sexta-feira, 11 de julho de 2014

Guiné 63/74 - P13389: Notas de leitura (610): "Exploradores Portugueses e Reis Africanos, Viagens ao Coração de África no Século XIX", por Frederico Delgado Rosa e Filipe Verde (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Janeiro de 2014:

Queridos amigos,
Asseguro-vos que a leitura desta obra vos irá surpreender, os nomes sonantes dos exploradores portugueses, que irão depois alcançar o estatuto de heróis, vão aparecer nestas páginas a viajar até às faustosas capitais dos poderosos reinos africanos. Exploradores que são envolvidos numa teia de exigências, caprichos régios e intrigas palacianas.
É um livro original, escrito como um romance de aventuras, desvela relatos empolgantes de viagens que são hoje uma janela sobre o mundo desaparecido. Viagens que preludiaram a partilha de África pelas potências europeias e que atravessaram, para o melhor e para o pior, o sistema político liberal, a I República e o Estado Novo.
Lê-se este livro e tem-se a noção exata como o Império era um gigante com pés de barro.

Um abraço do
Mário


Exploradores portugueses e reis africanos: Um documento assombroso sobre viagens em África no século XIX

Beja Santos

“Exploradores Portugueses e Reis Africanos, Viagens ao Coração de África no século XIX”, por Frederico Delgado Rosa e Filipe Verde, A Esfera dos Livros, 2013, é o que se chama uma lança em África, é original, arrebatador, são histórias muito bem contadas, um thriller dos sertões, páginas desconhecidas ou esquecidas de um período febril das nossas incursões de Angola à contracosta. Logo no prólogo percebemos que temos uma gloriosa empreitada pela frente: “Este é um livro sobre África, a história da exploração de África e um conjunto de portugueses que no século XIX entraram por esse continente dentro e nos deixaram testemunhos do que aí encontraram, descobriram e viveram. São eles António Gamito, Joaquim Rodrigues Graça, António da Silva Porto, Alexandre de Serpa Pinto, Hermenegildo Capelo, Roberto Ivens e Henrique Carvalho. Alguns ainda hoje perduram na memória coletiva, outros estão votados a um cada vez maior esquecimento (…) Algures entre a Antropologia, a Literatura de Viagem e a História, é um livro para pessoas que, como nós movidas por uma curiosidade adolescente, folheiam todo o relato de exploração que encontram e sentem verdadeiro prazer em ler alguns deles. Têm aqui particular destaque os fascinantes e intensos encontros que os exploradores tiveram com os sobranos dos três maiores impérios centro-sul-africanos desse tempo: a Lunda, o Cazembe e o Barotze. Noéji, Sekeletu, Lobossi, Xa Madiamba, não são certamente nomes conhecidos do leitor comum, mas encarnavam o supremo estatuto que uma sociedade pode conferir a um dos seus membros, o de ser um rei sagrado (…) A importância destes homens advém, não da fama que gozaram em vida, mas dos textos em que relataram as suas viagens e experiências e que nos oferecem uma janela que nos dá a ver uma África e um modo de encontro entre africanos e europeus que o tempo há muito fez desaparecer”.

É inegavelmente uma época de explorações emocionantes, como os autores igualmente recordam: “Em meados de Oitocentos, a zona central dos mapas de África era um enorme espaço em branco. Cinquenta anos depois, estava preenchida nos seus traços principais. Em breve, por força de uma súbita e feroz competição imperial, sobrepor-se-iam às linhas da geografia as fronteiras políticas das novas colónias europeias”. É esta a África misteriosa e palustre (malária, disenteria, febre…) que atrai homens ousados e audazes com diferentes preparações e graus de conhecimento. Alguns deles vão morrer durante a exploração, outros terão a temeridade de ir vencendo os obstáculos, conseguirão revelar África e surpreender vastos auditórios. Oiçamos os autores: “A fama de alguns deles – David Livingstone, Richard Burton, John Speke, Verney Cameron, Henry Stanley, Pierre de Brazza e alguns portugueses de que este livro se ocupa – tornou-se maior do que as suas vidas, por intensas que estas possam ter sido. A nova geração de exploradores africanos beneficiava do conhecimento dos erros cometidos pelos seus antecessores e assim entraram em África com meios de defesa suficientes para garantir a segurança das pessoas e dos muitos bens que transportavam para pagar os custos de manter alimentada a expedição e os direitos de passagem, por vezes exorbitantes, exigidos por todo o pequeno, médio e grande chefe e soberano africano. Beneficiavam também de meios técnicos e humanos por vezes impressionantes. Stanley transportou um barco desmontável da costa oriental até ao Lualaba, no centro do continente, Livingstone fez o mesmo na sua expedição ao Zambeze; e algumas expedições partiam da costa com 300 ou 400 carregadores e, até onde isso era possível, com dezenas de bestas de carga. Por último, e talvez mais fundamentalmente, beneficiavam de recentes descobertas da medicina que, entre outras coisas, havia criado o primeiro profilático da malária, a mais mortal das doenças africanas”.

É escusado insistir na tecla de que este livro é empolgante do princípio ao fim, quem já leu As Minas de Salomão e os romances de Emílio Salgari irá sorver estas expedições perigosas onde se envolviam também sertanejos e ambaquistas, reis déspotas e cruéis, será confrontado com choques de civilizações, descrições que hoje nos arrepiam os cabelos, mas dentro do quadro oitocentista de valores, um exemplo em Capelo e Ivens: “O negro típico tem basta carapinha, espessa como a lã, raras vezes barba ou bigode, é de baixa estatura, tem a fronte deprimida, proeminente o occiput, bem como as queixadas e arcadas zigomáticas, adiantando-se-lhe do mesmo modo que nos quadrúpedes glutões, a boca, guarnecida de largos e grossos lábios”. Os autores deixam outra advertência que tornam a leitura ainda mais estimulante: “A faixa do continente atravessada pelas explorações de que este livro trata é sob todos os pontos de vista – geográfico, climático, linguístico, cultural – imensamente diversa. Do extremo Norte até ao extremo Sul, as florestas tropicais tornam-se gradualmente em savanas húmidas e cada vez mais secas que se transformam em extensas zonas desérticas. Hidrograficamente é dominada pelas bacias do Congo e do Zambeze que correm em direção ao Atlântico e ao Índico. A maioria da sua população era de raiz banta (…) Nesta faixa, a maioria das sociedades tinha sistemas políticos de média escala, organizados a partir de princípios de parentesco linhageiros e de relações clientelares em que a integração dos grupos era situacional. Mas havia também pequenos bandos politicamente acéfalos de caçadores-recolectores que sobreviviam em termos igualitários e desde tempos imemoriais em limites extremos de subsistência. E, por fim, impérios, governados por aristocracias e soberanos despóticos e que estendiam o seu domínio por enormes áreas”.

Todos estes exploradores portugueses caminhavam para as capitais e cortes dos principais impérios centro-africanos do século XIX, e os autores precisam: “António Gamito alcançou o Cazembe em 1831. Silva Porto, o europeu que porventura melhor conhecia os caminhos dessas regiões de África, esteve várias vezes no Barotze, então sob o domínio dos invasores Macocolos, e em várias zonas do império lunda, cuja capital foi visitada por Rodrigues Graça e Henrique de Carvalho. Serpa Pinto, na sua travessia de Benguela a Durban, foi também de encontro ao Barotze”.

O rei português era conhecido por estes povos como o “imão” Muene Puto, irmão que será sempre invocado para a diplomacia e para o comércio. Prepare-se pois o leitor para expedições onde se passará fome e sede, se viverá o terror, a doença, o deslumbramento da paisagem, serão referidas páginas de diário, algumas delas de inegável beleza e outras de confrangimento extremo; há relatos de esplendor e terror, encontros memoráveis como o de Silva Porto com Livingstone, que dará pasto para enormes controvérsias, falamos do mesmo Silva Porto que se suicidou em 1890, envolto na bandeira de Portugal sobre um barril de pólvora, ao ver ruir o mundo dos sertanejos com a chegada dos britânicos, que tinham imposto o ultimato. Este livro é um filme onde também contracenarão figuras como Serpa Pinto e Henrique de Carvalho.

Leitura indispensável para se perceber como o império português tinha pés de barro, que naquele século XIX provocou furor e esperança mas que rapidamente desiludiu as promessas de futuros de abundância, até que um dia se extinguiu, de forma condizente com o que sempre fora.
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Nota do editor

Último poste da série de 7 DE JULHO DE 2014 > Guiné 63/74 - P13372: Notas de leitura (609): "Às 5 da tarde", por António Loja (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Antº Rosinha disse...

Livro bestial para brancos, pretos e mulatos compreenderem o que "era bom para a tosse", digo eu porque Beja Santos não tem o meu rico vocabulário.

O Beja Santos não mencionou que aquela região que fala, chamada Cazombe, corresponde aproximadamente aos "Cús de Judas" do nosso laureado Lobo Antunes.

Lá vem descrito como se faziam escravos e facilmente compreenderemos como era fácil encher porões deles e mandá-los para um dia verem os bisnetos no Maracanã assistir ao Argentina-Alemanha.

Obrigado Beja Santos, quando li este livro pensei em ti e também em mim e no Lobo Antunes e na cara de alívio dos jovens africanos quando acabam de vencer as barreira de arame em Ceuta e Melilla.

Este livro devia ser lido por colonialistas e descolonizadores.