Licença militar, passada pelo comandante militar de Viana do Castelo, em 18 de dezembro de 1976, autorizando o fur mil Henrique Jorge Cerqueira da Silva, do RI 16, na situação de disponibilidade, a passar a fronteira, em Valença, "por espaço de tempo não superior a 10 dias"...
Imagem digitalizada: © Henrique Cerqueira (2014). Todos os direitos reservados.~~
Um "santo antoninho", uma nota de 20 escudos... Foi quanto custo o "passaporte militar", para o Henrique poder ir a Espanhar comprar bacalhau e caramelos para o seu Natal de 76...Na fronteira, em Valença, as autoridades do lado de cá não foram em cantigas: imaginem se ele fosse um perigoso desertor da guerra colonial..."Vais à Viana, trazes um papel da tropa, pagas lá um santantoninho e a gente deixa-te passar para ires comprar caramelos... Tens 10 dias para vadiar"... Era assim, não há muito tempo, em finais de 1976, já a guerra da Guiné tinha acabado há dois anos... Os "regimes" passam, a "burocracia" fica... (LG)
Fonte: Notas da República Portuguesa (com a devida vénia...).
Data: 25 de Fevereiro de 2014 às 19:45
Assunto: Licença Militar
Olá, Camarada e amigo Luís Graça.
Andava eu numas arrumações de gavetas e porque não tinha nada mais que fazer (isto já começa a ser hábito), encontrei este documento que achei muita graça para os tempos que correm.
Pois é, estava eu em 1976, já quase dois anos passados após a minha desmobilização e em plena disponibilidade . Ora, pensava eu que nessa altura, e para mais já em período pós-revolução, que estava livre da tropa. Ou seja, eu já nem sequer pensava na tropa, quando próximo do Natal de 1976 e, como qualquer Português da altura, toca a pensar em ir comprar o Bacalhau a Espanha e claro fazer um passeio até á estranja.
Para minha surpresa, quando ia todo lampeiro para atravessar a Fronteira em Valença, foi-me negada a passagem por falta de Licença Militar. Atenção, que estou a falar do ano de 1976. É claro que eu é que fui um "nabo", porque quando na fronteira me perguntaram se era ou fui militar eu poderia ter aldrabado. Mas não, quando questionado, eu todo orgulhoso disse que tinha servido a Pátria na Guiné e já tinha sido desmobilizado em 1974.
Vai daí as autoridades (Portuguesas) me disseram :
- Não senhor, não pode passar a fronteira sem a "Licença Militar" e nós sabemos lá se não é um desertor ou coisa parecida.
Ora, eu aí comecei a ver a vidinha a andar para trás, é que tínhamos o farnel no carrito (era um Morris Mini, que saudades do meu primeiro carro!), com ideias de o comer em Espanha e depois então ir comprar o bacalhau e talvez uns caramelos para a família.
Ora, eu aí comecei a ver a vidinha a andar para trás, é que tínhamos o farnel no carrito (era um Morris Mini, que saudades do meu primeiro carro!), com ideias de o comer em Espanha e depois então ir comprar o bacalhau e talvez uns caramelos para a família.
Então um oficial aduaneiro, ao ver o meu desgosto, é que me disse:
- O senhor pode ir a Viana do Castelo, que é aqui bem perto, e arranja lá a Licença.
Bom, lá virámos as "roditas" do Mini e viemos a Viana, ao comando militar da localidade, e lá me passaram a famosa Licença ,mas tive que pagar 20$00 (, era uma nota Santo António, parecendo que não, ainda dava para comprar uns saquitos de caramelos e claro também para pagar a Licença).
E, prontos, munidos do precioso documento lá rumámos até á fronteira novamente, e para grande desgosto meu, nem sequer quiseram ver o documento que atestava que eu nem era militar nem desertor. Mas pelo menos lá comprei o bacalhau e até os caramelos, mais uma garrafita de brandy que também era de bom tom comprar em Espanha.
Olha, camarada Luís, hoje achei piada a este documento que encontrei e como tal resolvi partilhar com a tertúlia. Se achares alguma piada, publica, senão já sabes, "arquiva".
Um abraço
Henrique Cerqueira
___________________
Nota do editor:
Último poste da série > 20 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12746: Estórias avulsas (74): Balas de raiva: uma emboscada que deixou marcas (José Saúde)
Bom, lá virámos as "roditas" do Mini e viemos a Viana, ao comando militar da localidade, e lá me passaram a famosa Licença ,mas tive que pagar 20$00 (, era uma nota Santo António, parecendo que não, ainda dava para comprar uns saquitos de caramelos e claro também para pagar a Licença).
E, prontos, munidos do precioso documento lá rumámos até á fronteira novamente, e para grande desgosto meu, nem sequer quiseram ver o documento que atestava que eu nem era militar nem desertor. Mas pelo menos lá comprei o bacalhau e até os caramelos, mais uma garrafita de brandy que também era de bom tom comprar em Espanha.
Olha, camarada Luís, hoje achei piada a este documento que encontrei e como tal resolvi partilhar com a tertúlia. Se achares alguma piada, publica, senão já sabes, "arquiva".
Um abraço
Henrique Cerqueira
___________________
Nota do editor:
Último poste da série > 20 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12746: Estórias avulsas (74): Balas de raiva: uma emboscada que deixou marcas (José Saúde)
12 comentários:
Caro Cerqueira,
Se tivesses mentido a respeito do teu serviço militar terias tido a mesma resposta. Não passavas a fronteira sem o devido documento.
Em 1973, quando emigrei para os EUA, não se obtinha a licença com essa facilidade e muito menos por esse preço.
Sem a caderneta militar ou a autorização directa da Repartição de Sargentos e Praças não conseguias o papelinho que, já agora, no meu caso era bem diferente desse que nos apresentas.
Cumprimentos,
José Câmara
Caro José Câmara.
Bom Dia.
Estás a falar no teu caso do ano de 1973 que ainda era na época das deserções e outras situações.
Agora vê bem que em 1976 era a época do "falecido tempo revolucionário".
Abraço.
Henrique Cerqueira
Henrique, os portugueses, a seguir ao 25 de abril, ganharam o gosto e o hábito de "ir ao estrangeiro"... E mais concretamente "dar o salto" (legal) até à vizinha Espanha... Foi uma lufada de ar fresco...
Mas a "burocracia" (de Estado) não morreu, em 25 de abril de 1974... Já não me recordo como era, quando eu ía ao estrangeiro... Sei que no final dos anos 70 e princípios de 1980, com o FMI cá em casa, havia muitas restrições cambiais...
Sei que nessa época, tínhamos que ir Banco de Portugal, com o passaporte, para se averbar (e autenticar com carimbo) o montante limitado de divisas que levávamos... Poça, ainda fiz umas férias estupendas, em finais de 1970 ou princípio de 1980, de 3 semanas no norte de Itália, de Fiat 127 (!), com um milhão de liras, por casal (. Éramos dois casais...). E não havia telemóvel!
E para teres passaporte precisavas do registo criminal e militar...
Mas no caso de Espanha já não me recordo desde quando foi abolida a exigência de passaporte para ir visitar os "nuestros hermanos"!...
Por outro lado, é bom não esquecer éramos, ainda em 1976, uma "democracia tutelada"... Havia a figura (e a presença) do Conselho da Revolução, criado em março de 1975, pelo MFA, figura essa só extinta em 1982...
A nossa memória é... curta!...
Já agora consulta aqui:
Conselho da Revolução. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2014.
http://www.infopedia.pt/$conselho-da-revolucao
PS - A solução "ad hoc" que foi encontrada para o teu caso, é tipica dda cultura portuguesa do "desenrascanço" (que é uma forma, muita nossa, de contornmar os obstáculos)... Mas, com 10 dias de "soltura" por vinte mil réis, podias fugir para muito sítio, desde a América Latina até aos confins doa Urais se tu fosses um "perigoso foragido"...
Espero ao menos que o bacalhau espanhol te tenha sabido bem, nesse natal de 76. Nessa época, éramos jovens e tínhamos boa boca...
OLÁ HENRIQUE CERQUEIRA,
O PROXENETISMO ABRILISTA NA SUA EXPRESSÃO MAIS
SIMPLES...
E VOU FICAR-ME POR AQUI...
ABRAÇO
Henrique:
Sobre as tais licenças militares:
Como todos já devem saber, estive os dois anos em Bafata. Não tendo tido problemas, antes pelo contrário, não deixei de perder três anos da minha vida. Nessa altura havia a possibilidade de tornar a ser chamado para o curso de capitães milicianos. Quando fui para a tropa e para a guerra como que me deixei ir. Nessa altura, em 1967, o Salazar ainda não tinha caído da cadeira e preferia ir à guerra a ter que ir para o estrangeiro talvez para o resto da minha vida.
Quando fui desmobilizado, em 1970, e porque as licenças militares que acompanhavam o passaporte tinham uma validade de, suponho, três meses, nunca mais deixei caducar uma dessas licenças sem ter já outra na minha posse. Desta vez tinha jurado a mim próprio que se fosse novamente chamado iria, sim, para o estrangeiro.
Um abraço.
Fernando Gouveia
Caro Henrique Cerqueira
Era mesmo assim. Em Fevereiro de 1976 fui fazer umas curtas férias nas Ilhas Canárias, e passei uma manhã numa Rep Militar, Av de Berna, em Lisboa, para conseguir esse maldito "passaporte".
Pois, a burocracia continuava, em grande, porque em Agosto de 1976 fui fazer um estágio em Londres e ainda tive que levar notas do Banco de Portugal, dentro dos sapatos... esses, os que iam calçados...
O 25 de Abril resolveu muita coisa, mas a mentalidade burocrata, essa sobreviveu, pelo menos até hoje.
Um abraço
O "santantoninho", antes do 25 de abril, antes da crise petrolífera de 1973 (quando passámos a ter e a conhecer esse bicho que corroi as nossas pobres economias, chamado "inflação"...) era uma espécie de gazua que abri as portas das repartições públicas...
Das finanças às conservatórias, era a "nota" que o pobre usava para ser atendido, "depressa e bem"...
Uma nota dessas, antes da inflação de 1973 (e anos seguintes), era a jorna de um trabalhador no campo, no norte do país... Ganhar 20 escudos por dia, noss anos 60, já era muito bom...
O "santantoninho" (ou "folha de alface") é um verdadeiro símbolo nacional...
... Sobre os "emolumentos" militares: o meu cunhado mais velho, hoje com 75 anos, para grande desgosto do pai sonhou um dia em ir para o Brasil...
Já aqui contei a sua triste sina... Em 1957, com 18 anos, o António obteve dispensa do serviço militar para se fixar, a título definitivo, no Brasil, como emigrante.... Pagou, em Viseu, no RI 14, duzentos escudos de emolumentos, em selos, pela sua dispensa militar.
200 escudos, naquela época, era um dinheirame... Mas a tropa cobrava-ser bem, para dar a "carta de alforria" a um mancebo que não quisesse servir a Pátria...
Possivelmente roído pelas saudades, caiu na asneira de voltar à casa paterna....Acabou, por acompanhar, em 1963, um tio materno, emigrado, de regresso à terra. No aeroporto, em Lisboa, o seu passaporte leva logo com o carimbo da PIDE. E é notificado de que deverá regularizar de imediato a sua situação militar. Faz a recruta, aos 24 anos, e é de seguida mobilizado para Moçambique. Viaja no T/T Niassa. Chega a Tete, em janeiro de 1964, integrado numa subunidade de intendência. A sua experiência profissional (era magarefe no Brasil) é devidamente aproveitada pela tropa.
Seis ou sete meses depois de chegar a Tete, sofreu em julho de 1964 um grave acidente com uma pistola-metralhadora ligeira, uma UZI, disparada acidentalmente por um camarada que acabava de fazer o seu serviço de sentinela...
Hoje, na parte dianteira do corpo "um fecho éclair" de alto abaixo, do peito ao baixo ventre: a bala, de 9 mm, atingiu-lhe 7 órgãos... É DFA...
http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2013/12/guine-6374-p12519-em-busca-de-233.html
Complementando (!) o Manuel Maia, após este ultimo relato do Luis:
Talvez dizer proxenetismo PRÉ Abril na sua expressão mais complexa.
A memória é de facto, às vezes, extraordinariamente curta
Ab
É mesmo do melhor este nosso blogue.
Então não é que a minha simples busca nas gavetas dá origem a tantos e tão bons comentários ???
Na verdade verdadinha eu estou mesmo nas tintas para toda a cambada de tecnocratas de antes e de agora...Mas hoje em dia estou mesmo feliz é por ter um espaço como este nosso blogue em que nos une tantas e tantas experiências que até acho bom que tenha-mos passado por elas.
Camadas e amigos é mesmo bom ser vosso companheiro neste espaço de nome « Luís Graça & Camaradas da Guiné».
Um abraço para todos e vá lá um especial para o meu camarada de batalhão MANUEL MAIA.
Henrique Cerqueira
Camarigos,
Em 05 de Agosto de 1982 neste tipo de Título de Licença era colocada uma estampilha fiscal de 50$00 - cincoenta escudos. O documento foi passado pelo Comandante Militar da Póvoa de Varzim. Passados mais de dez anos de estar na disponibilidade ainda paguei ao Estado para ir a Espanha.
António Tavares
Galomaro 1970/72
Meus caros amigos,
...Os números não enganam. A minha licença militar, com data de 13 de Abril de 1973 e assinada pelo Cap. Artª. Francisco Ribeiro Henriques, foi estampada com selos fiscais no valor de 1060$00 (mil e sessenta escudos).
Esse documento era apenas um dos muitos que necessitei para obter o passaporte português e a saber:
Bilhete de Identidade,
Certidão de Narrativa Completa de Nascimento,
Registo Criminal,
Análises de sangue,
Raios X aos pulmões,
Inspeção médica (físico).
Para obter o Visto Americano necessitei dos mesmos documentos. Porque eu não tinha residência em São Miguel, tive que repetir toda a parte de médica e ainda ser vacinado contra a tuberculose.
Um abraço,
José Câmara
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