1. Mensagem do nosso camarada José da Câmara (ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Brá, Bachile e Teixeira Pinto, 1971/73), com data de 18 de Dezembro de 2014:
Caros camaradas, amigos
Quase todos nós vivemos as celebrações do Natal em Portugal. Nos Açores, em particular na Ilha das Flores, o Natal era o Dia do Menino Jesus, símbolo da Vida e da Esperança que todos os anos se renovam.
Para nós, pequenada daqueles tempos nas aldeias portuguesas, amanhecíamos, alguns, porque em muitas casas o Menino Jesus era extremamente pobre, com um pequeno embrulho de figos passados, uma buzina de azul celestial com o Galo de Barcelos, um carrinho puxado a bois de sabugos. As meninas acordavam com lindas bonecas feitas com trapos ou de fiado de lã nos seus braços. Inocentemente, quando recebíamos algum presente corríamos a vizinhança a mostrar aos nossos amigos e amigas os lindos presentes que o Menino Jesus nos trouxera.
Um dia, de várias maneiras, a nossa inocência foi sacudida e acordámos para a realidade. Quase sem darmos por isso éramos crianças feitas homens e mulheres capazes de lavrar, de ordenhar, de cavar e sachar, tomar conta de um bebé, cozinhar, cozer pão, remendar umas calças. Aos poucos os nossos pais foram depositando as suas esperanças em nós e com elas caíam em cima dos nossos ombros a responsabilidade da renovação da vida.
O cumprimento do serviço militar obrigatório, a guerra do Ultramar, qual fasquia de vida e morte, deixou-nos recordações que a neblina da memória não conseguiu apagar. É por isso que aqui, na Tabanca Grande, nos encontramos dia após dia, ano após ano. Para recordar a nossa meninice, os nossos tempos de tropa, aqueles que deram o melhor de si mesmos a esta grande Nação Portuguesa, os que nos deixaram, os que vão chegando. Aqui tentamos passar o nosso testemunho sócio militar aos nossos filhos e netos. Para que a história da nossa juventude passada em terras do Ultramar nunca seja desventrada.
O Natal, mais que outra época qualquer, passado na Guiné tem histórias mil. Algumas são dolorosas, hilariantes outras, a amizade está em todas elas. Que os anos apenas serviram para a solidificar. Nada mais verídico do que aquilo que aconteceu entre os militares das açorianíssimas CCaç 3326, 3327 e 3328. No primeiro Natal passado naquela Província Ultramarina, foram trocadas mensagens de esperança entre os militares daquelas Companhias. Por nessa altura já me encontrar no Pel Caç Nat 56, sediado no Destacamento de São João, não fiz parte da troca daquelas mensagens… Isto é, até recentemente, 43 anos passados que foram sobre esse longínquo Natal de 1971, quando recebi a mensagem que os furriéis da CCaç 3328 endereçaram aos furriéis da CCaç 3327.
Sem dúvida alguma, uma mensagem que não chegou tarde, apenas me fez regressar às Bolanhas da Guiné, ao meu Natal de Criança. Sim, eu continuo a ter razões para acreditar na existência do Menino Jesus.
Para todos vós Festas Felizes e Bons anos.
José Câmara
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Nota do editor
Último poste da série de 21 de Dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14060: Sob o poilão sagrado e fraterno da nossa Tabanca Grande: boas festas 2014/15 (6): Carlos Rios, Manuel Lema Santos, Vasco Santos, Armando Teixeira da Silva, Mário Gaspar, Vasco Pires, José Lima da Silva, Sivério Dias, Benito Neves, Sousa de Castro, José Martins, João Coelho e Manuel Alheira
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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1 comentário:
José Camara:
Esta mensagem está dentro do tom que tu um homem das ilhas e um homem universal, mesmo quando falas dos teus próximos,transmite em amizade, fraternidade e solidariedade.
Tem tanto de religião como de humanidade, cada um que escolha o que lhe aprouver. Até nisso és democrata.
Um grande abraço
Francisco Baptista
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