quarta-feira, 14 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17468: Historiografia da presença portuguesa em África (79): Carta da Guiné com o itinerário da viagem do subsecretário de Estado das Colónias em fevereiro de 1947 e obras do V Centenário

Viagem ministerial  e Obras do V Centenário do Descobrimento da Guiné.
Composição e desenho de A. T. Mota [1947]





Carta da Guiné (, elaborada por 2º tenente Teixeira da Mota, ) com o itinerário percorrido (linha a cheio com setas) pelo subsecretário de Estado das Colónias, em fevereiro de 1947, e que já levava 9 anos no cargo, com indicação das obras construídas no âmbito do V Centenário do Descobrimento da Guiné:  a sublinhado (linha horizontal por baixo do símbolo), as que as que foram iniciadas pelo subsecretário de Estado ou que já estavam em construção nessa data (fevereiro de 1947). Grande parte parte destas obras foram inauguradas ou visitadas pelo representante do Governo da metrópole nesta "histórica" visita.

Fonte: Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, vol II - Número Especial, [Comemorativo do V Centenário da Descoberta da Guiné], 1947, 454-455 pp. [O nº completo está disponível "on line" aqui]


1. Esta curiosa (e preciosa) carta da Guiné foi-nos enviada em 1/6/2017 pelo nosso amigo Armando Tavares da Silva, autor de “A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar (1878-1926)” (Porto: Caminhos Romanos, 2016, 972 pp.). 

Ele fez questão de frisar que a fonte da  documentação fotográfica, que nos mandou (incluindo esta carta), é o número especial de outubro de 1947 do "Boletim Cultural da Guiné Portuguesa" (BCGP). As imagens foram, no entanto,  tiradas de uma cópia pessoal do BCGP e digitalizadas por ele.  Pela nossa parte, editores, fizemos a ampliação da carta (que consta das pp. 454-455 desse nº especial do BCGP) e recortámo-la em quatro quadrantes, grosso modo, correspondentes às principais regiões:

(i) norte-oeste: região do Cacheu e região do Oio;

(ii) sul-oeste: regiões de Bissau, Bolama/Bijagós, Quínara e Tombali;

(iii) norte-leste: regiões de Bafatá e Gabu;

(iv) sul-leste: regiões do Boé e Tombali.

Um quinto recorte dá-nos uma ideia mais detalhada da região de Bissau (centro da Guiné). No sexto recorte, podem ver-se as legendas.

Pelo itinerário da "viagem ministerial" (sic), verificamos que, por exemplo, no leste, o subsecretário de Estado das Colónias, engº Rui Sá Carneiro, acompanhado do governador Sarmento Rodrigues e comitiva, visitou apenas o eixo Bambadinca-Bafatá-Gabu. A visita, de carro, estava condicionada pela fraca rede rodoviária da colónia... De Gabu para o nordeste (Piche, Buruntuma, Canquelifá,
Pirada), só se devia ir por picada... Por sua vez, a região do Boé era praticamente desértica...

Em matéria de "estradas" (símbolo //), só havia em rigor alguns troços:

(i) Varela-Susana-São-Domingos-Sedengal-Barro;

(ii) Bissau-Nhacra-Jugudul:

(iii) Bissau-Bor-Prabis;

(iv) Bissau-Quinhamel;

(v) Bafatá-Gabú;

(vi) Bambadinca -Xitole;

(vii) Fulacunda-Buba



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Ponte General Craveiro Lopes > Novembro de 2000 > Lápide, em bronze, evocativa da "visita, durante a construção" do então Chefe do Estado Português, general Francisco Higino Craveiro Lopes, acompanhado do Ministro do Ultramar, capitão de mar e guerra Sarmento Rodrigues, em 8 de Maio de 1955. Era Governador Geral da Província Portuguesa da Guiné (tinha deixado de ser colónia em 1951, tal como os outros territórios ultramarinos...) o capitão de fragata Diogo de Melo e Alvim.

Foto: © Albano Costa (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


No rio Corubal ainda não existia, em 1947, a ponte do Saltinho (general Craveiro Lopes, inaugurada em 1956), impossibilitando portanto a ligação do leste às regiões de Quínara e de Tombali... Na margem direita  do Rio Corubal, a comitiva só vai chegar até ao Xitole (em 7 de fevereiro de 1947)... A ponte marechal Carmona tinha, entretanto, colapsado logo a seguir à sua construção em 1937...

2. Relativamente às obras, não as construídas,  mas as iniciadas ou em fase de construção (símbolos com sublinhado, com traço horizontal), no âmbito do Centenário,  ao tempo do Subsecretário de Estado das Colónias (que tomara posse do cargo em 1938), pode constar-se, por exemplo, que:

(i) em Bafatá, sede de circunscrição,  as obras do Centenário iniciadas ou em fase de construção eram um monumento (a Oliveira Muzanty), um edifício público, um celeiro, o sistema de abastecimento de água e o hospital; em contrapartida, estava já construído o cais do porto fluvial, o bairro indígena e o matadouro;

(ii) em Gabu, também sede de circunscrição,  tinha-se iniciado a construção ou estava em construção a igreja/capela, a energia elétrica e um bairro indígena; pronta, só estava a fonte;

(iii) em Bambadinca e no Xitole, postos administrativos, montava-se  o telefone; prontos só estavam a escola (em Bambadinca) e o posto sanitário provisório (em Bambadinca e no Xitole).

Dá para perceber quais eram as localidades mais importantes do leste ("chão fula") nessa época; além das já citadas, temos Chime (ou Xime), Fá, Geba, Dandum, Contuboel (posto administrativo), Sonaco (posto administrativo), Pirada (posto administrativo), Cam Quelefá (ou Canquelifá), Buruntuma, Piche (posto administrativo),  Madina (Boé)... E ainda Sinchã Tom Bom, sede do regulado de Chanha...).

Ficamos também a saber que, em matéria de equipamentos sociais (escola, enfermaria, hospital, posto sanitário, fontanário, etc.) o interior da Guiné era ainda muito pobre... e o programa de obras públicas do Estado Novo concentrava-se sobretudo em Bissau, a nova capital (a partir de 1941, em substituição de Bolama, que entra em decadência). Em Bissau, as obras do Centenário incluíam: monumentos (2), campos desportivos (2), igreja (1),  além de comunicações telefónicas, abastecimento de água, hospital, maternidade, posto sanitário, edifícios públicos, cais portuário, campo de aviação (Bissalanca)...

Além de Bissau, a capital, Bafatá e Gabu (mo leste), as sedes de circunscrição eram: 

São Domingos e Canchungo (região do Cacheu);
Farim e Mansoa (região do Oio); 
Fulacunda (região de Quínara);
Bolama (região de Bolama/Bijagós);
Catió (região de Tombali).

Não sabemos se nesta altura já havia as atuais regiões (ou as regiões do nosso tempo). 

Todas estas sedes de circunscrição foram contempladas pela "visita ministerial", bem como a maior parte dos respetivos postos administrativos... Ficaram de fora, por exemplo, no leste, Contuboel, Sonaco, Pirada e Piche... 

Em contrapartida, nas regiões de Quínara e de Tombali, o subsecretário de Estado das Colónias visitou (ou passou por) Catió, Bedanda, Guileje, Balanazinha, Balana, Mampatá, Teroiel e Missirá, vindo de (e regressando a) Bissau, por Enxudé, Tite, Fulacunda e Buba... Ficou de fora, por exemplo, Empada e Cacine,  que eram postos administrativos...

Verificamos, por este valioso documento, que alguns dos topónimos da Guiné ainda estavam por fixar em 1947: caso de Chime (hoje, Xime), Chitole (hoje, Xitole), Canchungo (, mais tarde, Teixeira Pinto), Dandum (, mais tarde, Dando), Gabú (mais tarde, Nova Lamego), Cam Quelefá (hoje, Canquelifá), Begene (hoje, Bigene), Ingtorei (hoje, Ingoré)... (Comparar com carta da província de 1961.)


4 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17318: Historiografia da presença portuguesa em África (75): Subsecretário de Estado das Colónias em visita triunfal à Guiné, de 27/1 a 24/2/1947 - Parte IV: No chão fula, Bafatá e Gabu, 6 de fevereiro de 1947...

26 de abril de 2017 > Guiné 61/74 - P17287: Historiografia da presença portuguesa em África (74): Subsecretário de Estado das Colónias em visita triunfal à Guiné, de 27/1 a 24/2/1947 - Parte III: Por Cacheu, São Domingos e Farim, a 2, 3 e 4 de fevereiro de 1947... No tempo que ainda era politicamente correto falar-se em colónias, raças, população indígena, colonos europeu... e felupes que "nasceram e querem morrer portugueses", setenta anos depois do "desastre de Bolor"

9 de abril de 2017 > Guiné 61/74 - P17224: Historiografia da presença portuguesa em África (73): Subsecretário de Estado das Colónias em visita triunfal à Guiné, de 27/1 a 24/2/1947 - Parte II: Prosseguem as inaugurações, em 29 e 30 de janeiro... Nessa época havia uma linha área, a Linha Imperial, entre Lisboa e Lourenço

19 de março de 2017 > Guiné 61/74 - P17155: Historiografia da presença portuguesa em África (72): Subsecretário de Estado das Colónias em visita triunfal à Guiné, de 27/1 a 24/2/1947 - Parte I: A consagração do governador geral, o comandante Sarmento Rodrigues, como homem reformador e empreendedor (Reportagem de Norberto Lopes, "Diário de Lisboa", 27/1/1947)

1 comentário:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Deu-me "gozo" explorar est carta do 2º tenente Teixeira da Mota que amava a Guiné como ninguém...

Com ela, fiz uma viagem do tempo e, de repente, lembrei-me que estava a acabar de nascer, em 29 de janeiro de 1947... E daqui a 22 anos, em 29 de maio de 1969, lá estou eu a chegar a Bissau, no T/T "Niassa"... Tinha largado de Lisboa a 24... Desembarco no porto, num cais acostável, ao lado do Pigiguiti... E não tenho ninguém à minha espera... O engº Rui (naquele tempo escrevia-se Ruy com i grego, era mais fino e aristocrático) Sá Carneiro teve milhares de pessoas a aclamá-lo, à sua chegada, entre funcionalismo público, comerciantes, colonos e índigens (sic)... Mas o navio fica o largo, no estuário do Geba, ainda o cais acostável de Bissau está para ser construído....

Rui Sá Carneiro, o representante do homem forte de Portugal, que era Salazar, não foi de barco, Geba acima, até ao Chime... Mas eu fui, de LDG, até ao Xime, em 2 de junho de 1969. E daí até Bambadinca, de camião, numa picada "medonha"... De Bambadinca até Bafatá apanhei uma "autoestrada", a única de alcatrão que conheci em toda a Guiné no meu tempo... E lá fui até Contuboel que o senhor engenheiro também não visitara, 22 anos antes... Depois voltarei a Bambadinca, o setor L1 onde fiz a guerra com os meus camaradas da CCAÇ 12 (metropolitanos e guineenses)... E aí vou conhecer o antigo Chitole (ou Xitole, no meu tempo), o Saltinho e a sua ponte general Craveiro Lopes e outros "pontos pitorescos" da nossa amada Guiné...

Mais tarde, em março de 2008, irei conhecer a mítica região de Tombali, passando pela ponte do Saltinho aonde o subscretário de Estado das Colónias não chegou a ir em fevereiro de 1947... Como não foi a Cacine... Enfim, também fiz a viagem de regresso a Bissau, passando por Mato Cão, Jugudul, Mansoa e Nhacra...

Dizem que recordar é viver duas vezes... LG