1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Dezembro de 2015:
Queridos amigos,
Por vezes visitamos um local com uma finalidade pré-determinada e o destino encarrega-se de nos dar as voltas, encontramos outras finalidades. A ideia era percorrer e registar o Convento de Jesus, rever a galeria de pintura quinhentista, conhecer a casa de Bocage e ver a exposição dos desenhos que lhe dedicou Júlio Pomar. Pois aconteceram outras coisas, o viajante foi atraído pelas entranhas do casco histórico e deslumbrou-se. E disse para consigo: isto é um rodopio de surpresas, os camaradas da Guiné têm que visitar demoradamente Setúbal, há muito mais coisas que o choco frito e as praias deslumbrantes.
Um abraço do
Mário
Ai, se Bocage soubesse ou visse… (1)
Beja Santos
Visita-se Setúbal por muitíssimas razões: para ir às praias, que são bem aprazíveis; tomar um barco e ir até Tróia, nem que seja só para visitar o extraordinário património relacionado com o Império Romano, daqui partia muita salmoura para muitíssimos recantos; para visitar o Convento de Jesus, uma jóia única, ali bem perto se ratificou o Tratado de Tordesilhas, quando os povos ibéricos se julgavam capazes de repartir os novos mundos descobertos e a descobrir; ou visitar uma exposição, já que Setúbal tem uma vida cultural própria que extravasa a Serra da Arrábida, uma gastronomia de peixe sem concorrência, ir ver golfinhos ao Rio Sado ou aves à Mourisca. Pois o pretexto para passear era ir ver Bocage, desenhos de Júlio Pomar, em último dia de exposição, 6 de Fevereiro, já com foliões carnavalescos na rua, e por ali deambular. Vamos aos factos.
Parece mentira mas é verdade, este fontanário, seguramente património municipal, está adossado a um prédio de estranhas dimensões, pior casamento é inimaginável. Pois acontece, o mostrengo parece que veio para ficar. Eu protesto, é indigno de ver tal coisa no casco histórico de Setúbal que um dia será uma das jóias rutilantes do nosso património construído.
Dir-me-ão que estas requalificações não têm nada de especial. Mas não é bem assim, é preciso ver e contrastar, perceber que do arruinado se faz o vistoso e com caráter. Estas intervenções precisam de ser aplaudidas e mostradas, é um dos modos de fazer sair da sombra os edifícios maltratados, gerando orgulho em ver Setúbal reluzente, ainda mais aprazível.
Quem vem pela Avenida Luísa Todi fatalmente que será atraído por estas formosas bicas em praça ampla, é um monumento pujante, atraente, dá gosto andar à volta e perceber que Setúbal tem o Sado, tem uma Sé e Bispo, uma lindíssima casa da cultura e praças anchas, pontos de partida e de chegada, aqui me demorei e pensei nos tempos em que destas bicas gente se dessedentava e comprazia com tanta estética da pedra.
O Mercado do Livramento é um lugar inevitável, teve excelentes obras, tornou-se um espaço sem rival. Veja-se o cuidado com que se restauraram estes azulejos, vêm de um tempo em que os mercados se associavam às alegrias azulejares, bíblias de atividades económicas e do que havia de melhorar a visitar, o mercado de Santarém é um outro bom exemplo, e há as estações do caminho-de-ferro e os azulejos que se derramam por tanta cidade portuguesa. Ainda bem que estes ícones são os referentes numa economia de outrora que elevou Setúbal a um patamar de grandezas.
Imagine-se o que é andar por ali empolgado com os odores de tanto peixe há pouco vindo do mar, encontrar o que resta da cabeça de um espadarte e logo na banca a seguir dar com o Paulo Raposo, uma estima que caminha para meio século, andámos por Mafra e Amadora, embarcámos para a Guiné em Julho de 1968, cada um penou em diferentes buracos do mato, no regresso recompusemos as vidas, ele ali estava a abastecer-se de espadarte para levar até Montemor-o-Novo, onde tem hotel rural. Pedi-lhe autorização para esta imagem e para divulgação pública. Entre camaradas da Guiné os reencontros
fazem-se sempre com sorrisos, a alegria é indisfarçável.
Por aqui começou Setúbal, está em frente ao antigo RI 11, onde se situa a Galeria Municipal do 11, é ali que vou ver o Bocage por Júlio Pomar. Alguém disse: ainda restam alguns panos da velha muralha e portas de entrada. Nesse casco histórico, perguntei onde estava a tão concelebrada muralha, com a afabilidade costumeira dos setubalenses, que se saúdam sempre, alguém me levou a este espaço arruinado e me indicou um dos últimos panos da muralha, em carne viva. E a gente pergunta o que se perdeu nas chamadas modernizações, que nada têm a ver com as catástrofes naturais, deitamos abaixo e depois torcemos a orelha, é tarde, é irremediável. Que este vestígio maltratado grite por si, e nos peça a todos o devido auxílio.
(Continua)
_____________
Nota do editor
Último poste da série de 13 de Julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16300: Os nossos seres, saberes e lazeres (163): A estação de metro do Campo Grande: Uma obra-prima da arte pública urbana (Mário Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
1 comentário:
Caro Beja Santos
Estás perdoado na medida em que te referes a uma visita feita em Fevereiro.... pois se tivesse sido por estes dias... devias ter avisado!
Saliento a curiosidade do teu encontro o Paulo Raposo pois, como dizes, é sempre uma grande alegria estes encontros e ainda mais quando não programados.
Aguardo a outra parte da reportagem para saber se foste ver a "casa das três cabeças", registando o atentado a D. João II.
Abraço
Hélder Sousa
Enviar um comentário