segunda-feira, 23 de maio de 2016

Guiné 63/74 - P16127: (De)Caras (41): A Canquelifá da CCAÇ 3545 (1972-1974) e os acontecimentos de janeiro de 1974: a morte do "ranger" fur mil op esp Luís Filipe Pinto Soares (Jorge Araújo, ex-fur mil op esp, CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/74)


1. Mensagem, com data de 19 do corrente, do nosso colaborador, amigo, camarada e grã-tabanqueiro, Jorge Araújo, (que, na "vida real", é docente universitário, para quem não sabe, tendo na "outra vida" sido fur mil at inf op esp/ranger, CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/74):

Caro camarada Luís Graça e demais editores:

Conforme promessa, que te dei conta em comentário escrito hoje no blogue, anexo uma nova narrativa histórica sobre os terríveis acontecimentos de janeiro de 1974 em Canquelifá (*), que guardarei para sempre na minha memória.

Aproveitei para juntar, no mesmo texto, três variáveis da guerra: os factos, os relatórios oficiais (Perintreps) e a comunicação social, com relevância para a morte de mais um camarada meu/nosso. (**)

Um abraço.

Jorge Araújo.

9 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Jorge:

Em todas as guerras se mente... E nós não somos exceção... Nós, quero eu dizer, o serviço de informações das forças armadas na então Guiné... O comunicado, interessante, que reproduze,s com data de 10 de janeiro de 1974, é um exemplo disso: a tropa fornecia as "notícias" aos correspondentes dos jornais metropolitanos em Bissau e em Lisboa o Zé Povinho lia o que eles queriam... E raramente dava para ler nas entrelinhas...

Mentíamos nós, mentía o PAIGC, mentiam os cubanos,os russos, os chineses, etc. Em qualquer guerra, de resto, é preciso "mostrar serviço", neste caso o nº de baixas infligidas ao inimigo, incluindo a cor da pele...

Jorge, o comunicado publicado nos jornais de Lisboa, em 10/1/1974, contem necessariamente "elementos de propaganda": não ponho em causa os efeitos do ataque levado a cabo pelo famigerado Quemo Mané (, segundo o comunicado, ) contra Canquelifá: além dos mortos e feridos entre a população (que não são quantificados), os habitantes perderam 120 moranças, 61 toneladas de mancarra, 22 toneladas de milho e 4 de feijão

Mais tarde, e junto ao Rio Morucoto, a CCAÇ 21 (suponho eu) terá surpreendido uma força IN e caído em cima dela. Balanço: "22 mortos confirmados, a maior parte "brancos" que se julga ser de nacionalidade "cubana"...

Os cubanos vem lembrar hoje os seus mortos na Guiné-Bissau, desde 1966 e até 1974, durante "a guerra de libertação" ao lado do PAIGC... Foram eles: tenente Raúl Pérez Abad, Raúl Mestres Infante, Miguel A. Zerquera Palacio, Pedro Casimiro Llopins, Radamé Sánchez Begerano, Eduardo Solís Renté, Felix Barriento Laporte, Radamés Despaigne Robert e Edilberto González... Nove ao todo, não mais!... (Em Angola, na chamada guerra da II Indeoendência coisa foi muito mais feia e trágica: fala-se inclusive que a Angola foi o V ietname cubano...).

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2006/07/guin-6374-p967-antologia-51-os.html


Bem, aguém está a mentir, neste caso de Canquelifá... Vinte e dois mortos, num só dia, sendo a maior parte "brancos" e, nomeadamente, "cubanos", é uma informação no mínimo imprecisa... Não sei se o Jamanca (que infelizmente já não está entre nós, tal como o Amadu Djaló) teve o cuidado de verificar, um a um, os passaportes dos mortos...

Tenho lido alguns escritos cubanos hilariantes sobre a sua ação "internacionalista" na Guiné... Da rapaziada do PAIGC, não se podia exigir muito... Também aprender a mentir ao Chefe...

Mas nós também ficamos mal na fotografia, em muitos casos: há relatórios de operações nossas que eram redigidas para enganar os "chefes", a começar pelos comandantes de setor que depois faziam o seu "relim" para a 2ª rep do QG... O furriel enganava o alferes, este enganava o capitão, o capitão enganava o major e por aí acima... E era assim que se faziam os Perintrep...

Quem andou no mato, como eu, e leu os relatórios que os nossos comandantes operacionais "cozinhavam" sabe do que é que eu falo... No mato não havia observadores independentes para contabilizar as baixas do inimigo... Nem convinha que houvesse, só iria fazar aumentar a despesa da guerra... Mas devia haver uns gajos, "neutrais", de braçadeira branca, para garantir que a malta de um lado e do outro não fazia batota...

Um dia ainda a guerra vai ser um "jogo limpo", ou pelo menos, com "regras", com árbitros e tudo...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Jorge:

Mais um camarada, teu e nosso, que não vai ficar na "vala comum" do esquecimento, o Luís Filipe Pinto Soares... O nosso blogue evoca a sua memória, o seu exemplo e o seu sacrifício... Não havia muito mais sítios na Net donde constasse o seu nome... O primeiro, julgo eu, é o do blogue do nosso camarada e coeditor Eduardo Magalhães Ribeiro, Coisas do MR:

18 de abril de 2009
M91 - Memorial aos RANGERS Mortos em Combate na Guerra do Ultramar (1961 - 1974)

http://coisasdomr.blogspot.pt/2009_04_01_archive.html

E também no sítio dos Operações Especiais Rangers:

Relação dos Militares que tombaram em combate na Guiné, Angola e Moçambique que aqui
(Lamego) gritaram RANGER

http://rangers.no.sapo.pt/CIOE/Mortos.htm

Obrigado, Jorge, pelo teu cuidado.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

É política do nosso blogue resgatar a memória dos nossos mortos na guerra, dos nossos camaradas de armas que passaram pelo TO da Guiné, de 1961 a 1974, e que lá morreram (em combate, por acidente, por doença ou por outras causas)...

A maioria deles estão naquilo a que eu chamo "a vala comum do esquecimento"... Podemos saber o seu nome, naturalidade, nº mecanográfico, posto, especialidade, unidade, dia e causa da morte... Vem nas listas dos mortos... Mas faltam-nos uma foto, um legenda, um pequena história de vida, pequenas memórias que podem dar sentido a uma morte ou pelos menos mitigar a dor e a saudade dos familiares, amigos e camaradas... Vamos fazer um esforço para coligir elementos como aqueles que nos disponibilizou sobre o seu malogrado camarada Pinto Soares.

António Duarte disse...

Jorge Parabéns pelo teu trabalho. Abraços António Duarte Cart 3493 e Ccaç 12

antonio disse...

Caro Jorge Araújo!

O dia e noite de 7 de Janeiro de 1974, data em que faleceu o nosso malogrado camarada Pinto Soares, foi para quem se encontrava em Copá e Canclifã, o dia em que verdadeiramente conhecemos o inferno.

Eu era Condutor Auto e estava também em Copá.

Nesse dia e noite estivemos em simultânio de baixo de intenso fogo do PAIGC durante várias horas e, a determinada hora dessa noite, soubemos via rádio o que tinha acontecido ao nosso camarada Furriel Pinto Soares. Tinha sido atingido Junto à vala por um dos muitos Foguetões que estava a cair sobre Canclifã. Esta versão foi-me mais tarde confirmada pelo nosso malogrado Camarada Fernando de Sousa Henriques ( na altura Alferes da CCAÇ 3545 falecido em Setembro de 2011) em conversa pessoal.
Foi nessa noite que, o PAIGC depois de mais 5 horas de bombardeamento a Copá, faz um intervalo de pouco mais de hora e meia e aparece-nos junto ao arame com duas viaturas blindadas.

As minhas sentidas condolências aos familiares e amigos do nosso Camarada Filipe Pinto Soares e que Deus o tenha no Paraíso.

Um abraço Jorge Araújo.
António Rodrigues.

Manuel Luís Lomba disse...

Prezado camarada Jorge Araújo:
Faço uma achega, sem sombra, à tua excelente narrativa.
Até à sua morte, as operações de "nível militar" do PAIGC eram decididas e o seu planeamento supervisionado por Amílcar Cabral (teria sido alferes milº de Cavalaria do EP e tirocinara na China, durante todo o ano de 1960); depois, a sua decisão passou ao colectivo político (Aristides, Luís e Pedro Pires), que cometiam o planeamento e a sua supervisão da execução aos capitães do activo do Exército cubano, recuperando a recomendação do próprio Fidel Castro, quando esteve em Conacri.
Terá sido esta alteração "profissional", recomendada pelo barbudo e protagonizada por cerca de meia dúzia de capitãezinhos cubanos que terá alvoroçado uma franja da oficialidade da guarnição da Guiné à gestação do MFA, como deriva à chefia e comandos das FFAA portuguesas.
Nino Vieira nunca foi comandante da Zona Leste; o comandante nessa altura era o Bobo Quetá, ex-alfaiate em Nova Lamego e em Bissau. Nino Vieira era o "Chefe das Operações", uma espécie de Comandante-chefe, que gostava de imitar Spínola, aparecendo nas operações do PAIGc.
Ab.
Manuel Luís Lomba

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Obrigado ao Manuel Luís Lomba pela sua chamada de atenção em relação à troca de nomes: o 'Nino' Vieira não era o comandante da frente leste, na altura era de facto o antigo futebolista Bobo Keita (ou Quetá), sobre o qual temos pelo menos uma dúzia de referências no nosso blogue:

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/search/label/Bobo%20Keita%20%28Comandante%29

Já depois de ele morrer, em Portugal, estando "exilado" desde 1980, em Cabo Verde, depois do golpe de 'Nino' Vieira, (e de quem ele diz coisas, factuais, importantes, a "desmitificar" a sua "valentia de macho" e a sua "visão estratégica da guerra...), foi publicado um livro, da autoria de Norberto Tavares de Carvalho, baseado em entrevista com o Bobno Keita ("De campo a campo: conversas com o comandante Bobo Keita. Edição de autor, Porto, 2011, 303 pp. Impresso na Uniarte Gráfica, SA; depósito legal nº 332552/11. Posfácio de António Marques Lopes).

Reproduzimos, na altura, no nosso blogue, alguns excertos do livro, de resto já publicado depois da morte do Keita (, que ocorreu em 2009).

http://www.asemana.publ.cv/spip.php?article38733

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Também tem razão o Manuel Luís Lomba no que diz em relação ao papel dos cubanos na condução da guerra nos últimos tempos, e nomeadamente na frente leste...

Sabemos pouco sobre isso (ou pelo menos falta-nos escritos, no blogue, sobre o papel dos "internacionalistas" cubanos nesta fase da guerra)... O Manuel Luís Lomba pode-nos mandar, para publicação, aquilo que ele tem investigado sobre o assunto.


Sugiro um olhadela ao livro Ramon Pérez Cabrer5a, "La história cubana en Africa", disponível parcialmente em pdf aqui:

http://www.kilibro.com/books/9781447502203/la-historia-cubana-en-africa

Entre a fantasia, a propaganda e o apontamento factual mais ou menos rigoroso (nomes, datas, lugares...), é um livro que vale a pena folhear, no que diz respeito à "nossa" Guiné e à intervenção dos cubanos entre 1966 e 1974...

Não posso reproduzir páginas, a título de "nota de leitura"... por causa da proteção da propriedade intelectual ... Mas talvez o Lomba tenha tempo e pachorra para fazer umas "notas de leitura"... A parte relativaà Guiné vai das páginas 136 à 184, e estão completas, no modo "pré-visualização"... O livro é em espanhol mas lê-se bem...

Fica aqui o desafio.... Com um alfabravo. Luis

antonio disse...

Manuel Luís Lomba!

O Bobo Queita, foi de facto, o primeiro dirigente do PAIGC a aparecer-nos em Bajocunda após o 25 de Abril logo em Maio de 74.

Um forte abraço Manuel Luís.
António Rodrigues.