Camarada Luís
Envio-te este texto, que foca mais o percurso do Serviço Militar Obrigatório antes da minha mobilização.
Sei que o texto não vai agradar a alguns, mas há que ter em conta que tive imenso cuidado, nesta época festiva, de narrar algo que julgo ser divertido. O Natal de 1967 foi terrível para mim, penso até que nenhum ex combatente gosta do Natal. Mas isso é caso para partilhar - talvez ainda esta semana, ou no início da semana que vem - num texto que posso tentar escrever.
Um abraço, Mário Vitorino Gaspar
P. S - Assino somente o meu nome completo pelo amor que nutro e nutria pela minha MÃE - Maria Eugénia da Conceição Vitorino Gaspar
Uma das traiçoeiras minas A/C montadas pelo PAIGC, algures no TO da Guiné...
"Em 5 de Agosto de 1968, pelas 10h07, em [?] 1615 1220 A0-74, foi levantada uma mina A/C TMD, reforçada com 2 granadas P27, uma de cada lado. As duas espoletas MUV foram escorvadas em 2 petardos de 20 gramas de trotil e colocadas ao alto, indo o armador apoiar-se directamente na cauda do percutor, estando a mina montada para ser accionada por pressão. Em lugar da cavilha normal metálica da espoleta MUV encontrou-se uma cavilha calibrada, de madeira. O peso de qualquer indivíduo era suficiente para partir tal cavilha e accionar a espoleta, pelo que a mina assim montada funciona como anti-carro e anti-pessoal." [Fonte: Extrato de Supintrep, nº 32, de Junho de 1971]
Infografia: A. Marques Lopes (2008) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné
2. Sou do famigerado XX Curso de Explosivos de Minas e Armadilhas, iniciado a 8 de Agosto e terminado 17 de Setembro de 1966, na Escola Prática de Engenharia (EPE), em Tancos
por Mário Gaspar
[ex Furriel Miliciano, Minas e Armadilhas,
CART 1659, "Zorba"
(Gadamael e Ganturé, 1967/68)]
Eu, Furriel Miliciano de Artilharia nº 03163264, como Cabo Miliciano de Artilharia – e como costumo usualmente dizer – mas munido de G3 e de todas as armas, rumei para o RI 14, em Viseu, no dia 13 de Abril de 1966, onde, como Monitor, dei diversas instruções até 26 de Junho.
Chamado para frequentar o Curso de Operações Especiais (CIOE) em Lamego, em 4 de Julho, em 10 de Julho, fomos inúmeros Oficiais e Sargentos eliminados deste curso, que tem muitas histórias para contar.
De 15 de Julho até 1 de Agosto estive novamente como Monitor no RI 14 em Viseu. Escolhido para representar a Unidade nos Campeonatos da 2ª Região Militar, em Tomar a 20 de Julho. Nestes campeonatos fui à final, e escolhido para os Campeonatos Nacionais das Regiões Militares.
Quando menos esperava, deixei o RI 14 visto ter conhecimento pessoalmente – e no dia do Juramento de Bandeira dos recrutas onde era um dos Monitores – ter sido mobilizado, ignorando o destino, se Angola, Guiné ou Moçambique. Os pelotões onde administrei recrutas, compunham-se de 77/78 mancebos, e quando se trata de falar em preparar jovens para a guerra são pelotões com um número anormal.
Marchei, portanto em 6 Agosto para a Escola Prática de Engenharia (EPE) em Tancos, a fim de frequentar o XX Curso de Explosivos de Minas e Armadilhas, iniciado a 8 e terminado 17 de Setembro de 1966. Pensei logo. Mais valia ter ficado em Lamego e frequentar o Curso de Operações Especiais.
O Curso de Explosivos de Minas e Armadilhas, curiosamente, foi uma pausa na minha caminhada militar, visto ter sido rico em situações de algum modo caricatas. Somente Oficiais e Sargentos Milicianos, quase na unanimidade os que tinham estado comigo no CIOE em Lamego e que haviam sido excluídos (não é bem o termo porque a verdade é que não o quisemos frequentar, na grande parte dos casos), para além de um “levantamento de rancho”, numa Carne de Porco à Alentejana, por aquilo que me lembro, o levantamento só se fez na Messe de Sargentos. As amêijoas encontravam-se estragadas. Depois de diversas tentativas para uma reconciliação, mantivemos a posição até substituírem os bivalves, que cheiravam mal, por outra refeição.
Posteriormente na instrução prática, desviámos um detonador pirotécnico, um petardo de trotil, um adaptador e cordão lento. À noite, após a devida montagem, foi colocado este engenho explosivo, por um grupo previamente escolhido, num passeio, e encostado a uma caserna. Os outros, desde um Tenente, passando pelos Aspirantes e Cabos Milicianos, deitaram-se.
Aqueles que haviam colocado o engenho explosivo, nas maiores calmas, para que não sucedesse algo de imprevisto que estragasse a “brincadeira”, foram igualmente para as suas camas.
Rebentamento forte na Escola Prática de Engenharia, em Tancos – no XX Curso de Explosivos de Minas e Armadilhas – diga-se o XX Curso porque acho que ficou conhecido. E, após o rebentamento um alerta. Toda a EPE na parada. Sabotagem? A ARA? Diversas versões. Por mais voltas que dessem, ninguém piou. Quem foi, e quem não foi? Sabe-se lá o que mais se disse.
Eu fiquei sem os 90$00 do pré, porque o Cabo Miliciano era 1º Cabo no pré e Sargento no Serviço. Foi o castigo, que acho ter sido igual para todos.
No final do Curso, quanto à parte prática, tínhamos de “inventar uma armadilha”, mesmo montada ou em alternativa sugeri-la através de desenhos ou por sugestões escritas. Eu tinha como Instrutor um Tenente de Engenharia, bastante simpático e, quando chegou a vez de apresentar o meu trabalho, perguntou-me:
– Então Mário, o que fez? – Respondi-lhe:
– Não me ocorreu nada, meu Tenente!.
Ele agarrou no meu Livro enorme de Minas e Armadilhas, e teve tempo ainda para dizer:
– Tem este livro que tem tudo sobre minas e armadilhas….
Ouviu-se um estoiro. Eu havia retirado as páginas centrais do livro, substituindo as mesmas por páginas de jornais onde fizera uma fenda onde coloquei um disparador de descompressão. Trabalho difícil, mas fi-lo mais como brincadeira. Digo bem, foi uma brincadeira! O Tenente riu e gostou desta minha prova de final de Curso. Muitos foram os chumbos neste Curso.
No Cine Teatro de Tancos – para os que o completaram com êxito o Curso – foi-lhes ofertado um Diploma. Eu tenho o meu. Os que chumbaram, julgo que foram punidos disciplinarmente. Ouvimos todos, um raspanete do Comandante de Instrução:
No Cine Teatro de Tancos – para os que o completaram com êxito o Curso – foi-lhes ofertado um Diploma. Eu tenho o meu. Os que chumbaram, julgo que foram punidos disciplinarmente. Ouvimos todos, um raspanete do Comandante de Instrução:
– Porque o vosso Curso foi o pior da Escola Prática de Engenharia… Por isto e por aquilo!
Ter feito este Curso de Explosivos de Minas e Armadilhas, foi a pior coisa que me aconteceu no meu percurso militar.
Pergunto para quem me lê:
Ter feito este Curso de Explosivos de Minas e Armadilhas, foi a pior coisa que me aconteceu no meu percurso militar.
Pergunto para quem me lê:
– Quantos Especialistas de Explosivos de Minas e Armadilhas morreram ou ficaram deficientes nesta Guerra Colonial?.
É pena que não tenham feito um Levantamento da Guerra Colonial. Colocavam as questões: (i) Esteve na Guerra Colonial?; (ii) Se esteve diga onde?. E com espaços para as respostas... Outras questões podiam e podem ser colocadas.
Tiveram todo o tempo para o fazer, e todas as oportunidades com os “Censos”. Penso que após o fim da Guerra Colonial existiram os “Censos” de 1981, 1991, 2001 e 2011, portanto ultimamente são efectuados de dez em dez anos. Agora possivelmente só em 2021.
Muito embora não tenha falado sobre a minha experiência de guerra em Gadamael Porto e Ganturé, passando por Mejo, Guileje, Sangonhá, Cacoca, Cameconde e Cacine. Mais tarde surgiu Gandembel, que deve ser, e com certeza, uma “pedra no sapato” dos nossos cérebros militares. Para quem lá estava, e que conhecia a realidade da zona do famigerado “corredor da morte”, impensável montar um aquartelamento em pleno corredor, também chamado “corredor de Guileje”.
É pena que não tenham feito um Levantamento da Guerra Colonial. Colocavam as questões: (i) Esteve na Guerra Colonial?; (ii) Se esteve diga onde?. E com espaços para as respostas... Outras questões podiam e podem ser colocadas.
Tiveram todo o tempo para o fazer, e todas as oportunidades com os “Censos”. Penso que após o fim da Guerra Colonial existiram os “Censos” de 1981, 1991, 2001 e 2011, portanto ultimamente são efectuados de dez em dez anos. Agora possivelmente só em 2021.
Muito embora não tenha falado sobre a minha experiência de guerra em Gadamael Porto e Ganturé, passando por Mejo, Guileje, Sangonhá, Cacoca, Cameconde e Cacine. Mais tarde surgiu Gandembel, que deve ser, e com certeza, uma “pedra no sapato” dos nossos cérebros militares. Para quem lá estava, e que conhecia a realidade da zona do famigerado “corredor da morte”, impensável montar um aquartelamento em pleno corredor, também chamado “corredor de Guileje”.
E viu-se o que se viu. Acabou-se com Sangonhá e Cacoca – enquanto a CART 1659 se encontrava em Gadamael – e depois Ganturé e Mejo. Gandembel vai também ao ar e incrivelmente em Guileje acontece o que todos sabem. E Gadamael Porto esteve por pouco.
Depois foi o caos.
____________Depois foi o caos.
Nota do editor:
Último poste da série > 3 de janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12538: Recordações de um "Zorba" (Mário Gaspar, ex-Fur Mil At Art, MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68) (4): Elementos para a história e a cultura da nossa presença em África: o antropólogo Augusto Mesquitela Lima, refundador do Museu do Dundo / Diamang, e o comandante Ernesto Vilhena, administrador-delegado da Diamang
Último poste da série > 3 de janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12538: Recordações de um "Zorba" (Mário Gaspar, ex-Fur Mil At Art, MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68) (4): Elementos para a história e a cultura da nossa presença em África: o antropólogo Augusto Mesquitela Lima, refundador do Museu do Dundo / Diamang, e o comandante Ernesto Vilhena, administrador-delegado da Diamang
8 comentários:
Olá Camarada
Subscrevo, como especialista, a maioria das afirmações que fazes em relação à Instrução, em geral e das minas e armadilhas, em particular.
Já me tenho perguntado muitas vezes se com pouco de investigação operacional não poderíamos ter evitado muitas das perdas que tivemos com as minas e armadilhas do In. Não havia protecções para os olhos e talvez não fossem difíceis de construir e utilizar.
Através de um estudo e pesquisa poderíamos ter encontrado outras soluções...
Um Ab.
António J. P. Costa
Outro assunto.
O vosso Cap. Mansilha, advogado de profissão, teve um pequeno desaguisado com a Intendência do TO daquela PU. Ora conta para a gente se rir.
Um Ab.
António Costa
Também fiz o curso de Minas e Armadilhas, em Tancos, ainda em 1971.
Encartado, licenciado nunca mais esqueço uma barras de trotil, amarelinhas, cilíndricas que roubei e escondi na cozinha da minha casa, em Benfica, com uns detonadores e cordão lento guardados no outro lado,na sala, à espera de fazer umas bombas para ajudar a rebentar com o regime. Santa e perigosa ingenuidade! Depois do 25 de Abril, o trotil, os detonadores,
o cordão lento foram metidos em dois sacos diferentes,com umas pedras de lastro, e lançados por mim
para o fundo das águas do Tejo, num barco, a meio do rio, na carreira Belém/Trafaria.
Nunca contei isto em parte nenhuma.
Vai agora. As coisas que um homem faz, ou não faz, na vida!...
Abraço,
António Graça de Abreu
Tenho uma admiração especial por todos os "minas e armadilhas" que julgo que foi a especialidade militar mais perigosa.
Quando fui mobilizado o que mais temia eram precisamente.. essas.. as "minas".
Então não é que em Gadamael..antes da retracção..foram levantados os nossos campos de minas, e um dia um furriel convidou-me a ir com ele..e talvez para exorcizar o meu medo..fui.
NÃO MEXE...não me mexi..tinha colocado a ponta da bota a uns 20cm de uma mina anti-pessoal com uma anti-carro por baixo.
Fugi dali a "sete pés".
C.Martins
Caros camaradas
Estive em Tancos, também.
Mas numa acção de estágio de Transmissões, no âmbito do STM.
'Usufruí' da enorme parada, das casernas, do cinema, etc.
Enquanto por lá estive, do início de Janeiro a meados de Abril de 70, fui contemporâneo de camaradas que andavam por lá em outras especialidades mas, sinceramente, não me lembro de qualquer referência.
Quanto às observações que o Mário Gaspar coloca em relação à falta de elementos nos censos, confesso que nunca me tinha lembrado disso mas faz todo o sentido sendo também verdade que já deve ter passado a oportunidade útil.
Como já referi noutro comentário, e à semelhança do que diz o C. Martins, tenho de facto uma admiração especial pelo pessoal das 'minas e armadilhas'.
Abraço
Hélder S.
Fui Aspirante a frequentar o Curso de Minas e Armadilhas, na EPE em princípios de 1965.
O pessoal, primeiro era enviado para o CIOE de Lamego. Cada um, inventava tudo para não ser escolhido para frequentar o Curso de Operações Especiais.
Os que não era selecionados para Operações Especiais, regressavam às suas Unidades e passados alguns dias, marchavam para Tancos para a frequência do Curso de Minas e Armadilhas, onde não havia seleção, para o mesmo. Aqui, eramos alertados, para que se não obtivéssemos aproveitamento, seriamos punidos.
Muitos de nós chegámos a dizer : PORQUE FIZEMOS RONHA E NÃO FICÁMOS EM LAMEGO
pergunta quem escreveu:
– Quantos Especialistas de Explosivos de Minas e Armadilhas morreram ou ficaram deficientes nesta Guerra Colonial?.
O camarada que lança esta pergunta na sua dissertação deixa-me curioso, pois fico sem saber se foram muitos ou poucos.
se foram muitos ou poucos quais as razões para tal caso '
agora pergunto eu :
--não acha o camarada que um curso de oito dias para a especialidade e consequente guerra em questão não era nada?
abraço
jc. lino
Caro Correia Lino, o Mário Gaspar não se expressou correctamente. Ele começou o Curso em 8 de Agosto e terminou em 17 de Setembro. Eu também fiz o curso de Minas e Armadilhas na EPE, em 1969, o XXXIII, entre Outubro e Dezembro, com a duração de cerca de 6 semanas.
Vou rectificar o título do poste que induz em erro.
Carlos Vinhal
Ex- Fur Mil Art MA
Leça da Palmeira
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