1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Setembro de 2013:
Queridos amigos,
Não vale a pena acrescentar mais pormenores sobre o recuo que constituiu o conflito político-militar, como o mesmo levou à destruição dos múltiplos ganhos adquiridos, na formação, na preparação de legislação, nas obras de engenharia civil e militar, no apetrechamento de lanchas para a vigilância das águas territoriais, entre outros domínios.
O registo do General Gonçalves Ribeiro vai até 2006, apelo a quem dispõe de elementos sobre a Cooperação Técnico-Militar até à atualidade que faça o favor de mos emprestar.
Um abraço do
Mário
A Cooperação Técnico-Militar e a Guiné-Bissau (2)
Beja Santos
O livro “O Reecontro, Da Ponte Aérea à Cooperação”, do General Gonçalves Ribeiro (Editorial Inquérito, 2006) dá importante informação sobre o histórico da cooperação técnico-militar na Guiné-Bissau. Fez-se referência, no primeiro texto, à execução dos diferentes programas que ocorreram entre 1991 e 1998, data em que se desencadeou um conflito político-militar que deitou por terra parte importante dessa cooperação, como se referiu.
No auge dos combates, em 23 de Junho, é divulgado o programa da autodenominada Junta Militar para Consolidação da Democracia, Justiça e Paz. A vida dos cooperantes portugueses, militares e civis, era cada vez mais difícil. A Embaixada de Portugal estava superlotada, na residência da Cooperação Técnico-Militar iam aparecendo profissionais de saúde e empresários, à busca de abrigo. Em 11 de Junho, cerca de 2 mil refugiados e desalojados foram evacuados no “Ponta de Sagres” e cinco dias depois entrava em ação a fragata “Vasco da Gama”. A comunidade internacional buscava soluções para o conflito, logo no fim de Julho se concluía um memorando de entendimento com os representantes do Governo e da Junta, ali se falava de trégua imediata, cessação das hostilidades, abertura imediata de corredores humanitários e de negociações. O autor considera que este memorando foi o elemento decisivo para que a Junta passasse a ser reconhecida pela comunidade internacional. Sucedem-se as reuniões, a CPLP, a CEDEAO, a OUA, a UE e a ONU participam. As reuniões deslocam-se para a cidade da Praia em 25 de Agosto, assistem representante da CEDEAO e da CPLP. Os dias passam, há avanços e recuos, as condições de vida continuam a degradar-se sobretudo nas áreas da alimentação, saúde e energia.
Em 15 e 16 de Setembro teve lugar em Abidjan a segunda reunião, comparece a OUA, propõe-se uma missão conjunta de observação CEDEAO/CPLP, apoiada por uma força de interposição. No início de Outubro, o Ministro da Defesa da Guiné-Bissau convida o adido militar português, conversam longamente, Nino Vieira pede um maior empenhamento direito de Portugal. O embaixador português e o adido militar conversam com os dois contendores. Aqui e acolá há tricas, trocas de tiros, faíscas que parecem incontroláveis. Todos lutam pelo cessar-fogo, o problema é que há enormes preconceitos de um lado e do outro. A 23 de Outubro, a Junta Militar lançou um ultimato a Nino Vieira, dá-lhe 48 horas para o aceitar e caso contrário ameaçam com “o assalto final a Bissau”. Nova agitação da comunidade internacional, a tensão reduziu-se e a 29 de Outubro Nino Vieira e Ansumane Mané encontram-se em Banjul, a capital da Gâmbia e daqui seguiram para Abuja, capital da Nigéria. É aqui que se assina um acordo ratificado por outros Chefes de Estado, o cessar-fogo parece de pedra e cal, nomeia-se uma comissão executiva conjunta, mas a instabilidade prosseguiu, chegou a vez da Assembleia Nacional Popular retirar a confiança política a Nino Vieira.
Passado o susto, constituiu-se um Governo de Unidade Nacional, empossado em Fevereiro de 1999. A última gota do copo de água ocorreu em Maio, Nino Vieira não aceitava desarmar o Batalhão da Guarda ao Palácio Presidencial, a Junta Militar respondeu apoderando-se de armas e munições armazenadas em contentores à guarda da força de interposição, a seguir, reiniciaram-se violentos combates nas ruas de Bissau. Era uma inesperada ofensiva em que a Junta procurava ocupar o Palácio Presidencial. A Embaixada de Portugal recebeu um pedido de asilo político de Nino Vieira, a Junta estava vitoriosa, bandos desgovernados pilharam diferentes edifícios estatais, incluindo a Embaixada do Senegal e o Palácio Presidencial. O Centro Cultural Francês foi pilhado e incendiado, cerca de três dezenas de pessoas, com os diplomatas à frente, tiveram que procurar refúgio na Embaixada de Portugal.
A nova ordem, aos ziguezagues, impunha-se. Malam Bacai Sanhá sucedeu a Nino Vieira. Fizeram-se centenas de detenções, não houve execuções sumárias. Logo que se começou a trabalhar no novo programa de cooperação. Com urgência, seguiram fardamento, medicamentos e rações de combate; abriu-se uma nova linha de cursos. A instabilidade mudava agora de figura e de estilo. Ansumane Mané parecia querer plenos poderes, apurados os resultados das próximas eleições gerais, elementos preponderantes da Junta demarcaram-se das propostas do seu líder. Os efetivos militares estavam empolados, isto quando não havia dinheiro nem meios para satisfazer as necessidades mais prementes deste elevado efetivo da tropa. Em Maio de 2000, começava o braço de ferro entre Ansumane Mané, o Presidente da República e o Governo. Mas as grandes confrontações ocorreram em Novembro desse ano, o epílogo dramático teve lugar no dia 30. Tudo começou com a questão das promoções, Ansumane Mané isolou-se e a 30 de Novembro, na sequência de um confronto armado de contornos pouco esclarecidos, Ansumane Mané foi morto.
É escusado de dizer que a instabilidade nunca mais recuou. O novo presidente, Kumba Ialá, teve o condão de se desautorizar a ponto de ter sido metido num golpe palaciano. O General Veríssimo Seabra, antigo apoiante de Ansumane Mané e figura grada da Junta Militar, figura proeminente da hierarquia militar foi morto em Outubro de 2004. Nino Vieira regressou ao país para concorrer às eleições presidenciais de 2005, triunfou.
O relato do general Gonçalves Ribeiro acaba aqui. Não restam dúvidas que o período de arranque da cooperação decorreu num clima de grande entusiasmo, orientou-se para a formação de jovens militares, classificou-os em aptidões várias; foi uma cooperação que permitiu vigiar as águas territoriais e dissuadir os barcos pesqueiros predadores; a engenharia deixou obra militar e civil; o conflito político-militar obrigou a que se reiniciasse tudo a partir quase da estaca zero.
Valerá a pena juntar ao registo do General Gonçalves Ribeiro toda a cooperação existente entre 2006 e a atualidade, para lhe conhecer os novos contornos dentro deste período tão atribulado e imprevisível.
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Nota do editor
Último poste da série de 24 DE FEVEREIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12767: Notas de leitura (567): "O Reencontro, Da Ponte Aérea à Cooperação", por General Gonçalves Ribeiro (1) (Mário Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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