Quinquagésimo episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGRU 16, Mansoa, 1964/66.
Embora já estejamos a viver por aqui há mais de quatro décadas,
quando falamos com alguém no idioma inglês, o sotaque denuncia-nos. Ao mantermos qualquer conversação, passados uns
segundos, o nosso interlocutor logo pergunta, com aquele ar de
curiosidade:
- De onde és oriundo? - Respondendo nós que somos de um país chamado Portugal, logo dizem:
- Eu sei, na América do Sul, ao pé do Brasil. - E nós com paciência, dizemos:
- Não, Portugal está localizado na Europa. - E eles com aquele ar “americanizado”, respondem:
- Eu sei, uma província da Espanha.
Porra, aí a paciência começa a esgotar-se, e somos obrigados a explicar
quase toda a história de um país independente, onde houve navegadores que levaram outros costumes e outra civilização pelos
quatro cantos do mundo. E eles, tentando restabelecerem-se do impacto
que as nossas palavras tiveram, respondem com o ar mais natural do
mundo:
- Truth? Very interesting!
Responderam, mais ou menos isto:
- É verdade? Muito interessante!
Enfim, as ditas “americanisses”.
Adiante, vamos falar de uma personagem portuguesa que foi herói, aqui
nos EUA, chamava-se John "Portugee (ou Portuguese)" Phillips.
Estávamos nós no
estado de
Wyoming, mais
propriamente nas
ruínas do que foi o
“Fort Laramie”,
apreciando um
marco histórico,
dentro do forte,
onde uma placa
em bronze mencionava o
nome de John
“Portugee (ou
Portuguese)
Phillips. Falávamos em português com a nossa esposa, orgulhando-nos
de ver aquela placa, quando alguém ao nosso lado, ouvindo-nos falar, vem com as tais “americanisses”. Respondemos, sim, sim, não, não, blá, blá, blá, e fomos de seguida à loja
de recordações, que existe dentro do
forte, saber da sua história que honra os portugueses. Leiam, pois este homem,
foi considerado herói por levar a
notícia do “Fetterman Disaster”, onde o
capitão William Fetterman Judd e seus
homens foram aniquilados, pelos índios
Sioux, revoltados pela presença e
avanço do que consideravam o seu
território, pelo homem branco, o
chamado “colonizador”, em 21 de Dezembro de 1866.
O português Phillps ofereceu-se para montar o seu cavalo e ir até ao
escritório do telégrafo na estação Horseshoe no North Platte com
despachos do Coronel Henry B. Carrington, para levar uma mensagem
adicional do Tenente-Coronel Henry Wessells para entregar ao coronel Innis
Palmer em Fort Laramie, alargando
assim a sua obrigação.
Montando o seu cavalo, a quem
carinhosamente chamava "Dandy",
um cavalo preto, do qual quase
nunca se separava, viajou através
do hostil território indígena, por uma
distância de 236 milhas desde o
Fort Phil Kearny até Fort Laramie. Cavalgou essas 236 milhas em
território perigoso, indígena hostil,
com os “índios em pé de guerra”,
para levar a notícia.
A viagem foi feita em temperaturas abaixo de zero e
praticamente sozinho. Mais tarde um companheiro de nome Wallace
afirmou que deram ao português Phillips, em Fort Phil Kearny, um rifle da
marca Spencer, de repetição, e 100 cartuchos de munições, que ele
amarrou nos seus tornozelos, fazendo o peso manter os seus pés firmes
nos estribos.
A primeira paragem foi no Fort Reno, onde chegou aos correios nas primeiras horas
de 23 de dezembro, tendo prosseguido a
sua jornada, de acordo com o
telegrafista na estação Horseshoe, o português chegou cerca das 10
horas da manhã do dia 25 de
Dezembro, quando os despachos foram transmitidos para a sede do Departamento do
Platte em Omaha e Washington.
Para
entregar a mensagem do Wessells para
Palmer, o português Phillips passou no Fort
Laramie, chegando às 11 horas, parecendo “uma bola vestida”, em
andamento, pois era assim a sua aparência, vestido com um sobretudo de
búfalo, calças, luvas e um gorro.
O nome do John "Português" Phillips, tem sido celebrado em histórias,
romances e poemas, como herói da fronteira do Wyoming.
Também nos dizem o John “Português”
Phillips, quando transportou o correio de
volta para Fort Phil Kearny desde Fort
Laramie, em meados de abril de 1867, num qualquer lugar viu-se cercado
por cerca de 15 índios Sioux com pinturas de guerra.
Com humor e autodepreciação,
ele escreveu num relatório
aos seus superiores que tinha escapado,
mas observou que "sem a ajuda do meu do cavalo “Dandy”, e este bom
revólver, eu teria perdido o meu cabelo, uma parte do meu corpo, pois foi o
momento mais ansioso que senti quando viajava naquelas pradarias".
Com o tempo, alguns factos passaram a ser ficção, mas o seu nome continua a ser o de um homem digno de respeito e admiração,
exemplificando qualidades pioneiras de auto-sacrifício e resistência.
John Phillips nasceu com o nome de Manuel Felipe Cardoso, em 8 de Abril
de 1832, era o quarto de nove filhos de Felipe e Maria Cardoso. Nascido
perto da aldeia de Terra, na ilha do
Pico, nos Açores, começou a sua vida
como um cidadão de Portugal e, com
a idade de 18 anos, deixou os Açores
a bordo de um navio baleeiro com
destino à Califórnia, onde com a sua
juventude, pretendia “pesquisar” ouro.
Nos primeiros 15 anos seguiu a
atracção do valioso metal amarelo,
nos estados da Califórnia, Oregon e
Idaho, atingindo os campos de Montana em 1865, sem nunca ter
encontrado o “tal filão”.
Na primavera de 1866, talvez um pouco
desanimado com a sua sorte, juntou-se a um grupo de mineiros liderados
por algumas companhias ou grupos de prospecção, que se deviam chamar
Pryor ou Big Horn Mountains, pois era por essa região que andavam na
pesquisa, até chegarem os primeiros nevões, no final desse verão.
Sempre sem encontrar o valioso metal, chegou com 42 seus
compatriotas ao Fort Phil Kearny, em 14 de Setembro, ele aparentemente
trabalhava como carregador de água para um empreiteiro civil.
Mesmo depois de ter sido considerado um herói, o Português Phillips continuou a trabalhar como
mensageiro do governo, mas
quando o exército abandonou Fort
Phil Kearny, mudou-se para Elk
Mountain, a oeste da actual cidade
de Laramie. Aí, diziam que fornecia,
entre outros materiais, traves de
madeira para a Union Pacific
Railroad e para a linha do caminho
de ferro, que estava a ser
construída no sul do estado de
Wyoming.
Na década que se
seguiu, entre outras coisas, ganhava a vida através da contratação, com o
exército, para fornecer alguma mercadoria e transporte, em Fort Laramie e
Fort Fetterman. Em 16 de Dezembro de 1870, na cidade de Cheyenne, o
Português Phillips casou-se com Hattie Buck, uma nativa de Crownpoint,
do estado de Indiana, então com 28 anos de idade, tendo o casal tido vários filhos.
Durante o seu casamento,
o Português Phillips estabeleceu
um “rancho” em Chugwater Creek,
como base para suas atividades com o exército,
também acomodando viajantes que
por ali passavam em viajem para
outras paragens. Em 1876 construiu um hotel nessa
propriedade, pois a chegada de
pessoas tinha aumentado, com a
corrida ao ouro nas montanhas de Black Hills.
Um conhecido descreve-o
como tendo um grande rebanho de vacas leiteiras, grandes e boas
pastagens, abastecidas de água por um desvio de um rio que passava
próximo.
Em 1878 vendeu o seu “rancho” e mudou-se para a cidade de
Cheyenne. Aí permaneceu até à sua morte, em 18 de Novembro de 1883,
onde está enterrado no Cemitério Lakeview.
Hattie Phillips morreu em
1936 em Los Angels, num lar de idosos com
a idade de 94 anos.
Um pormenor importante, durante uma sua
visita a Milwaukee em 1876, o Português
Phillips assistiu a um desfile em homenagem
ao general Grant, que estava a concorrer à
presidência dos USA. O general, ao ver o
Português Phillips no meio da multidão,
parou o desfile e insistiu para que viajasse com ele na sua carruagem.
Embora de origem humilde e não
especialmente bem sucedido na vida,
Phillips era uma figura nacional, e ainda hoje continua a ser um símbolo de coragem e
devoção ao dever.
Também visitámos o John "Português" Phillips Monumento, localizado fora do Fort
Phil Kearny em Wyoming, que como o Fort Phil Kearny é um Marco Histórico de
Registo Nacional.
Tony Borie, 2014
____________
Nota do editor
Último poste da série de 22 DE MARÇO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12884: Bom ou mau tempo na bolanha (49): Tira-me o retrato (Tony Borié)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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2 comentários:
É caso para dizer: Lá se vão homenageando um ou outro colonialista.
Na freguesia dos Olivais também há a Rua Vila Teixeira Pinto.
Mas teríamos sido mesmo colonialistas ou apenas aventureiros?
É caso para dizer: Lá se vão homenageando um ou outro colonialista.
Na freguesia dos Olivais também há a Rua Vila Teixeira Pinto.
Mas teríamos sido mesmo colonialistas ou apenas aventureiros?
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