domingo, 23 de fevereiro de 2014

Guiné 63/74 - P12763: Crónicas higiénicas (Veríssimo Ferreira) (2): Os ursos, lobos, raposas e até os peçonhentos

Anúncio do sabão Lifebuoy, 1902.. Fonte:
Wikipedia. Imagem do domínio público.



1. Em mensagem do dia 13 de Fevereiro de 2014, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3 e Bissau, 1965/67) enviou-nos a segunda Crónica Higiénica para publicação.



CRÓNICAS HIGIÉNICAS

2 - OS URSOS, LOBOS, RAPOSAS E ATÉ OS PEÇONHENTOS

No National Geographic está a dar um programa sobre os ursos a alimentarem-se com salmões. Luta pela vida portanto, com a qual concordo e agora... uma ursa luta com outra para salvar duas suas crias, bem lindas por acaso.

Dou-me a pensar: qu'é qu'isto tem a ver com a GUINÉ, sobre a qual irias escrever?

Tudo... respondi-me.
Tem que ver pois, que lá, lutei para sobreviver com e pelos camaradas de guerra, bem como também eles igualmente o fizeram por mim... para que nos salvássemos fisicamente... mas... mentalmente desesperávamos cada dia e eu... desesperado continuo.

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Estou a ler o nosso blog agora... e num post é descrita a morte dum lobo (e a condenação para o facto) cujo corpo até foi passeado por uma aldeia mas acrescenta-se a seguir que este não atacava crianças, só comia umas cabras para se alimentar. Cabras essas, que e obviamente, tão necessárias seriam também para a subsistência dos seus donos.

Questiono-me: mas afinal se era um predador, como fazer? E se não atacava crianças, devia-se ao simples facto de que também não as deixavam sós e sei do que falo porque na minha terra também os havia (os lobos), bem como raposas e ginetes que de noite arrebanhavam as galinhas que eram o nosso sustento, naqueles tempos difíceis dos anos 50 e 60.
A solução era fazer-se-lhes uma espera nocturna e acabar com tais bichos a tiro.

Tive e amansei, uma de cada das três feras citadas atrás, recolhidas, por abandonadas quando acabadas de nascer e com quem dividi o pouco leite (1/4 de litro) que a minha mãe adquiria a quem o andava a vender de porta em porta, e sempre vos digo... domesticados que foram, sempre que viam os referidos galináceos, ficavam bravos como própria era a sua natureza. Aliás eu, ainda hoje e tal como ontem, quando os vejo, sejam eles patos... perdizes... faisões ou franguinhas, só penso em canja e nas brasas para os assar e nas outras para se sentarem à mesa comigo.

É aqui que sinto mais as saudades do Pelundo, onde estive um mês a viver na tabanca do Ti Vicente. Ele, homem grande da zona, fazia questão de presentear diariamente a minha Secção de morteiros 60, com uma refeição de barulhentas (enquanto vivas) fracas, servidas grelhadinhas ou de chabéu e tudo preparado pelas bajudas suas filhas.

Continuemos:
Desse tempo de menino e moço saudável, ficou-me muita recordação e até dos nojentos alacraus, como lhes chamávamos, me esqueço.
Eram presença constante quer dentro das botas que o meu pai sacudia antes das calçar e donde de quando em vez, um saltava cá para fora.
Bonito era, mas pouco tempo tinha antes de ser esmagado.

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Algarve, Manta Rota 7/2/2014 

Saí agora da piscina (é coberta, aquecida), soube das chuvas que caiem lá pela capital que o foi dum Império e alembrei-ma daquelas torrenciais que suportávamos de Maio a Outubro.


Aquilo sim era chover, tanta e tão quente.
Lá no meu K3, toda a CCAÇ 1422 aproveitava e em vez de ir ao rio, que chuveiros no aquartelamento "cá tem", banhava-se dessa forma usando o Lifebuoy... nem nos limpávamos que cinco minutos passados e se permanecêssemos na suite, debaixo de telha (telha não... qu'é coisa de pobre)... debaixo sim, das madeiras tropicais dos tectos, que eram os cibes) secávamos, excepto os pés que continuavam no molho. Mas o remédio era colocá-los em cima da cama e enquanto víamos a televisão, que não tínhamos... e mesmo o rádio ouvia-se mal.
E os trovões!!!
Ao princípio nem descortinávamos se eram as bombardas de Dio... os canhões de Navarone ou se os obuses de Farim. A verdade vinha à tona ao vermos os poilões rachados ao meio.
Daí que agora se oiça muito por aí: (e somos muitos) "Raios os partam" (quando se fala de políticos entenda-se).

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Post 12701 do nosso Blog: Ora cá está um rapaz que gosto de ler, embora a princípio e quando ele escreveu "OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA", o título me parecesse desajustado. 

Porquê "os melhores etc... etc" se para todos nós, ir à tropa e depois combater, apenas nos trouxe angústias e desilusões?
Compreendi contudo e após leitura atenta, qual era o seu ponto de vista. O rapaz escreve bem, embora se notem alguns pontapés no Português, moderados que têm sido decerto pelas ajudas do seu distinto Editor, que também vai beneficiando os textos, apensando fotos adequadas às situações.


Agora com este novo título, "Crónicas Higiénicas" e parecendo ter abandonado a mordacidade habitual, vou aguardar mais uns episódios para em definitivo me pronunciar.

Noto porém e contudo, alguma melhoria na utilização gramatical e ao que sei, tem-se vindo a cultivar, lendo as obras primas mundiais, Astérix e Tim-Tim. Do mesmo autor (Senhor de, Veríssimo Ferreira) aconselho-vos também a consultar outras porcarias que tem vindo a escrevinhar, tais como "O PÓS-GUINÉ 65/67", "OS LOCAIS POR ONDE PASSEI" e por fim "FRAGMENTOS DE MEMÓRIAS".
(Blogue: Luís Graça & Camaradas da Guiné).

Veríssimo Ferreira
11/02/2014
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Nota do editor

Vd. primeiro poste da série de 9 DE FEVEREIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12701: Crónicas higiénicas (Veríssimo Ferreira) (1): A raiva que vai cá por dentro

1 comentário:

Hélder Valério disse...

Caro amigo Veríssimo

És capaz de ter razão.
Se o trabalho de complemento fotográfico editorial não é teu, então é mesmo de 'se tirar o chapéu' já que neste caso as fotos são mesmo muito importantes para ilustrarem convenientemente o escrito.

Falando delas temos a da piscina, que sabemos não ser em Jolmete, K3 ou similar.... talvez seja mesmo lá para os lados do 'aquartelamento' de Manta Rota, conforme dizes e eu acredito.

Temos a 'censurada', possivelmente por pudor. Mas, olha, estás de corpo inteiro, não deveria haver dúvidas que eras tu. Digo isto porque me lembrei de uma 'estória' que me contaram de um jovem militar que tirou uma foto de corpo inteiro, sem roupa, e que aproveitou para enviar para a sua mãe, que sofria de pouca visão e estava sempre a reclamar que ele não lhe enviava fotos, para ela ver e confirmar que o seu filhinho estava bem. Cortou a foto de modo conveniente para evitar ferir susceptibilidades mas, por engano, enviou a parte de baixo. E não é que a sua extremosa mãe, na ânsia de ver o que quer ver, só dizia: "ai o mê Jaquim, tal e qual ele, todo despenteado e com a gravata ao lado"...

Gosto do lacrau. Tem boas cores. Faz lembrar um lagostim. Mas é como dizes, manhosos, perigosos, temos que ter sempre muito cuidado com eles e dar-lhes a possibilidade de viver, desde que não fiquem ao nosso alcance. Também é verdade que 'eles' é que já lá estão no sítio para onde formos, mas somos civilizados, ora que gaita!, embora isto me faça, vagamente, trazer outras associações de ideias e de situações....

Tenho pena de não ver foto de lobo, animal que aprecio (de ver, claro...) mas já está a situação que descreves bem enquadrada do ponto de vista pictórico.

Agora, quanto à parte 'mais séria' temos de facto a 'velha' questão de saber viver e conviver com a contradição de proteger a 'natureza', o seu ambiente e o 'habitat' da fauna e a preservação das necessidades humanas. Sei que não é fácil mas 'sinto' que não foram dados os passos necessários para a compreensão das situações.

No que diz respeito ao 'banho à chuva' com o inevitável "Lifebuoy", pois também 'cá o je' tomou. Diziam que fazia bem à lica, melhor dizendo, combatia os seus efeitos. E olha que sabia bem.
Também é verdade que ocorrendo isso na época das chuvas, com aquele calor húmido sufocante, para secar não havia necessidade de toalha.

Uma última observação. "As bombardas de Diu". Faltou-te "os sinos da velha Goa". Na época em que esse programa ia para o ar, as sofisticações dos efeitos especiais não eram como hoje de tal modo que a mim, pelo menos, quando falavam dos 'sinos' parecia-me ouvir, a acompanhar a dramatização, um badalo que era manuseado na ocasião para o efeito e as 'bombardas' soavam-me mesmo como uma tábua a bater ritmadamente numa cadeira ou mesa.

Enfim, outros tempos...

Abraço
Hélder S.