1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.
Camaradas,
Tenho andado às voltas com a minha última obra. Fui buscar o tema do futebol que a malta praticava nos aquartelamentos na Guiné. É óbvio que aproveitei o tema e falo da obra que será lançada ao público no dia 27 de novembro de 2015, sexta-feira, 20h30, na Biblioteca Municipal José Saramago, em Beja. Os artistas da foto são: em cima Santos, Dias, "Maia" e Fonseca em baixo Zé Saúde e Rui.
Futebol em Gabu, um entretenimento saudável
Uma equipa de Nova Lamego
Corre-me nas veias o gosto pelo futebol. Lembro-me dos tempos de menino e moço jogar num dos largos da minha aldeia com uma bola que me sussurrava, metaforicamente falando, uma inspiração divinal e que me remetia para um mundo de sonhos.
Uma bola de trapos, uma bexiga de porco, regateada entre a miudagem numa matança recente de um suíno criado na pocilga do quintal de um vizinho, ou no matadouro comunitário da freguesia, bem como uma moderna bola de borracha comprada na mais recente feira anual do mês de setembro, eram símbolos que me acicatavam a mente.
Recordo essas manhãs diabólicas no Largo do Ferreira, em Aldeia Nova de São Bento, onde os chutos no esférico deixavam antever semânticas crenças de crianças que se entregavam desmesuradamente ao jogo da bola.
Cresci, e vivi, com o futebol sempre aos meus pés. Aliás, o meu percurso desportivo marcou, inevitavelmente, uma carreira que conheceu o seu auge quando aos 16 anos ingressei no Sporting Clube de Portugal onde tive como primeiro treinador o saudoso Zé Travassos, o “Zé da Europa” como ficou eternizado. Seguiu-se uma passagem por Alvalade com as cores verdes e brancas a marcarem um indiscutível período de profundas sensações.
Neste contexto, assumo que a Guiné não passou ao lado de uma virtualidade que, para mim, antes já se tinha assumido como vulgar. Refresco a componente saudade e revejo uma foto de rapaziada que comigo se divertia em finais de tarde com a temática futeboleira lá para as bandas de Gabu.
Os camaradas recordar-se-ão, certamente, desses célebres momentos de puro convívio. Afastando o conceito de guerra, e entre arames farpados, abrigos e de valas que rodeavam o aquartelamento onde, a espaços, a artilharia pesada sinalizava a sua presença, a malta divertia-se a jogar futebol, sendo os golos a afirmação para uma sobremesa apetitosa.
Construíam-se equipas, normalmente formadas com os mais dotados, e a malta gozava à brava com uma vitória alcançada. O simbolismo da derrota era apenas desportiva e ocasional. No terreno, onde as batalhas tinham lugar, as coisas piavam mais fino.
Trago à ilustração da narrativa uma equipa arranjada, ocasionalmente, que se dispôs a travar um duelo com outros camaradas da minha companhia. A malta da “ferrugem”, recordo, era danada. Lembro-me a luta que os rapazes davam aos furriéis. Tinha uns “putos” bons de bola e os desafios eram sempre renhidos.
Camaradas, sendo o fenómeno futebolístico a minha área, permitam-me, com a devida vénia e respeito, aqui expor uma franja dos meus conteúdos descritivos como homem da escrita - jornalista e escritor - sobre a temática futebol.
Creio que a nível nacional não haverá este amiudado debitar de narrações como este vosso camarada o tem feito. Fui pioneiro na explanação do futebol sul alentejano em livro, deixando conteúdos reais sobre a evolução futebolística na AF Beja ao longo do Séc. XX.
“GLÓRIAS DO PASSADO”, volumes I e II, sintetizam marcos históricos que nos remetem a um passado onde a nossa razão existencial nos transporta a inolvidáveis momentos.
Agora, este velho combatente em território da Guiné, 1973/1974, um ranger carimbado com o destino que a vida militar lhe impôs, desafiou as calendas do passado, percorreu travessas, quiçá impensáveis, girou entre armazéns de histórias que ficariam por contar uma vez que essas biografias estavam hermeticamente contidas em gavetas onde o caruncho já corrompia, e eis uma obra, mais uma, onde se conta a história dos clubes da Associação de Futebol de Beja, em 90 Anos de Memórias e Relatos.
Um míssil lançado de uma posição avançada do IN que fez estremecer corpos de gentes jovens, deu-me renovadas ganas e remeteu-me para um desvendar constante do vício do jogo da bola. Em 1888 os irmãos Pinto Bastos, Guilherme, Eduardo e Frederico, estudantes num colégio em Liverpool, Inglaterra, trouxeram para Portugal a primeira bola e com ela o futebol.
Em 1906, um grupo de estudantes bejenses que frequentavam escolas em Lisboa, designadamente o Colégio Militar e a Escola Académica, trouxeram para Beja o gosto pelo jogo precisamente nas férias de Natal desse ano.
Formaram-se então grupos, mais tarde os clubes, e em 30 de março de 1925 fundou-se a Associação de Futebol de Beja. E foi neste contexto, e à beira de uma imprevisibilidade que o adensado mato impunha ao combatente, que este guerreiro ousou desafiar as trincheiras inimigas, ultrapassar capins que escondiam o terror do medo e dissecar a realidade futebolística bejense desde os seus primórdios até ao momento presente.
É a luta tenaz deste vosso camarada que, não obstante as suas limitações físicas – AVC ocorrido na madrugado do dia 27 de julho de 2006 -, jamais se quedou pelo infortúnio, continuando a debitar descrições para as gerações vindouras apreciarem.
Desde cenas contadas com a minha comissão militar por terras da Guiné até ao alforge de recordações que enchem de prazer uma vida que já vai longa, são eternos resquícios de um passado que jamais voltará.
Um abraço, camaradas
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523
Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
___________
Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
2 comentários:
Caro amigo Jose Saude,
O tema sobre 'futebol em tempo de Guerra' (parafraseando o nosso Luis Graca) eh muito interessante pois tras-nos a memoria tempos e imagens inesqueciveis.
Mais que as sobras da comida nos quarteis, certamente, era a sensacao e o gosto de conviver com jovens alegres, talentosos e maravilhosos que nos atirava la para dentro dos arames farpados. A minha experiencia de Rafeiro de quartel diz-me que, de um modo geral, os bons atletas tambem eram pessoas afaveis, porque psicologicamente equilibradas, fisicamente fortes e de elevado auto-estima.
Deixaram boas lembrancas algumas equipas da CCAC 3549-Deixos-Poisar (ultima companhia de 1972/74) pelas suas prestacoes desportivas: As Transmissoes (com Teixeira que conseguia driblar 4 pessoas num perimetro de 1 m2, mas que evitava fintar ao Cap. da companhia); a Banda 6 (equipa de Jose Cortes) que dava e sobrava talento e forca de remate como ninguem. A equipa da Ferrugem (a nossa equipa com o meu patrao Dias a frente) pelo contrario era muito esforcada mas sem grandes talentos o que nos fazia sofrer bastante quando havia confrontos com as outras equipas pois os confrontos aconteciam dentro e fora dos rectangulos de jogo.
Os momentos mais interessantes e, tambem, mais perigosos devido aos riscos de violencia, aconteciam quando eram jogos de "brancos contra pretos" ou desafios de futebol com outras companhias da zona que vinham a Fajonquito desafiando a distancia e os perigos das picadas (Contuboel, Cantacunda e provavelmente Geba).
Esta heranca futebolistica ficou para sempre em terras da Guine.
Com um abraco amigo,
Cherno Balde
Também na 412 , ainda em Chaves, dois carolas 1º Cabos, Rolando e Albino cabeleira, formaram duas equipas, a quem baptizaram de SANTA INFÂNCIA e ÀGUIAS VERMELHAS. Para o efeito mandaram fazer as respectivas camisolas e então foi ver todos a correr a obter
a camisola da sua preferência, quer fossem escolhidos para jogar ou não.
Os Furrieis receberam, cada interessado, uma camisola de cada equipa pois poderiam fazer parte de qualquer uma. Quando em Janeiro de 1963, fomos para Santa Margarida, aguardar destino, para qualquer Provincia Ultramarina, onde fomos colocados nas instalações do RI 15 Tomar, pois o BC.10 não tinha instalações própias, fizeram-se
campeonatos semanais com o Pessoal de Cavalaria, Intendência, 5ª Região militar, CC. 411 e outros que há época se encontravam naquele Campo Militar.
Quando chegamos a Bafatá, 9/Abril/1963, na primeira semana, foram organizados jogos, entre os B,Caç 238, Esquadrão Cavalaria 385 e as nossas duas equipas. Mais tarde continuou jogos já com o novo B.Caç 506, mas devido às actividades militares
que foram ocorrendo cada vez menos jogos
Quando o 3º Pelotão foi para Cantacunda- Norte, fizermos um campo de futebol, onde as equipas se entretinham e descarregavam os seus nervos.
Quando no fim de Março de 1965, regressamos a Bissau, Batalhão 600, por duas ou três
vezes foram organizados jogos entre equipas de diversas Unidades aí sediadas,
apresentando-se a nossa Companhia com as duas equipas que incluiam os mais aptos e mais "jeitosos"
Alcidio Marinho
C.Caç 412
Enviar um comentário