quarta-feira, 11 de março de 2015

Guiné 63/74 - P14349: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (22): Procura-se letra e/ou registo sonoro de "Djiu di Galinha" [Ilha das Galinhas], canção de José Carlos Schwarz, imortalizada por ele e por Miriam Makeba, a 'Mama Africa' (Helena Pinto Janeiro, investigadora, FCSH / Universidade NOVA de Lisboa)

1. Mensagem da doutoranda Helena Pinto Janeiro, e investigadora no Instituto de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade NOVA de Lisboa:


De: Helena Pinto Janeiro [hjaneiro@gmail.com]
Enviado: terça-feira, 6 de Janeiro de 2015 18:07
Para: Luís Graça
Assunto: Registo sonoro (ou letra) de "Djiu di Galiña", de José Carlos Schwarz

Caro Professor Luís Graça

Antes de mais, os meus parabéns pelo seu magnífico blogue.

Vi lá uma referência a uma música sobre o campo de trabalho da ilha das Galinhas, escrita e cantada por um preso ("Djiu di Galiña", de José Carlos Schwarz) e gostaria de saber se tem ideia (ou se alguém do seu grupo alargado de seguidores na blogosfera) de quem poderá ter o disco, ou uma gravação áudio, ou ao menos da letra da canção, ou quaisquer outros elementos sobre a canção (data, editora, etc.) ou sobre o autor (datas exactas em que esteve preso, etc.)...

Muito obrigada e votos de bom ano

Helena Pinto Janeiro
Instituto de História Contemporânea da FCSH da UNL

2. Comentário dos editores:

Não encontramos na Net a letra da célebre canção do malogrado José Carlos Schwarz (1949-1977),  mas cujo registo áudio pode ser ouvido aqui, na página de Fernando Casimiro (Didinho): Memorável José Carlos Schwarz.

A canção de Djiu di Galinha (aqui na versão do autor, poeta e músico, 3' 26'') ficou celebrizada pela Miriam Makeba, a "Mama Africa" (1932-2008).  O "Djiu de Galinha, de J. C. Schwarz (e não Schwartz), faz parte do álbum "Welela" (1989).
C apa do álbum "Welela" (1989). Cortesia da
página oficial de Miriam  Makeba (1932-2009)
interpretação, em 1989,  da grande cantora sul-africana.

O nosso grã-tabanqueiro António Estácio, guineense e transmontano, do chão de papel, grande apaixonada das coisas da sua terra (tem um livro de 400 páginas sober Bolama e precisa de patacão para o lançar...) traduziu-nos o título dessa canção que em crioulo quer dizer muito simplemente "Ilha das Galinhas".

E a propósito, temos 6 referências sobre este topónimo, Ilha das Galinhas, no arquipélago dos Bijagós, onde foi criada, em 1934, uma "colónia penal e agrícola", e onde em 1973/74 estiveram detidos guineenses como o Norberto Tavares de Carvalho, o "o Cote", e o José Carlos Scwharz.

José Carlos Schwarz nasceu em Bissau a 6 de Dezembro de 1949. Era fillho de Carlos Hans Schwarz, funcionário público (, eletricista, diz-nos o Estácio) e de Justina Schwarz, caboverdiana, doméstica.  O avô paterno era alemão (,e provavelmente, de origem judia, pelo apelido), que terá andado por Bolama, Farim e Bissau (não se sabendo ao certo quando emigrou para a Guiné, talvez nos finais do séc. XIX ou na altura da 1 Guerra Mundial). O Estácio já não o conheceu, conheceu conheceu o filho e o neto.

Dele, José Carlos Schwarz,  escreveu o Norberto Tavares de Carvalho, o "Cote". que também esteve deportado na  Ilha das Galinhas:

(...) "José Carlos, como se sabe, nasceu na Guiné. De pai guineense de origem alemã e de mãe caboverdiana, fez os seus estudos primários e secundários em Bissau, Dakar e Mindelo. Fã de Kanté Manfila, fundou a orquestra «'Cobiana Jazz' com o Aliu Barri e opôs-se abertamente à opressão colonial portuguesa. A voz do José Carlos, incontestavelmente bela, explorando inteligentemente o verbo crioulo, elevou o 'Cobiana Jazz'  ao mais alto pedestal da cultura musical guineense. Preso pela Pide/Dgs, foi libertado após o golpe de estado ocorrido em Portugal em 25 de Abril de 1974. No pós libertação, optou também, como o Jim Morrison nos seus tempos, pela canção de protesto (Protest-song) contra os desvios à moral social e à linha ideológica de Amilcar Cabral, líder da revolução guineense-caboverdiana, assassinado em Conacri em Janeiro de 1973.(...)

"Quando circularam boatos em Bissau de que as canções do José Carlos iam ser censuradas pelas autoridades, Myriam Makeba apregoou de que se a « Apili », o best seller do José, fosse censurada em Bissau, ela mesma cantá-la-ia em todos os Palácios de África. O aviso foi eficaz." (...)

Pelas notas biográficas que estão disponíveis na Net (e em especial o texto do Norberto Tavares de Crarvalho, o "Cote", já aqui reproduzido pelo Virgínio Briote no nosso blogue) (*), o José Carlos Schwarz fez o ensino primário em Bissau, frequentou o liceu de Bissau, e terá prosseguido os estudos liceais em Dakar e Nindelo (aqui, em 1966).

O Estácio ainda se lembra bem dele: morava em Santa Luzia e ia a cavalo (!) para o liceu. Nessa altura ainda não era conhecido como músico. No então liceu Honório Barreto terá tido a nossa dra. Clara Schwarz como sua professora de francês... Apesar do apelido comum, não eram família... (Como se sabe, pelo lado paterno, a Clara é de origem polaca).

Em 1967 o José Carlos parte com a mãe para Portugal onde o pai estava em tratamento por motivos de saúde. E aqui tem o seu primeiro contacto a música "soul" e "jazz", ao mesmo tempo que  começa a despertar  a sua consciência nacionalista.

No princípio de 1970, funda com Ali Bari e outros o mítico grupo musical 'Cobiana Djazz' (que tem gravados dois discos). Gravou com a Miriam Makeba o seu Lp "Djiu di Galinha", editado postumamente.

Morreu prematuramente aos 27 anos, em 1977, quando desempenhava o cargo de Encarregado de Negócios da Guiné-Bissau em Cuba, num acidente aéreo: o avião da Aeroflot que vinha de Lisboa, despenhou-se, ao aterrar no aeroporto de Havana. Ainda hoje subsiste a dúvida se foi acidente ou sabotagem. (**)

________________

Notas do editor:

(*) 22 de outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2203: Artistas guineenses (2): José Carlos Schwartz (Didinho/V.Briote)


(...) Com o "Cobiana Jazz", o José Carlos Schwarz, o Aliu Barry e as suas retaguardas musicais, entram de rompante no conflito colonial, mudando forçosa e radicalmente uma parte dos peões avançados pelo Spínola, que constituiam, em grande parte, os alicerces da nova política colonial de alienação e submissão da juventude e da massa popular.

Confiantes nas suas acções mobilizadoras, os dois líderes resolvem participar, de maneira frontal, nas actividades da "Zona Zero", a principal antena do PAIGC em Bissau, dirigida por Rafael Barbosa.
No auge das suas actividades contra o Governo Colonial, José Carlos e Aliu Barry decidiram colocar uma bomba na própria delegação da PIDE/DGS em Bissau. Partiram de motorizada que deixaram banalizada nos arredores, atravessaram o portão principal e foram depositar o engenho na porta de grelhas, envidraçada do lado de dentro. Tratava-se de um potente explosivo de comando por relógio. Uma bomba-relógio!

Seguiu-se depois uma violenta explosão que fez voar em pedaços as grelhas e os vidros da porta da PIDE. José Carlos e Aliu tinham ousado desafiar o inimigo numa das suas mais protegidas fortalezas.
A fama do "Cobiana Jazz" percorrera praticamente toda a Guiné. José Carlos que entretanto fora chamado à tropa, bem como o Aliu Barry, viu-se afectado como condutor de camião em Fá Mandinga onde os Comandos Africanos recebiam preparação. Poucos meses depois seria o José Carlos convocado a Bissau onde receberia a ordem de prisão da PIDE. Aliu Barry teria a mesma sorte.

Deportados para a Colónia Penal da Ilha das Galinhas, Aliu cumpriu aí a sua sentença de dois anos. José Carlos só passou três meses na Ilha, tendo sido retornado ao Pavilhão de isolamento da Segunda Esquadra em Bissau para aí concluir o resto da sua pena fixada em três anos.

Esta dupla sanção dever-se-ia aos seus presumíveis contactos com a população da Ilha das Galinhas ou ao facto de que, entretanto, a PIDE teria descoberto outros casos em que estaria implicado e o teria reconvocado a Bissau. José Carlos defendia a segunda hipótese. Mas o afecto que dedicava aos Bijagós que constituíam a população da Ilha das Galinhas, era eloquente. Aliás, chegou a reivindicar essa paixão no seu famoso "djiu di Galinha"(...)


Foi quando a PIDE o transferiu da Ilha das Galinhas para Bissau, que o conheci de perto. Pois em Novembro de 1972, na sequência de uma greve de estudantes, precedida de manifestação no Palácio do Governo, tinha sido detido pela PIDE, por ordem do General Spínola.

Ocupei momentaneamente a cela n° 12 do Pavilhão de isolamento. O José Carlos encontrava-se na cela n° 16, a última do corredor. Quando lhe expliquei que fazia parte de um grupo de estudantes que fora reivindincar um tratamento mais condigno no plano dos estudos, entusiasmou-se tanto que pronunciou a frase : "É o segundo Pindjiguiti !"

Fui libertado algumas horas mais tarde em troca duma advertência pronunciada pelo Inspector-Adjunto da PIDE, Raimundo Alas, que não tinha matéria suficiente para me prender: "Não é porque o vizinho quer aumentar o seu terreno que vai estendê-lo sobre as margens do outro vizinho." Confesso que até hoje, não percebi o sentido desta frase.

A sentença caiu sobre mim em Maio de 1973. Quando me empurraram na cela n° 6 e fecharam a porta, senti umas batidas na parede, lembrei-me logo da técnica e respondi batendo na mesma. Uma voz vinda do fundo do corredor inquiriu: "Quem é?" O José Carlos Schwarz encontrava-se ainda na mesma cela de há seis meses atrás !

Estivemos juntos, eu na minha cela e ele na sua, durante cerca de quatro meses. Falamos de tudo e de nada. Fiquei desiludido ao saber que, afinal, havia traição na "Zona Zero". (..:)

Durante esse periodo tive o grande privilégio de ser um dos primeiros padrinhos das belas e salientes canções que o José Carlos compôs durante o seu cativeiro. "Minino de criaçon", "Muscuta", "Quê qui minino na tchôra", "Djénabu", "N’djanga" e toda a série que se lhes seguiu. Realizávamos até sessões de discos pedidos: eu animava e ele cantava." (...)

7 comentários:

Anónimo disse...

Existe uma edição do INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, Guiné-Bissau) com muitas (ou mesmo todas) as letras do José Carlos Schwarz e respectiva tradução para português. Chama-se “Ora di kanta tchiga: José Carlos Schwarz e o Cobiana Djazz”, de Moema Parente Augel, Bissau, INEP, 1997. Em Lisboa existe no CIDAC para consulta.

Cumprimentos,

Victor Ramos

Antº Rosinha disse...

Para os guineenses, José Carlos Scwartz podia ser visto como Zeca Afonso é para nós, ou pelo menos para a maioria dos portugueses.

Mas penso que a partir de uma certa altura (1980) ouviram-se menos as suas canções.

É fabuloso, oiço-o frequentemente.

Seria maravilhoso que essa estirpe de africanos visse um dia a sua terra como a imaginaram.

Era bom para os angolanos, moçambicanos e guineenses, e para todos os outros que falamos português.

Luís Graça disse...

È preciosa a informação do nosso leitor e amigo Victor Ramos, da Fundação Mário Soares, um profundo conhecedor do Arquivo Amílcar Cabral. Conhecemo-nos pessoalmente, na Guiné-Bissau, em março de 2008, por ocasião do Simpósio Internacional de Guiledje.

Também partilho da opinião do Rosinha, em relação à música do José Carlos Schwarz. Ele é seguramente o pai-fundador da música urbana guineense... Tenho pena de não saber suficiente crioulo para "apanhar" as suas letras...

Luís Graça disse...

Espero que alguém nos faça chegar a letra da "Djiu di galinha"...em crioulo e em português.

Anónimo disse...

Caro Luís Graça

Muito obrigada. Entretanto consegui, com a preciosa ajuda da musicóloga Alda Goes, a letra, agora só falta a tradução do crioulo... Aqui vai:

"Djiu di Galinha
Djiu di Galinha ai
Djiu di Galinha
N'disjau ai djiu di Galinha

Manera que piscatures ta pera mare
assim tambe que n'ta pera dia de riba

Manera que labradures ta tchora tchuba
assim tambe que n'ta tchora bu falta"

Envio também um link para uma gravação áudio que tem o interesse suplementar de ser acompanhada de um vídeo do cantor

https://www.youtube.com/watch?v=46AOuVNmb3M

Obrigada
Helena Pinto Janeiro

Antº Rosinha disse...

E a letra da Mindjer de panu preto?

Tem paciência!

Anónimo disse...

Caro Luís,

Obrigado pela (simpática, mas exagerada) referência.

Do livro citado: "José Carlos foi prisioneiro político durante o período de 18.5.1972 a 29.4.1974, tendo permanecido na Ilha das Galinhas por três meses e meio. Passou a maior parte do tempo nas prisões da PIDE/DGS, em Bissau, em total isolamento." op. cit, pp. 14.

Igualmente do livro, a tradução (embora seja relativamente simples):

Ilha das Galinhas,/ Ilha das Galinhas, ai/ Ilha das Galinhas,/ tenho saudades de ti!/ ai, Ilha das Galinhas!// Como os pescadores esperam a maré, / assim também eu espero o dia do regresso.// Como os lavradores choram a chuva [que não vem],/ assim também eu choro a tua ausência./ Ilha das Galinhas,/ Ilha das Galinhas, ai/ Ilha das Galinhas,/ tenho saudades de ti/ ai, Ilha das Galinhas! (pp. 71)

A autora (Moema Parente Augel) data o poema de Bissau, em 1973.

De referir que, creio, a Ilha das Galinhas era/é considerada uma ilha sagrada, pelo que José Carlos tanto pode estar a referenciar as saudades que tem de não estar na colónia penal/preso, como as saudades de um tempo em que a ilha/país não estava ocupada pelo presídio/poder colonial. Bom, mas isto já sou eu a meter a mão em ceara alheia.

Se me permite uma nota pessoal, viajei, em 1977, de Moscovo para Lisboa, pela Aeroflot, com a avançada idade de 7 meses. A minha família sempre referiu a sorte que tive, pois o avião onde voei, após escala em Lisboa, acabou por cair a caminho do próximo destino. Nunca dei grande importância ao assunto, que sempre atribuí
o campo das brincadeiras familiares. Só muitos anos mais tarde descobri que não só era verdade, como terei voado com José Carlos Schwarz...

Cumprimentos,

Victor Ramos