus "amigoseeess"

Para que é que serve um engenheiro..é para "engenheirar"..não ?!

E um médico..e um arquitecto..e um advogado..coiso e tal..

O resto vai no mato..canhota nas mãos e dá uns tiritos..sempre foi assim, é e será..o resto são tretas..

C.Martins

Anónimo disse...

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