Lisboa > Torre de Belém, 500 anos de história > Novembro de 2015
Foto: © Luís Graça (2015). Todos os direitos reservados.
O Alzheimer da história
por Luís Graça
Davam longos passeios,
ao domingo,
de jardim em jardim,
ao longo do rio,
os lisboetas.
A pé.
Tinham trocado,
na feitoria de Arguim,
os seus cavalos brancos,
puros lusitanos,
com os seus belos arreios,
por escravos negros,
da Guiné.
E no seu encalce,
os turistas,
com as suas superzooms digitais,
subiam as sete colinas,
os voyeuristas,
para melhor ver as vistas
e os vitrais das catedrais.
Grande era o mundo.
e Portugal,
tão pequenino e caleidoscópico,
ali ao fundo.
Já não passavam mais
nem caravelas nem naus
ao largo do Bugio.
Perderam-se, por má sorte das armas,
as joias da coroa,
Goa, Damão e Dio.
Junto às ruínas do palácio dos Estaus,
um manjaco do Canchungo
varria o lixo da história.
E era feliz,
duplamente feliz:
feliz por ter um emprego,
com cama, mesa e roupa lavada,
da União das Freguesias da Mouraria e da Judiaria;
e feliz por não ter memória:
- Teixeira Pinto ?...
- Sim, o capitão diabo!
… Não, nunca ouvira falar.
Coitados dos povos
que sofrem da doença do Alzheimer da história!
Mas pode ser que tenhas mais sorte,
meu irmão,
na próxima reencarnação,
na girândola da vida e da morte.
Em novembro era verão,
ainda davam longos passeios pelo rio,
os lisboetas,
sortudos,
levando pela mão
os seus loucos, os seus cegos,
os seus mudos, os seus surdos,
os seus anões e os seus poetas.
Lisboa, 25 de novembro de 2015
______________
Nota do editor:
Último poste da série > 11 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15354: Manuscrito(s) (Luís Graça) (69): De Lisboa, para ti, Luanda, com um 'kandandu', 40 anos depois da 'dipanda'
Último poste da série > 11 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15354: Manuscrito(s) (Luís Graça) (69): De Lisboa, para ti, Luanda, com um 'kandandu', 40 anos depois da 'dipanda'
2 comentários:
Viva Luís!
Gostei, francamente gostei. Parece-me que descobriste um fio condutor de abril a novembro, o encolhimento irreversível e brutal da nação portuguesa. Quem argumenta com a liberdade de expressão, ainda não descortinou, que não passa de uma estratégia para dominar autocraticamente. E a progressão dos resultados está avultadamente demonstrada durante estes anos de «democracia». Em tantos e tão variados aspectos.
Abraços fraternos
JD
Gostei do poema pela sua harmonia, pela falta de sentido literal, pela beleza do conjunto de palavras e frases e porque é como alguns quadros que tu pintas em verso, a pedir que os decifrem.
Um abraço. Francisco Baptista
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