Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quarta-feira, 21 de junho de 2017
Guiné 61/74 - P17497: Os nossos seres, saberes e lazeres (218): São Miguel: vai para cinquenta anos, deu-se-me o achamento (7) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 8 de Março de 2017:
Queridos amigos,
Sugiro, a quem pretenda fazer comparações entre o presente e quatro ou décadas atrás que visite museus. Na minha infância, o Museu Nacional de Arte Antiga era mal iluminado, a exposição daqueles objetos artísticos, a coisa mais desgraciosa que imaginar se pode, posso testemunhar que vi a baixela de D. João V bem suja. Hoje é um espaço atrativo, um primor para a museologia e museografia. O mesmo acontece com o Museu Carlos Machado, em Ponta Delgada, que fui visitar, pude constatar o alto profissionalismo que por ali vai, a dedicação e o carinho na conservação e restauro.
Se passarem por Ponta Delgada, este museu é paragem obrigatória.
Um abraço do
Mário
São Miguel: vai para cinquenta anos, deu-se-me o achamento (7)
Beja Santos
Aqui há uns dias fui ao Museu Nacional de Arte Antiga visitar a exposição “Lisboa, capital global”, mais um empreendimento de grande categoria museológica e museográfica. Aproveitei para visitar o museu do terceiro andar até à capela, onde se conservam belíssimos presépios. Em criança, este importantíssimo museu revelava-se-me soturno, havia humidades e a exposição dos objetos era tristonha, lembro-me da minha mãe me estar a falar da famosíssima baixela de D. João V e de eu lhe ter perguntado porque é que toda aquela prataria estava suja… Ora quando visitei pela primeira vez o Museu Carlos Machado, em 1967, tive uma imagem mais lisonjeira, mas por razões que desconheço os objetos postos não tinha nada a ver com o deslumbramento desta visita, 50 anos depois. Houve para aqui obras de vulto, consta que havia muita madeira cheia de bicho, o que interessa é que a disposição e a organização das salas permite admirar um património magnífico. O Museu Carlos Machado está instalado no antigo Convento de Santo André, também foi liceu, Carlos Machado ergueu e organizou os primeiríssimos recheios, o património tem crescido, a conservação e o restauro são magníficos. Que belo museu!
O património é variadíssimo, como disse, eu peço desculpa por não me entusiasmar com aves empalhadas nem com os segredos oceanográficos, nada desdenho, e sei muito bem que o museu acolhe visitantes que vêm propositadamente deliciar-se com pássaros e peixes deste recanto oceânico, para diante de uma bela azulejaria, vi a cadeira da última abadessa, e subi ao coro alto, nunca aqui tinha estado.
Recordo-me, quando chegou a hora daquela onda extremista que deu pelo nome da FLA, li um panfleto falando da identidade açoriana, toda ela singular. Os demagogos não tiveram seguidores. Por razões compreensíveis, basta olhar esta arte que está dispersa por todo o território português e perceber que a coesão nacional é dada pela língua, pelos valores imateriais e espirituais em horizontalidade, pela cultura e vetores de civilização. O que se chama açorianidade, que Vitorino Nemésio tão bem definiu, tem a ver com a imensidão do mar à volta, o ter os pés assentes em massa vulcânica, em amassar o caráter no isolamento e valorizar a solidão. Gosto dos escritos açorianos, quando leio José Martins Garcia ou Cristóvão de Aguiar sinto a alma do ilhéu, que perpassa, mais tenuemente na obra de Natália Correia, mas também o continente tem os seus castiços, como os do Douro ou os da planície alentejana e o mundo da raia, os saborosos acentos do mirandês e do barranquenho. Por isso respiro aqui os vigores destes modos de vida e exulto o que a natureza oferece, no seu mistério, na sua graciosidade, no seu aprazimento. A visita ao museu prossegue, também eu estou em aprazimento.
Nem todas as salas deste magnífico museu estão abertas ao público, vinha à espera da rever os belíssimos registos dedicados ao Senhor Santo Cristo dos Milagres, de um deles adquiri através de uma artífice de gabarito, Graça Páscoa, a réplica de um deles que tenho no meu escritório. E há os artistas açorianos contemporâneos que não pude ver, fica para a próxima, já tive a minha dose do escultor Canto da Maia, não vou mal guarnecido. Desço ao rés-do-chão para colher umas imagens surpreendentes.
Quando se lê Camilo Castelo Branco aparece muitas vezes a roda, era aqui que se largavam as crianças de pai incógnito ou de casais na penúria, nalguns casos ficava a identificação, noutros nem tanto. Um símbolo do que era a assistência conventual e como se praticava a compaixão. Espero que os meus leitores tenham ficado bem impressionados com o museu Carlos Machado. A visita está praticamente no fim, ainda tenho jardins em agenda e depois um passeio até à Lagoa do Fogo.
Eu conto já a seguir.
(Continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 14 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17469: Os nossos seres, saberes e lazeres (217): São Miguel: vai para cinquenta anos, deu-se-me o achamento (6) (Mário Beja Santos)
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