terça-feira, 8 de julho de 2014

Guiné 63/74 - P13378: No 25 de abril eu estava em...(24): Xitole, e foi o comerciante libanês Jamil Nasser quem me deu a notícia, ouvida na BBC, na sua emissão em árabe (José Zeferino, ex-alf mil at inf, 2ª CCAÇ / BCAÇ 4616, Xitole, 1973/74)


Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Xitole > c. 1970 > Uma coluna logística, vinda de Bambadinca, chega a Xitole, atravessando a ponte dos Fulas, sobre o rio Pulom, ao fundo. A viatura civil, em primeiro plano, podia muito bem ser do nosso conhecido comerciante libanês Jamil Nasser, amigo de alguns dos nossos camaradas que passaram pelo Xitole, como foi o caso do Joaquim Mexia Alves (*).  Foto do álbum de Humberto Reis, ex-fur mil op esp, CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71).

Foto:  © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados.

1. O José Zeferino é um camarada que hoje faz anos, e de quem não temos tido notícias nos últimos tempos a não ser hoje (agradecendo justamente os  nossos voros de parabéns e dizendo que não nos tem esquecido, apesar de não se encontrar no melhor das suas capacidades, presumo que ainda na sequência da intervenção cirúrgica a que foi submetido há um ano atrás)... É menmbro da nossa Tabanca Grande desde 20 de fevereiro de 2008.

Estava no Xitole quando soube do 25 de abril de 1974... Três semanas depois, a 15 de maio, a sua companhia sofreria ainda um tremenda emboscada, de que resultaria a morte do  alferes  mil inf Aguiar e do soldado de transmissões Domingos (Houve ainda cerca de uma dezena de feridos do lado das NT).

De acorco com a pesquisa na Net que fizemos, o Luís Gabriel do Rego Aguiar, natural de Ponta Delgada, é dado como morto em 20/5/1974,  segundo a preciosa listagem dos mortos do ultramar, organizada por concelhos, e disponível no portal Ultramar Terraweb;  por seu turno, (ii) o  Domingos da Silva Ribeiro era natural de Vila Real, e a data  do seu falecimenmto é 15/5/1974; é possível que o alf mil inf Aguiar tenha morrido no HM 241, em Bissau, na sequência de ferimentos graves recebidos nesta emboscada, a última, ao que parece, realizada pelo PAIGC no TO da Guiné, ou pelo menos no setor L1, a seguir ao 25 de abril.

O José Zeferino foi alf mil da 2ª CCAÇ / BCAÇ 4616 (Xitole, 1973/74), o mesmo é dizer que foi um dos últimos soldadoa  do império. Ele já recordou aqui, telegraficamente, alguns das datas-chave da sua passagem pelo TO da Guiné. Vamos reproduzir alguns excertos,  desde a sua chegada a Bissau até à notícia do 25 de abril, ao mesmo tempo que lhe endereçamos os nossos votos de parabéns natalícios e lhe desejamos as melhoras das suas mazelas. (**)

2. Alguns apontamentos sobre a acção da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4616 - 73-74 (Xitole, 1973/74)  na Guiné (***)

pro José Zeferino [, foto à esquerda]

(i) Bissau – de 20 de Dezembro 1973 a 4 de Janeiro 1974 - Chegada. A maior parte, como eu, a 2 Janeiro por avião.

(ii) Cumeré - 6 de Janeiro de 1974 – Início da IAO [Instrução de Aperfeiçoamento Operacional].

(iii) Mansoa - 18/19 de Janeiro de 1974. Primeira acção do Batalhão. Segurança / emboscada nocturna no itinerário Bissau – Farim.

(iv) Cumeré - 25 de Janeiro de 1974 - Primeira baixa no Batalhão: o Furriel Humberto, madeirense, da 3.ª Companhia que iria para Farim, suicida-se com a sua G 3. Por motivos sentimentais.

(v) Xitole - 11 de Fevereiro 1974 - Chegada da 2.ª CCAÇ .

(vi) Xitole - 19 de Fevereiro de 1974 - Primeiro combate, na mata. Sem baixas. Indícios de baixas no IN.

(vi) A partir desta data deixa de haver dias de semana. Passam a ser contados por blocos de três dias: dois de patrulhamento e um de descanso. Um grupo de combate fixa-se na defesa da Ponte dos Fulas com rotação mensal.

(viii) Mansambo – 3 e 4 de Março 1974 - Grande operação no Fiofioli. Sem contacto IN.

(ix) Xitole – 9 de Abril de 1974 - Segundo combate na mata. Baixas não confirmadas no IN. O alferes Araújo do 2.º GComb é evacuado para a psiquiatria do HMB. O meu GComb, o 3.º, estava na ponte nesta altura. Foi de onde tirei esta foto.

(x) Xitole – 13 de Abril de 1974 - Visita do general Bettencourt Rodrigues. Transportado por héli Allouette IIIG

(xi) Xitole  – 22 de Abril de 1974 - Apresenta-se um guerrilheiro do PAIGC. Má altura, para ele, para desertar das suas fileiras.

(xii) Xitole  – 25 de Abril 1974 - madrugada, cerca das 6 horas:
Zefruíno, alferes Zefruíno!!!

Era o Jamil, comerciante libanês com grande influência política, social e económica, tanto na Guiné como na restante família, árabe, dispersa por três continentes.

Estávamos a iniciar mais um patrulhamento, a dois Gr Comb, talvez à zona do Duá.

Na varanda da sua casa, tipo colonial, claro, estendiam-se fios de antenas que acabavam num rádio antigo, de válvulas, por onde estava a ouvir a BBC em árabe.

Diz-me:
 – Zefruíno, o... (não me lembro, ou não quero, das palavras exactas) do Spínola está a fazer uma revolta.

O Jamil tinha tido um contencioso com o general Spínola: tinha querido transferir as suas casas de comércio na zona, para Bissau, no que foi impedido pelo general. Era uma base de apoio para as nossas tropas e para a população.

Foi assim que tive conhecimento do que se passava em Lisboa.

Regressámos de imediato ao quartel. Ficámos na expectativa nos dias seguintes. Patrulhamentos, só o mínimo indispensável-até Endorna. Montagem de segurança nocturna: poucas. Estávamos literalmente presos pela avidez dos comunicados. Acreditámos que o fim da guerra era desejado pelas duas partes. Pelo menos para a população era-o. E muito.

Entretanto chegou ao nosso conhecimento, não me lembro como, que no PAIGC havia duas correntes: uma para atacar em força aproveitando uma possível desorientação nossa; outra para entrar de imediato em conversações de paz no terreno. (...)

_______________


(...) Deparei-me com a fotografia das ruínas da casa do Jamil Nasser,  do Tio Jamil, como eu lhe chamava, e veio-me uma nostalgia difícil de explicar.

Quase todos os dias, ao fim da tarde, ía a casa do Jamil e no seu alpendre de entrada, bebiamos uns uísques, acompanhados de pedaços de tomate com sal, enquanto ele ouvia as notícias do Libano no seu rádio, em árabe, claro está, e comentava o que por lá se passava.

Para mim era como sair um pouco da tropa e entrar numa vida social, o que dava um certo equilíbrio emocional.

Um dia, quando me preparava para ir ter com o Jamil, apareceu o seu criado Suri, oriundo da Gâmbia, salvo o erro, para me dizer que o Jamil pedia para eu não ir ter com ele naquele dia.
 Fiquei admirado, mas bebi o que tinha a beber no quartel. Mal anoiteceu, houve um tremendo ataque ao Xitole que, graças a Deus, não provocou quaisquer vítimas ou sequer ferimentos, mas destruiu bastante alguns edifícios.

Percebi o recado do Jamil, mas nunca falámos nisso. Tenho algumas histórias com ele e até fotografias, se não me engano, não tenho é muito tempo, mas logo verei o que posso arranjar.

A memória falha de vez em quando, mas penso que ainda me encontrei com o Jamil em Lisboa depois de ter vindo da Guiné. Lembro-me que ele costumava ficar num Hotel, ao lado do Cinema Tivoli, se não me engano Hotel Condestável. (...)


5 comentários:

Anónimo disse...

Obrigado,Luís,um grande abraço para ti também.
Continuas a por a fotografia do alferes Simas, da 1ª companhia, de visita ao Xitole,para me identificares! Mas não tem importância nenhuma, agora. Ele era um grande amigo meu.
O alferes Aguiar faleceu efectivamente no hospital em Bissau. Devido a mina na emboscada do dia 15.5.1974.Um alferes das mílicias ,de Cambéssé,que também pisou uma,teve mais sorte:só ficou sem um pé…também no mesmo ataque, no Jagaraja.


Com os melhores cumprimentos
José A.S. Zeferino

Luís Graça disse...

Meu caro Zeferino: tens toda a razão, já não é a primeira vez que eu te troco pelo Simas... Mas já corrigi. Peço imensa desculpa, mas isto acontece quando se tem de fazer várias coisas ao mesmo tempo... Espero que me perdoas, e o Simas também... (O que é feito dele ? Trá-lo até nós!).

A ponte de Jagarajá era de mau agoiro. Tínhamos sempre muito respeitinho quando por lá passávamos, nomeadamente nas colunas logísticas... Esse troço, de Mansambo ao Xitole, esteve interidto quase uma ano, de 1968 a 1969... Foi reaberto no meu tempo, já no 2º semestre de 1969.

Anónimo disse...

No blogue da Tabanca do Centro, o Joaquim Mexia Alves tem um bonito texto sobre o Jamil que eu desconhecia, e onde faz revelaçãoes interessantes sobre aquele comerciante do Xilote (onde ficou até ao fim da guerra, pelo menos).

Aqui vai, com a devida vénia, e um abraço aos dois. Espero que o Jamil ainda esteja vivo. De qualquer modo, é uma homenagem de um amigo "improvável", mas que é tamb+ém revelar da grandeza humana de um camarada como o Joaquim, grã-tabanqueiro de longa data. LG
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Recordações da memória – o Jamil

por Joaquim Mexia Alves


Na Guiné, que me lembre, tive apenas um amigo civil, com quem partilhei longas conversas e uma amizade sincera.

Tratava-se do Jamil Nasser, comerciante libanês no Xitole, com quem logo desde o início da minha estadia de “férias” naquele lugar, estabeleci relações de companheirismo e amizade.

Assim, era muito rara a tarde em que ao fim do dia não me dirigia para sua casa, para, no alpendre/varanda que dava para a estrada Bambadinca/Xitole, beber com ele uns “uísques”, acompanhados de pedaços de tomate vermelho salpicados com sal grosso.
Poder-se-ia pensar que tal ligação não combinava, mas digo-vos que era uma coisa de se lhe “tirar o chapéu”.

Ali estávamos, uma ou duas horas, conversando e ouvindo as noticias em árabe, o que, como podem calcular, a mim me dava imenso jeito!!!

O Jamil, se bem me lembro, era o primogénito de uma grande família libanesa, de posses, mas que tudo perdeu na guerra daquele país.
Para que os seus irmãos mais novos pudessem estudar, o Jamil demandou terras da Guiné, onde se estabeleceu no Xitole, enviando dinheiro para os seus irmãos no Líbano.
Um dos seus irmãos chegou mesmo a Ministro dos Negócios Estrangeiros do Líbano, (segundo sua informação), e embora já estivessem todos bem, o Jamil, habituado à Guiné, já não quis regressar à sua terra natal.

A fotografia aqui colocada, foi tirada no fim de um almoço que o Jamil ofereceu na sua casa, em Abril de 1972, (julgo que tendo como “desculpa” o meu aniversário), cuja ementa foi um saborosíssimo chabéu, coisa que eu nunca tinha comido na minha vida.

Lembro-me que uns dias antes o Jamil me pediu para o ajudar a carregar a arca frigorifica com garrafas de vinho branco, para ser mais preciso duas caixas de 12, e eu lhe ter dito que era demais, pois eramos cerca de 12 pessoas!
Ele respondeu que se beberia tudo e se calhar não chegava!

Percebi depois porquê, porque ao meter a primeira garfada do chabéu à boca, pareceu-me que tinha engolido uma fogueira!
O Jamil disse para insistir, porque depois das três ou quatro primeiras garfadas, a boca se habituava ao picante e depois é que se podia saborear o chabéu.

E assim foi, sem dúvida, pois não me lembro de comer outro tão bom como este!

É curioso que por vezes tenho saudades desses fins de tarde no Xitole!

Hei-de voltar ao Jamil Nasser e a outras histórias com ele.


Monte Real, 10 de Julho de 2012


http://tabancadocentro.blogspot.pt/2012/07/recordacoes-da-memoria-o-jamil.html

Luís Graça disse...

A conversa aqui é como as cerejas... Ainda a propósito do "mensageiro" do Xitole (que levou à tropa a notícia do 25 de abril!), há um comentário do Paulo Santiago, no blogue da Tabanca do Centro, que eu tomo a liberdade de reproduzir.

Pessoalmente, não o conheci, ao Jamil Nasser, embora tenha ideia de o ter visto, mo decurso das nossas colunas logísticas Bambadinca- Mansambo- Xitole - Saltinho... Como os demais comerciantes da Guiné, tinha fama, se calhar injustamente, de dar-se bem com os "dois lados"...

Não sabia que era tio do jornalista (e compositor) brasileiro David Nasser (1917-1980), um homem influente no seu tempo, no Brasil e em Portugal.

http://pt.wikipedia.org/wiki/David_Nasser
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Paulo santiago disse...

Estou a ver o Jamil com um lenço entre o colarinho e o pescoço para absorver o suor enquanto o nível do whisky ía baixando na garrafa .

Foi com ele que conheci essa do tomate com whisky...sabia bem !!!
Comi alguns almoços em casa dele,o "criado" era um excelente cozinheiro e o "chabéu" óptimo...

Aos Domingos,no tempo da CCAÇ 2701, o Jamil ía com frequência almoçar ao Saltinho,e após almoço eram umas duas garrafas de scoth e uns quantos tomates a serem aviados.

O Jamil era tio de um jornalista da revista Manchete,muito conhecido no Brasil,e também em Portugal,chamado David Nasser.

10 de Julho de 2012 às 15:39

http://tabancadocentro.blogspot.pt/2012/07/recordacoes-da-memoria-o-jamil.html

Torcato Mendonca disse...

Estás enganado com a data da abertura da estrada Mansambo/Xitole. A sua abertura foi muitos meses antes. Custou tempo e atascansos (ou atascanços?)mas foi aberta. As minas ficaram lá por muito tempo e, em meados de 69, numa coluna uma delas rebentou...voou o africano que ia em cima dos muitos sacos de arroz e a viatura foi depois retirada.
Eu ainda fiz colunas loucas de Bambadinca;Galomaro; Quirafo; Saltinho e Xitole. Iam lá viaturas civis...era "melhor" para nós. Longe de mim dizer algo sobre o snr Nasser (seria familiar do egipcio Nasser?)dizer algo menos próprio de um amigo de amigos meus...eram uns satos estes civis. Não só. Quando faziamos, no inicio da comissão, seguranças, no Mato Cão, aos barcos que vinham Geba acima até Bambadinca ensinaram-me, curiosamente um civil, a perguntar se os barcos eram da Ultrmarina ou Casa Gouveia... vá-se lá saber o porquê...era "melhor" para nós...ele há cada uma.
Abraço Luís Graça e que as muletas já estejam encostadas. Saúde e um abração, T.