Quadragésimo segundo episódio da série "Libertando-me" do nosso
camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66, enviado ao nosso blogue em mensagem do dia 3 de Novembro de 2015.
As Regras da Escola
Quase todas as recordações que guardamos do nosso
Portugal são as aldeias, começando pela nossa, que era
a do Vale do Ninho D’Águia, em Águeda, que também
podia ser qualquer aldeia de Trás-os-Montes, das Beiras, do
Alentejo ou outro qualquer lugar e, é com esse pensamento, que os
nossos olhos vêm, desde as grandes metrópoles, até às
aldeias pequenas, apreciamos os pormenores, agora
vamos continuar a falar daqui, cá vai.
O dia estava com céu limpo, a temperatura era quente, a
estrada rápida número 15, no estado de Montana, era
deserta, longas rectas, aqui e ali havia pequenas
elevações no terreno, a nossa companheira e esposa
levava os comandos da viatura em suas mãos, nós,
cantarolávamos, desligámos o ar condicionado, abrimos
um pouco a janela e tirámos as sandálias dos pés,
encostámo-nos no assento, pousando-os na frente do carro, encostados mesmo ao vidro, ela,
a nossa companheira e esposa, logo falou “complicando”,
e disse:
"Cala-te lá com essa cantiga que não faz qualquer sentido,
por favor arranja outra canção ou liga o rádio e, já agora,
tira daí os pés, ou então abre mais a janela, pois creio que
estavam melhor dentro das sandálias.
Passávamos próximo da estrada estadual número 278,
que depois de algum tempo atravessando algumas
planícies, quase desertas, seguindo a direcção de uma
placa de informação, entrámos numa estrada rural, em
terra batida, que nos levaria ao que é hoje o Parque
Nacional de Bannack, que fazia parte do nosso roteiro
daquele dia e, que hoje, roubando algum espaço ao
nosso blogue, não resistimos em mostrar algumas fotos.
Tal como outras aldeias, tem uma história que começa
por volta do ano de 1862, recebendo este nome dos
índios locais, que eram os Bannack, que por aqui viviam
como uma nação, numa comunidade pacífica, cuja
sobrevivência era a caça ou a pesca, até que neste local
aconteceu um fenómeno por volta do ano de 1862, que foi
a descoberta de ouro, que tornou esta aldeia na capital
do Território de Montana por alguns anos, até que essa
capital foi transferida para Virgínia City. Hoje a capital do
estado de Montana é a cidade de Helena, onde está
situado um majestoso edifício, o “Montana State Capitol”.
Era, e ainda é, um lugar extremamente remoto, apenas
ligado ao resto do mundo por uma estrada de terra batida,
é um lugar abandonado, “uma aldeia fantasma”, ainda lá
estão algumas dezenas de históricas estruturas, que
teimam em permanecer de pé, algumas bastante bem
conservadas. Hoje, a aldeia de Bannack é considerada
distrito histórico, sendo declarada Património Histórico
Nacional e actualmente tem o nome de “Bannack State
Park”, sendo visitado particularmente por historiadores,
muito popular entre os turistas, é um dos lugares
favoritos, principalmente para os nativos daquela região.
Mas a história para nós começa a ter algum interesse
quando soubemos que tudo por aqui começou quando um
tal Dr. Erasmus Darwin Leavitt, um médico nascido no
estado de New Hampshire, que desistiu de praticar
medicina por um tempo, para se tornar num mineiro,
pesquisador de ouro, pegando numa pá e numa picareta,
mas depressa verificou que apesar de algum sucesso a
coroar o seu trabalho, logo descobriu que tinha mais
reputação como médico do que como pesquisador de
ouro, não se identificando com todos aqueles
aventureiros, alguns fugitivos de outras aldeias
de Montana, como o xerife Henry Plummer, que chefiava
uma quadrilha responsável por mais de cem
assassinatos nos campos de ouro de Virginia City,
Bannack e nos trilhos para Salt Lake City, no estado de
Utah, no entanto, apenas oito mortes são historicamente
documentadas, alguns historiadores modernos têm posto
em causa a natureza exata desta quadrilha, enquanto
outros negam a sua existência completamente.
Em qualquer caso, o xerife Plummer e dois dos seus
ajudantes foram enforcados, sem julgamento, em
Bannack em Janeiro de 1864, um largo número de
companheiros da sua quadrilha foram mortos a tiro de
pistola ou outra arma, durante uma luta, quando
descobertos, sendo outros banidos sob pena de morte se
voltasem a Bannack. Uns anos depois, já com alguma
civilização, vinte e dois indivíduos foram acusados
informalmente, julgados e enforcados pelo Comité de
Vigilância de Bannack e Virginia City, que era composto
por homens considerados honestos, dos quais fazia parte um
tal Nathaniel Langford Pitt, que foi o primeiro
superintendente do Parque Nacional de Yellowstone, e
que era membro dessa comissão de vigilância.
No seu auge, Bannack, considerada uma aldeia mineira,
onde todas as estruturas foram construídas de troncos,
algumas com falsas frentes decorativas, em algumas
épocas a sua população chegou quase a uma dezena de
milhar de habitantes, tinha três hotéis, padarias, lojas de
ferragens, estábulos, mercados de carne, restaurantes,
muitos salões de divertimento e uma escola onde ainda
lá se encontra o quadro preto, onde estão escritos os
regulamentos dos alunos e professores, que não
resistimos em traduzir algumas das regras, cá vai:
Regras para o aluno, 1872
1 - Respeita o teu mestre-escola. Ouve-o e aceita as
suas punições.
2 - Não chames nomes, nem provoques os teus
companheiros e não lutes com eles. Ama-os e
ajudem-se uns aos outros.
3 - Nunca faças ruídos ou perturbes os teus
companheiros quando eles estudam.
4 - Está silencioso durante a aula. Não fales a menos
que seja absolutamente necessário.
5 - Não deixes o teu assento sem permissão para ir lá
fora, para comer ou qualquer outra coisa que
perturbe a tua classe.
6 - No final da classe tens de lavar as mãos, o rosto, e
talvez os pés, se for necessário.
7 - Traz lenha para a sala de aula sempre que o
professor te pedir.
8 - Sai calmamente para fora da classe, seguindo as
normas.
9 - Se o mestre-escola chamar pelo teu nome após a
aula, responde imediatamente.
Regras para o Mestre-escola, 1872.
1 - O mestre-escola tem de encher as candeias, (as
luzes) e limpá-las todos os dias.
2 - O mestre-escola tem que trazer um balde com água
e um rolo de erva, (devia de ser para esfregar as
mãos ou os pés), todos os dias da época.
3 - O mestre-escola tem que ter sempre as canetas,
(deviam ser lápis de pedra, para escrever na lousa),
em muito boas condições, sempre ao gosto dos
alunos.
4 - O mestre-escola, que seja mulher, que se casou ou
envolveu, mas com uma conduta imprópria, será
imediatamente demitida.
5 - Cada mestre-escola deve deixar de lado uma soma
considerável de seus ganhos, que serão economias
para usar durante a sua aposentadoria, para que não
seja um “fardo” para a sociedade.
6 - Qualquer mestre-escola que fume, use licor,
frequente salões de prazer, ou até vá para a
barbearia, falar mal dos habitantes, ou qualquer
outra boa razão que mostre não ser um bom
cidadão, será imediatamente demitido.
7 - O mestre-escola deve saber montar e tratar o seu
cavalo, pode e deve usar arma para defesa, mas
nunca entrar armado na sala de aula.
Estas são algumas regras que nos fazem recordar o bom
que foi, termos nascido nos anos quarenta e cinquenta do
século passado.
Tony Borie, Outubro de 2015
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Nota do editor
Último poste da série de 1 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15312: Libertando-me (Tony Borié) (41): O passado é o início do futuro
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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