quarta-feira, 14 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17467: (De) Caras (75): "Contrabando de ternura": os tentáculos da minha rede não chegavam ao mato, funcionavam entre Moscavide e Bissalanca... graças a um amigo piloto da TAP... (José Colaço, ex-sold trms, CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65)

1. Mensagem do José [Botelho] Colaço,  ex-soldado trms da CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65), membro da nossa Tabanca Grande desde 2 de junho de 2008; tem 7 dezenas e meia de  referência no nosso blogue.

Data: 12 de junho de 2017 às 16:14

Assunto: "Contrabando de ternura" que permitia, aos nossos familiares, fazer-nos chegar a Bissau e ao 'mato' as suas "encomendinhas"...


Caro Luís, aqui vai parte que ficou da minha rede de "contrabando de ternura"...  porque, passados 54 anos e 74 de idade, muita coisa se apagou, mas achei o tema bastante interessante. Também eu fui um dos beneficiados, embora os tentáculos da minha rede não atingissem o mato, ficavam-se por Bissau.

Como funcionava o meu sistema ? A minha família morava em Moscavide, e em Moscavide morava também um senhor amigo, piloto da TAP,  que fazia a carreira semanal da TAP para a Guiné. Assim que soube que eu ia para a Guiné, prontificou-se a levar uma encomenda todas as semanas. A encomenda tinha uma norma: não podia pesar mais do que 500 gramas.

Ele deixava a encomenda no aeroporto de Bissalanca, numa secção de confiança dele e do meu conhecimento, eu era avisado com a antecedência possível pela minha família via SPM e, logo que tivesse disponibilidade, ia lá, identificava-me, levantava ou davam-me a encomenda.

O normal da encomenda era ser presunto, linguiça e queijo e tudo funcionava às mil maravilhas e a festa com os amigos e alguns "amigos do bornal"... Só que a ordem de ir para o mato não tardou e a terceira encomenda, como eu não a fui levantar, regressou a Moscavide pela mesma via.

Passados cerca de 11 meses regressei a Bissau, em Dezembro de 1964, activei novamente o sistema que durou até fim de Abril de 1965, altura em que fui para Bafatá.

Um abraço,  Colaço.

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Vd. postes anteriores:

13 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17464: (De) Caras (80: Também levei uma encomenda, no regresso de férias em novembro de 1963, a pedido da mãe de um camarada... Era uma lata de salpicões em azeite, para um soldado que estava em Fulacunda e que, infelizmente, morreria entretanto numa emboscada... Acabámos por comer os salpicões em Cantacunda... (Alcídio Marinho, ex-fur mil, CCAÇ 412, Bafatá, 1963/65)

12 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17456 (De) Caras (79): em outubro de 1972, vim de férias e uma vizinha meteu uma cunha à minha mãe para eu levar uma encomenda para o namorado da filha que era furriel e que eu não conhecia de lado nenhumm... Quando a encomenda chegou ao destino, já o namoro se tinha desfeito, como vim a saber 17 meses depois... (Juvenal Amado, autor de "A tropa vai fazer de ti um homem!"... Lisboa, Chiado Editora, 2016)


10 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17453: (De) Caras (77): O "contrabando" da... ternura ou como o "fiel amigo", o bacalhau, chegava à Bambadinca, ao Tony Levezinho, utilizando uma vasta rede de intermediários, do navio-tanque da Sacor à Casa Fialho - Parte II

9 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17451: (De) Caras (76): O "contrabando" da... ternura ou como o "fiel amigo", o bacalhau, chegava à Bambadinca, ao Tony Levezinho, utilizando uma vasta rede de intermediários, do navio-tanque da Sacor à Casa Fialho - Parte I

5 comentários:

Hélder Valério disse...

Parece que em boa hora o Luís fez 'saltar' este tema

Afinal, a rapaziada ia-se 'safando'...
Claro que tudo era mais fácil para quem estava em Bissau ou tinha a 'rede' montada por aí.
Mas não deixa de ser interessante reviver agora esses tempos, esses expedientes, já que eles fazem parte não só da nossa memória como também são a prova da capacidade de 'desenrascanço' que em geral temos, colectivamente.

Hélder Sousa

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Zé Colaço, obrigado pelo teu testemunho. Temos mais uma prova do nosso proverbial "desenrascanço", como escreve o Hélder, no seu comentário acima. Afinal, toda a gente (ou quase...) usava, de preferência, o "portador", amigo ou conhecido, para levar até à Guiné as "encomendinhas" com as "coisas boas" que nos ajudavam a matar as saudades da terra e da família, desde o bacalhau aos salpicões...

Estamos a falar de "concorrência desleal"... em relação ao SPM - Serviço Postal Militar que, esse, sinm tinha a missão de fazer chegar, aos mais recônditos quarteis no mato, não só as nossas cartas e aerogramas, como os valores declarados (dinheiro) e encomendas postais... Temos que publicar aqui, no blogue, a história do SPM, que foi de facto, um serviço público notável criado e mantido pelo exército durante a guerra colonial... E não só: parece que o SPM só foi extinto no início da década de 1980!

José Botelho Colaço disse...

Luís ao S.P.M. tiro o meu quico pela ideal com que foi criado e pôr em contacto as noticias dos militares e seus familiares e amigos em Portugal.
Mas como não há bela sem senão sempre tive as minhas dúvidas sobre a segurança desse serviço, primeiro na altura as denuncias anónimas que a PIDE violava alguma da nossa correspondência e para confirmara a falta de segurança o desaparecimento quando foi enviado via S.P.M. para revelar o rolo de fotografias entre outras fotos de muito interesse pessoal e histórico o nosso desembarque para a operação tridente no lodo do rio cagopére alguns militares quando submergiam no lodo movediço a serem puxados por uma corda para um bote de borracha senão fosse aquela corda e o bote estavam condenados a uma morte trágica.
Um abraço.

Anónimo disse...



Amigo José Colaço, gostaria de te ter conhecido e ter estado contigo nesse tempo. Talvez me desses a provar essas guloseimas que eu sempre apreciei tanto. A amizade é intemporal.
Um abraço.
Francisco Baptista

Fialho disse...

Esta nossa geração não foi uma geração qualquer mas sim uma GRANDE geração Abraços