Caro camarada Luís Graça e demais editores:
Conforme promessa, que te dei conta em comentário escrito hoje no blogue, anexo uma nova narrativa histórica sobre os terríveis acontecimentos de janeiro de 1974 em Canquelifá (*), que guardarei para sempre na minha memória.
Aproveitei para juntar, no mesmo texto, três variáveis da guerra: os factos, os relatórios oficiais (Perintreps) e a comunicação social, com relevância para a morte de mais um camarada meu/nosso. (**)
Um abraço.
Jorge Araújo.
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Notas do editor:
(*) Vd. poste de 17 de maio de 2016 >Guiné 63/74 - P16098: O que dizem os Perintreps (Nuno Rubim) (4): A um mês do 25 de abril de 1974, o IN ataca Canquelifá durante 4 dias, com um grande potencial de fogo, e faz violenta emboscada no itinerário Piche-Nova Lamego a coluna auto (Perintrep 12/74, relativo ao período de 17 a 24/3/1974)
(**) Último poste da série > 26 de março de 2016 > Guiné 63/74 - P15903: (De)caras (39): Nove noites e nove dias em fuga, do Boé ao Saltinho, a "odisseia" do José António Almeida Rodrigues, sold at inf, CCAÇ 3489 / BCAÇ 3872, Cancolim, 1972/74 (Depoimentos de José Manuel Lopes e Luís Dias)
9 comentários:
Jorge:
Em todas as guerras se mente... E nós não somos exceção... Nós, quero eu dizer, o serviço de informações das forças armadas na então Guiné... O comunicado, interessante, que reproduze,s com data de 10 de janeiro de 1974, é um exemplo disso: a tropa fornecia as "notícias" aos correspondentes dos jornais metropolitanos em Bissau e em Lisboa o Zé Povinho lia o que eles queriam... E raramente dava para ler nas entrelinhas...
Mentíamos nós, mentía o PAIGC, mentiam os cubanos,os russos, os chineses, etc. Em qualquer guerra, de resto, é preciso "mostrar serviço", neste caso o nº de baixas infligidas ao inimigo, incluindo a cor da pele...
Jorge, o comunicado publicado nos jornais de Lisboa, em 10/1/1974, contem necessariamente "elementos de propaganda": não ponho em causa os efeitos do ataque levado a cabo pelo famigerado Quemo Mané (, segundo o comunicado, ) contra Canquelifá: além dos mortos e feridos entre a população (que não são quantificados), os habitantes perderam 120 moranças, 61 toneladas de mancarra, 22 toneladas de milho e 4 de feijão
Mais tarde, e junto ao Rio Morucoto, a CCAÇ 21 (suponho eu) terá surpreendido uma força IN e caído em cima dela. Balanço: "22 mortos confirmados, a maior parte "brancos" que se julga ser de nacionalidade "cubana"...
Os cubanos vem lembrar hoje os seus mortos na Guiné-Bissau, desde 1966 e até 1974, durante "a guerra de libertação" ao lado do PAIGC... Foram eles: tenente Raúl Pérez Abad, Raúl Mestres Infante, Miguel A. Zerquera Palacio, Pedro Casimiro Llopins, Radamé Sánchez Begerano, Eduardo Solís Renté, Felix Barriento Laporte, Radamés Despaigne Robert e Edilberto González... Nove ao todo, não mais!... (Em Angola, na chamada guerra da II Indeoendência coisa foi muito mais feia e trágica: fala-se inclusive que a Angola foi o V ietname cubano...).
https://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2006/07/guin-6374-p967-antologia-51-os.html
Bem, aguém está a mentir, neste caso de Canquelifá... Vinte e dois mortos, num só dia, sendo a maior parte "brancos" e, nomeadamente, "cubanos", é uma informação no mínimo imprecisa... Não sei se o Jamanca (que infelizmente já não está entre nós, tal como o Amadu Djaló) teve o cuidado de verificar, um a um, os passaportes dos mortos...
Tenho lido alguns escritos cubanos hilariantes sobre a sua ação "internacionalista" na Guiné... Da rapaziada do PAIGC, não se podia exigir muito... Também aprender a mentir ao Chefe...
Mas nós também ficamos mal na fotografia, em muitos casos: há relatórios de operações nossas que eram redigidas para enganar os "chefes", a começar pelos comandantes de setor que depois faziam o seu "relim" para a 2ª rep do QG... O furriel enganava o alferes, este enganava o capitão, o capitão enganava o major e por aí acima... E era assim que se faziam os Perintrep...
Quem andou no mato, como eu, e leu os relatórios que os nossos comandantes operacionais "cozinhavam" sabe do que é que eu falo... No mato não havia observadores independentes para contabilizar as baixas do inimigo... Nem convinha que houvesse, só iria fazar aumentar a despesa da guerra... Mas devia haver uns gajos, "neutrais", de braçadeira branca, para garantir que a malta de um lado e do outro não fazia batota...
Um dia ainda a guerra vai ser um "jogo limpo", ou pelo menos, com "regras", com árbitros e tudo...
Jorge:
Mais um camarada, teu e nosso, que não vai ficar na "vala comum" do esquecimento, o Luís Filipe Pinto Soares... O nosso blogue evoca a sua memória, o seu exemplo e o seu sacrifício... Não havia muito mais sítios na Net donde constasse o seu nome... O primeiro, julgo eu, é o do blogue do nosso camarada e coeditor Eduardo Magalhães Ribeiro, Coisas do MR:
18 de abril de 2009
M91 - Memorial aos RANGERS Mortos em Combate na Guerra do Ultramar (1961 - 1974)
http://coisasdomr.blogspot.pt/2009_04_01_archive.html
E também no sítio dos Operações Especiais Rangers:
Relação dos Militares que tombaram em combate na Guiné, Angola e Moçambique que aqui
(Lamego) gritaram RANGER
http://rangers.no.sapo.pt/CIOE/Mortos.htm
Obrigado, Jorge, pelo teu cuidado.
É política do nosso blogue resgatar a memória dos nossos mortos na guerra, dos nossos camaradas de armas que passaram pelo TO da Guiné, de 1961 a 1974, e que lá morreram (em combate, por acidente, por doença ou por outras causas)...
A maioria deles estão naquilo a que eu chamo "a vala comum do esquecimento"... Podemos saber o seu nome, naturalidade, nº mecanográfico, posto, especialidade, unidade, dia e causa da morte... Vem nas listas dos mortos... Mas faltam-nos uma foto, um legenda, um pequena história de vida, pequenas memórias que podem dar sentido a uma morte ou pelos menos mitigar a dor e a saudade dos familiares, amigos e camaradas... Vamos fazer um esforço para coligir elementos como aqueles que nos disponibilizou sobre o seu malogrado camarada Pinto Soares.
Jorge Parabéns pelo teu trabalho. Abraços António Duarte Cart 3493 e Ccaç 12
Caro Jorge Araújo!
O dia e noite de 7 de Janeiro de 1974, data em que faleceu o nosso malogrado camarada Pinto Soares, foi para quem se encontrava em Copá e Canclifã, o dia em que verdadeiramente conhecemos o inferno.
Eu era Condutor Auto e estava também em Copá.
Nesse dia e noite estivemos em simultânio de baixo de intenso fogo do PAIGC durante várias horas e, a determinada hora dessa noite, soubemos via rádio o que tinha acontecido ao nosso camarada Furriel Pinto Soares. Tinha sido atingido Junto à vala por um dos muitos Foguetões que estava a cair sobre Canclifã. Esta versão foi-me mais tarde confirmada pelo nosso malogrado Camarada Fernando de Sousa Henriques ( na altura Alferes da CCAÇ 3545 falecido em Setembro de 2011) em conversa pessoal.
Foi nessa noite que, o PAIGC depois de mais 5 horas de bombardeamento a Copá, faz um intervalo de pouco mais de hora e meia e aparece-nos junto ao arame com duas viaturas blindadas.
As minhas sentidas condolências aos familiares e amigos do nosso Camarada Filipe Pinto Soares e que Deus o tenha no Paraíso.
Um abraço Jorge Araújo.
António Rodrigues.
Prezado camarada Jorge Araújo:
Faço uma achega, sem sombra, à tua excelente narrativa.
Até à sua morte, as operações de "nível militar" do PAIGC eram decididas e o seu planeamento supervisionado por Amílcar Cabral (teria sido alferes milº de Cavalaria do EP e tirocinara na China, durante todo o ano de 1960); depois, a sua decisão passou ao colectivo político (Aristides, Luís e Pedro Pires), que cometiam o planeamento e a sua supervisão da execução aos capitães do activo do Exército cubano, recuperando a recomendação do próprio Fidel Castro, quando esteve em Conacri.
Terá sido esta alteração "profissional", recomendada pelo barbudo e protagonizada por cerca de meia dúzia de capitãezinhos cubanos que terá alvoroçado uma franja da oficialidade da guarnição da Guiné à gestação do MFA, como deriva à chefia e comandos das FFAA portuguesas.
Nino Vieira nunca foi comandante da Zona Leste; o comandante nessa altura era o Bobo Quetá, ex-alfaiate em Nova Lamego e em Bissau. Nino Vieira era o "Chefe das Operações", uma espécie de Comandante-chefe, que gostava de imitar Spínola, aparecendo nas operações do PAIGc.
Ab.
Manuel Luís Lomba
Obrigado ao Manuel Luís Lomba pela sua chamada de atenção em relação à troca de nomes: o 'Nino' Vieira não era o comandante da frente leste, na altura era de facto o antigo futebolista Bobo Keita (ou Quetá), sobre o qual temos pelo menos uma dúzia de referências no nosso blogue:
https://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/search/label/Bobo%20Keita%20%28Comandante%29
Já depois de ele morrer, em Portugal, estando "exilado" desde 1980, em Cabo Verde, depois do golpe de 'Nino' Vieira, (e de quem ele diz coisas, factuais, importantes, a "desmitificar" a sua "valentia de macho" e a sua "visão estratégica da guerra...), foi publicado um livro, da autoria de Norberto Tavares de Carvalho, baseado em entrevista com o Bobno Keita ("De campo a campo: conversas com o comandante Bobo Keita. Edição de autor, Porto, 2011, 303 pp. Impresso na Uniarte Gráfica, SA; depósito legal nº 332552/11. Posfácio de António Marques Lopes).
Reproduzimos, na altura, no nosso blogue, alguns excertos do livro, de resto já publicado depois da morte do Keita (, que ocorreu em 2009).
http://www.asemana.publ.cv/spip.php?article38733
Também tem razão o Manuel Luís Lomba no que diz em relação ao papel dos cubanos na condução da guerra nos últimos tempos, e nomeadamente na frente leste...
Sabemos pouco sobre isso (ou pelo menos falta-nos escritos, no blogue, sobre o papel dos "internacionalistas" cubanos nesta fase da guerra)... O Manuel Luís Lomba pode-nos mandar, para publicação, aquilo que ele tem investigado sobre o assunto.
Sugiro um olhadela ao livro Ramon Pérez Cabrer5a, "La história cubana en Africa", disponível parcialmente em pdf aqui:
http://www.kilibro.com/books/9781447502203/la-historia-cubana-en-africa
Entre a fantasia, a propaganda e o apontamento factual mais ou menos rigoroso (nomes, datas, lugares...), é um livro que vale a pena folhear, no que diz respeito à "nossa" Guiné e à intervenção dos cubanos entre 1966 e 1974...
Não posso reproduzir páginas, a título de "nota de leitura"... por causa da proteção da propriedade intelectual ... Mas talvez o Lomba tenha tempo e pachorra para fazer umas "notas de leitura"... A parte relativaà Guiné vai das páginas 136 à 184, e estão completas, no modo "pré-visualização"... O livro é em espanhol mas lê-se bem...
Fica aqui o desafio.... Com um alfabravo. Luis
Manuel Luís Lomba!
O Bobo Queita, foi de facto, o primeiro dirigente do PAIGC a aparecer-nos em Bajocunda após o 25 de Abril logo em Maio de 74.
Um forte abraço Manuel Luís.
António Rodrigues.
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