sexta-feira, 1 de julho de 2016

Guiné 63/74 - P16257: (Ex)citações (310): Apreciação do texto do Poste 16248 de António José Pereira da Costa (José Manuel Matos Dinis)

1. Mensagem do nosso camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71) com data de 30 de Junho de 2016, com uma apreciação ao texto do Poste 16248, de autoria do outro nosso camarada António José Pereira da Costa, Coronel Art Reformado:

Para o Camarada António José,
Portugal chocou contra os ventos da história. Espatifou-se, e pronto. Uns tiveram azar, outros tiveram sorte. Há sempre alguém que se safa com o azar alheio. Dirá, certamente, que é a lei da vida. Mas afinal, o que foram os ventos da história? Os tais que espatifaram a nação? Foram alguns poucos oficiais das Forças Armadas, que aliciaram outros, formaram uma espécie de tertúlia onde debatiam as suas circunstâncias, e... lá vai disto!

Os ventos da história, no caso particular dos que afectaram Portugal, foram alguns militares profissionais, que venceram a própria nação a que tinham jurado servir e defender. Portugal, naquela circunstância, não perdeu na luta, nem havia indícios de estar para perder em qualquer das três frentes da guerra. Podia estar difícil? Podia! Naturalmente em alguns sectores do ultramar. Mas situações difíceis não são situações derrotadas. Então, podemos concluir, Portugal perdeu por via de um golpe preparado por alguns dos seus oficiais, no momento histórico em que mais desenvolvia as províncias africanas, cujas proporcionavam estabilidade económica e social à metrópole.

Depois entraram em funcionamento cooperante com o turbilhão de desgraças e imprevistos, as máquinas inimigas, tanto de proveniência nacional como estrangeira, que exultavam os heróis do golpe traiçoeiro, e reconstruíam a ideologia através dos novos aparelhos ideológicos do estado, e passou-se da estabilidade e do progresso para a apropriação alheia e os mais disparatados saneamentos, já que sanear deve ser criar condições de progresso.

Isto é histórico, corresponde ao que aconteceu, e não me parece necessário invocar os milhares de crimes perpetrados em consequência, quer afectando os compatriotas emigrados em África, quer os que chegaram em condições dramáticas, testemunhas e vítimas do desprezo indigno dos revolucionários, só com a roupa que envergavam, quer, ainda, pelas perturbações que incidiram sobre os meios de produção, paralisando-a, do que resultou a breve trecho a exaustão das reservas financeiras.

Enquanto se viviam dramas humanos, fomentava-se a rivalidade entre grupos sociais ou ideológicos, e os militares estiveram na primeira linha desses conflitos, estimulando-os, e esses revoltosos tornaram-se vedetas na comunicação social, ou eram vitoriados pelos militantes apaixonados de dois partidos, na maioria oportunistas, que antes do golpe não tinham noção ou interesse pela organização político-social, e logo constituíram a frente de quem "mais ordena" em aliança com o MFA. Louis Althusser, pensador comunista, ajuda-nos a compreender a ideologia, enquanto fanatismo que lavra as personalidades, de quem respigo esta pérola: "Aliás, é próprio da ideologia impor (sem o parecer, pois que se trata de "evidências") as evidências como evidências, que não podemos deixar de reconhecer". Julgo não enganar ninguém se concluir tratar-se de um dos axiomas da manipulação.

Mas então a ideologia veio de onde, surgiu do quê? Da Academia? Sim e não. Alguns da nossa geração lembram-se de que o regime ditatorial permitia a circulação de literatura sobre psicologia, ciências sociais, ideologia, etc., bem como a comunicação social fazia frequentes referências, em alguns casos contínuas, através de órgãos de comunicação quase especializados na subversão. Do PCP é que nada, só pela clandestinidade daria notícias. Estava proibido. Ora, aquela juventude, virgem e generosa, lia umas coisas e pensava-se já dona da verdade, como ainda hoje acontece frequentemente, com grande desconhecimento dos tentáculos do poder oculto, que aos primeiros indícios controlavam os movimentos sociais e sugeriam-lhes direcções, do que resultava por vezes ficarem tolhidas ou submetidas as revoluções prometidas, mesmo no tempo de quando o povo era quem mais ordenava. Doces ilusões. Esses ciclos acabam por revelar-se manipulados, tal como os militares do Movimento foram manipulados numa aura de glória.

Porque se não o tivessem sido, os puros contestatários da circunstância, os anti-situacionistas, pediam a passagem à reserva, ou desertavam, o que implicava alguns riscos para encontrarem actividades alternativas tão bem remuneradas, para mais em eventual concorrência com outros mais qualificados ou experimentados. Também por isso fizeram o golpe, para continuarem a ser militares, sem correrem riscos salariais, sem terem que se afastar das famílias. E disso lavam as mãos, sendo que ainda há quem lhes chegue a água e o sabão, gente manipulada, que confunde os interesses das classes, dos interesses, e das circunstâncias. Mas ninguém os obrigou à profissionalização militar.

Para os que não têm noção sobre a dimensão do desastre em termos meramente humanos, que multiplicaram por muito as chacinas guineenses, deixo a indicação de alguns livros sobre o holocausto angolano, e onde se alude a elementos do MFA a acicatar pretos contra brancos, e pretos contra pretos. Mas a destruição do modelo económico nacional veio revelar que desde a primeira intervenção do FMI, com Mário Soares, Portugal não produz o suficiente para viver, ou de outra maneira, a nossa receita tem sido insuficiente para as crescentes despesas subtilmente ocultadas. E isso à custa da aniquilação de boa parte do nosso aparelho produtivo, dos empréstimos que reembolsamos pelo pagamento regular de prestações e juros, pelo pagamento das importações, pela exportação de capitais para offshores, e pela quota parte da participação em instituições internacionais que nos secam/condicionam a capacidade para criar riqueza através do investimento interno. E estamos reféns desta situação.

Bibliografia:  
"Segredos da Descolonização de Angola". Alexandra Marques, 2013;
"25 de Abril de 1974 - A Revolução da Perfídia", Gen. Silva Cardoso, 2008;
"Angola - anatomia de uma tragédia", Gen. Silva Cardoso, 2000;
"S.O.S. Angola - Os dias da ponte aérea". Rita Garcia, 2011;
"Livro Negro da Descolonização", Luíz Aguiar, 1977.

JD
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Nota do editor

Último poste da série de 3 de junho de 2016 > Guiné 63/74 - P16163: (Ex)citações (309): Ex-Soldado Carlos Carrilho Alberto, da CCAV 3463 do BCAV 3869, Piche (Out71/Dez 73), recebeu a sua medalha com 43 anos de atraso (Sousa de Castro)

3 comentários:

Anónimo disse...

Caros Camaradas:
Com alguma frequência assiste-se ao esgrimir de argumentos sobre as diversas vertentes de análise da Guerra do Ultramar, das Colónias (como quiserem), ou seja da guerra em que participámos… Devo dizer que tal fato me desgosta, mas isso também não interessa a ninguém !… Só faltava que os meus estados de alma preocupassem antigos combatentes!... Naturalmente, há sempre argumentos para todos os gostos, dependendo do lado que sopram os ventos, sejam eles da História ou da história deles. Uma coisa é certa: -Fizemos a guerra às ordens de um regime que não tinha mandato para isso, nem sequer para estar no poder!... Já estou a ouvir vozes que dizem que tal falta provar !... A esses direi apenas : pois que provem e comam se gostarem e se poderem (deixarem)
Manuel Vaz

Anónimo disse...

E ESTE REGIME TEM MANDATO para mandar tropas para fora.Já sei já sei, é preciso cumprir com as obrigações internacionais. Os mesmos que andaram a gritar nem mais um soldado para as colónias, foram os primeiros a mandarem tropas para fora.E gritaram muito para não porem os pezinhos na tropa.Porque os pezinhos deles eram
finos.Bem dizia Luiz Vaz de Camões "Mudam-se os tempos mudam-se as vontades.De qualquer modo subscrevo inteiramente o José Manuel Matos Diniz.Jose Salgueiro

Anónimo disse...

Esta bipolarização da esquerda e direita, e que camaradas pensam e defendem que tudo
à esquerda é que é bom e humanitário.E o contrário são todos maus e assassinos.Sim porque
o mesmo crime tem leituras diferentes consoante as ideologias.E isso passou-se em todos os teatros de guerra.E no dia a dia o problema é o mesmo.O governo anterior votou muita gente à fome.Mas este é bom também nos vota à fome mas é mais lentamente.Senão vejamos, para escamotear o défice tem atrasado a devoluça~do IRS e desengane-se quem espera para pagar as suas contas.Porque provavelmente receberá lá para agosto ou setembro.E discute-se aqui que uns são bons e outros são maus.
Perguntarão a que propósito vem isto? É muito simples vem a propósito dos ventos bons e maus e que nós estávamos contra os ventos da história.No congo nos anos sessenta as tropas da ONU nomeadamente as da india do pacifista Neru eram as que
violavam as mulheres.Eis os ventos da história.Qto a essa de "fizemos a guerra às ordens de um regime que não tinha mandato para isso.Apenas digo que são (somos espezinhados pelos burocratas de Bruxelas que não tem mandatos de povo nenhum a não
uns quantos gandulos pagos princepescamente.
Serafim Gonçalves Guiné 1972/74