sexta-feira, 22 de julho de 2016

Guiné 63/74 - P16325: Notas de leitura (861): “Capitães do Fim… do Quarto Império”, por António Inácio Nogueira, Âncora Editora, 2016 - Para entender a pátria exausta: os Capitães do Fim do Império (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Julho de 2016:

Queridos amigos,
Este camarada da Guiné apresentou uma tese de doutoramento na Universidade Fernando Pessoa, em 2015, sobre os capitães do fim do Império, os jovens comandantes de companhia com que se procurava suprir a carência básica de oficiais formados na Academia Militar, foram formados às centenas e lançados nos três teatros de guerra.
Há um meritoso trabalho de síntese a descrever um enquadramento histórico-político da guerra, um levantamento sério do que era a seleção e a formação destes jovens capitães, e chegamos a dois capítulos essenciais que decorrem do levantamento de autobiografias de cinco capitães seguindo-se um bem coligido elenco de 30 histórias de vida. Obviamente que nos cingimos àquelas que têm a ver com a sua presença na Guiné.
Direi sem qualquer hesitação que é uma obra que justificadamente devemos conhecer e sobre ela refletir, não ilude a carga polémica que a acompanha do princípio ao fim: a Pátria estava exausta, estava-se no limite dos recursos humanos, aqueles jovens saíam da universidade claramente politizados, sabiam melhor que os seus camaradas dos primeiros anos da guerra que havia ventos da História e que sem debate político se caminhava para o precipício.

Um abraço do
Mário


Para entender a pátria exausta: os Capitães do Fim do Império (2)

Beja Santos

Dando seguimento aos aspetos essenciais da obra “Capitães do Fim… do Quarto Império”, por António Inácio Nogueira, Âncora Editora, 2016, depois de se sintetizar o enquadramento histórico e político da guerra e como se selecionavam e formavam estes comandantes de companhia, abre-se espaço a cinco autobiografias militares a que se seguem testemunhos na primeira pessoa. Por razões compreensíveis, acolhem-se aqueles que se relacionam expressamente com a Guiné, mas é imperioso chamar à atenção do leitor para o considerável interesse que têm os testemunhos dos comandantes de companhia que combateram em Angola e Moçambique.

As cinco autobiografias de comandantes de companhia combateram em Angola e Moçambique. Escreve o autor: “Estas cinco narrativas são o rosto da guerra traiçoeira e permanente em Mueda e Candulo e da fuga dos aquartelamentos das nossas tropas, das emboscadas e dos ataques a aquartelamentos em Sanga Planície e Miconge, do isolamento em N’Riquinha que magoa por dentro, nas terras do fim do mundo, da paz que se negoceia em segredo os matagais de Cangumbe com a UNITA, dos últimos tiros e dos últimos combates em N’Dalatando, Cabinda, Malange, Massabi e Pangamongo. Dos saques perpetrados e das debandadas, quando se aproxima o fim, na reta final do império” e segue-se a série de depoimentos: de Afonso Maria de Eça de Queiroz Cabral, relatando do saque de Vila Salazar (N’Dalatando), ao golpe de Cabinda; de António Inácio Correia Nogueira, cavaleiro do Maiombe, de António Pereira de Almeida, que andou em Mueda e em Candulo; de Benjamim Fernando Almeida, o negociador nos matagais de Cagumbe; e Lionel Pedro Cabrita, a quem se deve o texto de N’Riquinha a Rivungo, nas terras do fim do mundo.

Temos os testemunhos na primeira pessoa e os da Guiné tocam-nos pelo vigor, pela sinceridade e em tantos casos pelo desassombro.

Logo Abílio Delgado, o capitão puto de Guileje, incorporado em Abril de 1970, tinha 20 anos, fez a guerra e seguiu-se uma carreira profissional na banca. Ofereceu-se como voluntário para o curso de comandantes de companhia. O estágio, no posto de alferes, foi realizado no Leste de Angola, na região do Luso. Quem ministrou o curso em Mafra para comandante de companhia nunca tinha estado no Ultramar. Foi mobilizado para a Guiné, no comando de uma companhia independente. Foi colocado em Guileje, cujo aquartelamento descreve: “Eram cerca de 700 pessoas dentro do aquartelamento, contando com a população. A atividade operacional resumia-se a patrulhas diurnas, dia sim, dia não, com um efetivo de dois grupos de combate, e a coluna de reabastecimento, de Gadamael até Guileje. Durante a época das chuvas estávamos isolados por via terrestre, não havia reabastecimento. As condições de defesa satisfaziam, tínhamos boa artilharia e bom apoio aéreo, quando necessário”. Considera ter havido bom relacionamento com os subordinados, embora fosse o mais novo dos oficiais. Era o capitão puto, tinha 22 anos, chegou à Guiné em 1971.

Albertino Santos Pereira foi aterrar em Geba, fora mobilizado em 1972. Tinha sido nomeado para ir substituir o capitão de Guileje, acabou por ir parar a Geba, foi substituir um capitão que morreu de cancro. O seu grande orgulho foi trazer de regresso todos os seus homens, herdou uma companhia sem primeiro-sargento, teve uma comissão liquidatária trabalhosa, confrontou-se com problemas administrativo-logísticos de monta.

Carlos Alberto Gaspar Martinho embarcou para a Guiné em Março de 1972. Na universidade participou no movimento associativo “contra a Guerra Colonial” e esteve para fugir com dois colegas. O pai pediu-lhe para não ir. Fez o estágio em Angola, experiência inolvidável, saiu-lhe um capitão apanhado pelo clima, que fizera uma operação em que se perdeu metade dos efetivos, tiveram um trabalhão para regressar. Foi para o Olossato e Spínola assegurou-lhe: “É tão má esta zona que as companhias que vão para lá só ficam um ano, se tiverem bons resultados. Se o nosso capitão tiver resultados ótimos, dou-lhe a minha palavra de honra como vem aqui para Bissau, ao fim de um ano… Mantenha-me os itinerários todos limpos". Foi ferido na primeira flagelação, coseram-lhe os dedos. No Olossato, imprimiu uma disciplina rígida, foram levantadas muitas minas e houve poucos mortos em combate. Rodaram para Quinhamel, estava lá há um mês quando recebeu uma mensagem do Comando-Chefe para se apresentar no quartel-general. Apresentou-se e Spínola explicou-lhe que lhe tinha dado a palavra de honra que agora ia quebrar, dava-lhe a missão de se apresentar em Binta e a fazer a picagem e a desminagem da picada de Binta para Guidage. “Em Guidage ficam dois grupos de combate seus, e os outros dois grupos vão para Bigene. O senhor fica em Guidage, com os dois grupos, e comanda a outra companhia, de africanos, que lá está. O capitão Salgueiro Maia vai-se embora. Tem três dias. Tudo o que precisar peça. Estamos entendidos?”
Encontrou Salgueiro Maia e este barafustava: “Isto não se resolve com a guerra, chego à Metrópole e rebento com esta merda toda”. Deplora que todo o seu trabalho e dos seus soldados não mereceu uma réstia de conhecimento.

João Londral Ivens Ferraz de Freitas Leito Martins. Passou treze meses na Guiné. “Fui colocado em Canjadude, onde aquartelava a CCAÇ 5, com soldados africanos enquadrados por oficiais e sargentos europeus. Canjadude tinha um quartel com uma casa para os serviços administrativos, um pequeno barracão para as refeições da tropa branca, valas em ziguezague, bunkers semi subterrâneos para alojamentos, e a aldeia indígena ao lado, cheia de enormes mangueiras que abrigavam o povoado”. Foi aqui que fez o estágio. Voltou a Mafra e formou batalhão sobre o comando do Tenente-Coronel Luís Atayde Banazol. Mobilizados para a Guiné, feito o IAO, marcharam para Farim, a atividade militar englobava Jumbembém, Nema, Lamel, Canjambari, Farim. O pior momento terá sido o ataque ao quartel, em Jumbembém, Fevereiro de 1974. E adiante: “Devo mencionar que os nossos soldados estavam emocionados com o fim da guerra e abraçavam os soldados do PAIGC. A capacidade de confraternização dos portugueses estava ali bem patente! Também fui de Berliet a Guidage. Percorri em silêncio a célebre zona de emboscadas, entre Binta e Guidage. Parecia-me ainda cheirar o fumo do rescaldo, buracos, troncos queimados, uma paisagem tenebrosa. Dias depois, fui com o Major Morna de helicóptero a Binta para entrega da unidade ao PAIGC. Depois, foi a retirada de Cuntima, de Jumbembém e de Farim”.

(Continua)
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Nota do editor

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1 comentário:

Manuel Carvalho disse...

Interessante para mim claro nesta nota de leitura do Mário Beja Santos a referencia à promessa feita pelo General Spínola à companhia que em 72 foi para o Olossato, de se mantivessem a Zona limpa ao fim de um ano virem para Bissau.Quando em 68 a minha comp. a 2366 foi para Jolmete, lugar onde as comp. até aí estavam 2 ou 3 meses, nos fez uma promessa mais ou menos com as mesmas palavras e que ia repetindo quando lá vinha "se continuarem assim ao fim de um ano vão para um lugar melhor" e no nossa caso cumpriu.Devo dizer que nós muitas comentava-mos entre nós que aquilo era jogada psicológica, mas ainda bem que estava-mos enganados e pelos vistos o Homem não se esquecia das promessas feitas.
Curiosamente quando fomos para Jolmete uma outra comp. do Batalhão 2845 a 2367 foi para o Olossato onde esteve alguns meses e onde teve vários problemas.

Manuel Carvalho