sábado, 29 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12912: Bom ou mau tempo na bolanha (50): Para onde se vá, existe um português (Tony Borié)

Quinquagésimo episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGRU 16, Mansoa, 1964/66.


Embora já estejamos a viver por aqui há mais de quatro décadas, quando falamos com alguém no idioma inglês, o sotaque denuncia-nos. Ao mantermos qualquer conversação, passados uns segundos, o nosso interlocutor logo pergunta, com aquele ar de curiosidade:
- De onde és oriundo? - Respondendo nós que somos de um país chamado Portugal, logo dizem:
- Eu sei, na América do Sul, ao pé do Brasil. - E nós com paciência, dizemos:
- Não, Portugal está localizado na Europa. - E eles com aquele ar “americanizado”, respondem:
- Eu sei, uma província da Espanha.

Porra, aí a paciência começa a esgotar-se, e somos obrigados a explicar quase toda a história de um país independente, onde houve navegadores que levaram outros costumes e outra civilização pelos quatro cantos do mundo. E eles, tentando restabelecerem-se do impacto que as nossas palavras tiveram, respondem com o ar mais natural do mundo:
- Truth? Very interesting!
Responderam, mais ou menos isto:
- É verdade? Muito interessante!

Enfim, as ditas “americanisses”.
Adiante, vamos falar de uma personagem portuguesa que foi herói, aqui nos EUA, chamava-se John "Portugee (ou Portuguese)" Phillips.

Estávamos nós no estado de Wyoming, mais propriamente nas ruínas do que foi o “Fort Laramie”, apreciando um marco histórico, dentro do forte, onde uma placa em bronze mencionava o nome de John “Portugee (ou Portuguese) Phillips. Falávamos em português com a nossa esposa, orgulhando-nos de ver aquela placa, quando alguém ao nosso lado, ouvindo-nos falar, vem com as tais “americanisses”. Respondemos, sim, sim, não, não, blá, blá, blá, e fomos de seguida à loja de recordações, que existe dentro do forte, saber da sua história que honra os portugueses. Leiam, pois este homem, foi considerado herói por levar a notícia do “Fetterman Disaster”, onde o capitão William Fetterman Judd e seus homens foram aniquilados, pelos índios Sioux, revoltados pela presença e avanço do que consideravam o seu território, pelo homem branco, o chamado “colonizador”, em 21 de Dezembro de 1866.

O português Phillps ofereceu-se para montar o seu cavalo e ir até ao escritório do telégrafo na estação Horseshoe no North Platte com despachos do Coronel Henry B. Carrington, para levar uma mensagem adicional do Tenente-Coronel Henry Wessells para entregar ao coronel Innis Palmer em Fort Laramie, alargando assim a sua obrigação.
Montando o seu cavalo, a quem carinhosamente chamava "Dandy", um cavalo preto, do qual quase nunca se separava, viajou através do hostil território indígena, por uma distância de 236 milhas desde o Fort Phil Kearny até Fort Laramie. Cavalgou essas 236 milhas em território perigoso, indígena hostil, com os “índios em pé de guerra”, para levar a notícia.



A viagem foi feita em temperaturas abaixo de zero e praticamente sozinho. Mais tarde um companheiro de nome Wallace afirmou que deram ao português Phillips, em Fort Phil Kearny, um rifle da marca Spencer, de repetição, e 100 cartuchos de munições, que ele amarrou nos seus tornozelos, fazendo o peso manter os seus pés firmes nos estribos.
A primeira paragem foi no Fort Reno, onde chegou aos correios nas primeiras horas de 23 de dezembro, tendo prosseguido a sua jornada, de acordo com o telegrafista na estação Horseshoe, o português chegou cerca das 10 horas da manhã do dia 25 de Dezembro, quando os despachos foram transmitidos para a sede do Departamento do Platte em Omaha e Washington.


Para entregar a mensagem do Wessells para Palmer, o português Phillips passou no Fort Laramie, chegando às 11 horas, parecendo “uma bola vestida”, em andamento, pois era assim a sua aparência, vestido com um sobretudo de búfalo, calças, luvas e um gorro. O nome do John "Português" Phillips, tem sido celebrado em histórias, romances e poemas, como herói da fronteira do Wyoming. Também nos dizem o John “Português” Phillips, quando transportou o correio de volta para Fort Phil Kearny desde Fort Laramie, em meados de abril de 1867, num qualquer lugar viu-se cercado por cerca de 15 índios Sioux com pinturas de guerra.
Com humor e autodepreciação, ele escreveu num relatório aos seus superiores que tinha escapado, mas observou que "sem a ajuda do meu do cavalo “Dandy”, e este bom revólver, eu teria perdido o meu cabelo, uma parte do meu corpo, pois foi o momento mais ansioso que senti quando viajava naquelas pradarias".



Com o tempo, alguns factos passaram a ser ficção, mas o seu nome continua a ser o de um homem digno de respeito e admiração, exemplificando qualidades pioneiras de auto-sacrifício e resistência.
John Phillips nasceu com o nome de Manuel Felipe Cardoso, em 8 de Abril de 1832, era o quarto de nove filhos de Felipe e Maria Cardoso. Nascido perto da aldeia de Terra, na ilha do Pico, nos Açores, começou a sua vida como um cidadão de Portugal e, com a idade de 18 anos, deixou os Açores a bordo de um navio baleeiro com destino à Califórnia, onde com a sua juventude, pretendia “pesquisar” ouro.

Nos primeiros 15 anos seguiu a atracção do valioso metal amarelo, nos estados da Califórnia, Oregon e Idaho, atingindo os campos de Montana em 1865, sem nunca ter encontrado o “tal filão”.
Na primavera de 1866, talvez um pouco desanimado com a sua sorte, juntou-se a um grupo de mineiros liderados por algumas companhias ou grupos de prospecção, que se deviam chamar Pryor ou Big Horn Mountains, pois era por essa região que andavam na pesquisa, até chegarem os primeiros nevões, no final desse verão.
Sempre sem encontrar o valioso metal, chegou com 42 seus compatriotas ao Fort Phil Kearny, em 14 de Setembro, ele aparentemente trabalhava como carregador de água para um empreiteiro civil.



Mesmo depois de ter sido considerado um herói, o Português Phillips continuou a trabalhar como mensageiro do governo, mas quando o exército abandonou Fort Phil Kearny, mudou-se para Elk Mountain, a oeste da actual cidade de Laramie. Aí, diziam que fornecia, entre outros materiais, traves de madeira para a Union Pacific Railroad e para a linha do caminho de ferro, que estava a ser construída no sul do estado de Wyoming.
Na década que se seguiu, entre outras coisas, ganhava a vida através da contratação, com o exército, para fornecer alguma mercadoria e transporte, em Fort Laramie e Fort Fetterman. Em 16 de Dezembro de 1870, na cidade de Cheyenne, o Português Phillips casou-se com Hattie Buck, uma nativa de Crownpoint, do estado de Indiana, então com 28 anos de idade, tendo o casal tido vários filhos.


Durante o seu casamento, o Português Phillips estabeleceu um “rancho” em Chugwater Creek, como base para suas atividades com o exército, também acomodando viajantes que por ali passavam em viajem para outras paragens. Em 1876 construiu um hotel nessa propriedade, pois a chegada de pessoas tinha aumentado, com a corrida ao ouro nas montanhas de Black Hills.
Um conhecido descreve-o como tendo um grande rebanho de vacas leiteiras, grandes e boas pastagens, abastecidas de água por um desvio de um rio que passava próximo.

Em 1878 vendeu o seu “rancho” e mudou-se para a cidade de Cheyenne. Aí permaneceu até à sua morte, em 18 de Novembro de 1883, onde está enterrado no Cemitério Lakeview.
Hattie Phillips morreu em 1936 em Los Angels, num lar de idosos com a idade de 94 anos.


Um pormenor importante, durante uma sua visita a Milwaukee em 1876, o Português Phillips assistiu a um desfile em homenagem ao general Grant, que estava a concorrer à presidência dos USA. O general, ao ver o Português Phillips no meio da multidão, parou o desfile e insistiu para que viajasse com ele na sua carruagem.
Embora de origem humilde e não especialmente bem sucedido na vida, Phillips era uma figura nacional, e ainda hoje continua a ser um símbolo de coragem e devoção ao dever.

Também visitámos o John "Português" Phillips Monumento, localizado fora do Fort Phil Kearny em Wyoming,  que como o Fort Phil Kearny é um Marco Histórico de Registo Nacional.

Tony Borie, 2014
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Nota do editor

Último poste da série de 22 DE MARÇO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12884: Bom ou mau tempo na bolanha (49): Tira-me o retrato (Tony Borié)

2 comentários:

Antº Rosinha disse...

É caso para dizer: Lá se vão homenageando um ou outro colonialista.

Na freguesia dos Olivais também há a Rua Vila Teixeira Pinto.

Mas teríamos sido mesmo colonialistas ou apenas aventureiros?

Antº Rosinha disse...

É caso para dizer: Lá se vão homenageando um ou outro colonialista.

Na freguesia dos Olivais também há a Rua Vila Teixeira Pinto.

Mas teríamos sido mesmo colonialistas ou apenas aventureiros?