domingo, 4 de novembro de 2018

Guiné 61/74 - P19165: Blogpoesia (593): "Bateria", "Poesia da Poesia" e "Tempo dos ardinas", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) estes belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros, durante a semana, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


Bateria

Bem matraca a bateria, só, contra aquele bando encantador de violinos de cordas tensas.
Destoa tanto da melodia.
Nada a ver.
Não tem voz.
Se sente a mais.
Apenas rufa.
Thrunthun... Thrruntun...
Thum e Thum...
Só metralha, sem tom nem cor.
Nem mais nem menos.
Tem paletó, com paus nas mãos,
o seu autor.
Se sente importante.
É um senhor.
Bater pancadas,
O seu papel.
Thrrun thunn thun...
Refreia a orquestra.
Marca-lhe o ritmo,
Com pundonor.
Tem jus às palmas
Como os demais...

Berlim, 28 de Outubro de2018
10h15m
Jlmg

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Poesia da Poesia

Escrever poesia sobre a poesia é abrir o coração para ouvir o que vai na alma.
Falar da alegria que o inunda e da tristeza que o aflige.
Espalhar a paz se nele ela reinar.
Saborear a harmonia da temperança e equilíbrio.
Regar o jardim da consciência com o bálsamo das virtudes.
Colorir o céu com as cores do arco-íris.
Aliviar as dores de quem sofre, por amor ou injustiça.
Tratar as feridas que o mal deixou.
Ouvir quem vem para desabafar.
Repartir do que há mesmo que que não de para sobrar.
Saber calar até que a verdade acabe por falar.
Esperar em paz até que chegue tarde a boa hora.

Berlim, 30 de Outubro de 2018
9h1m
Jlmg

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Tempo dos ardinas

No tempo dos ardinas pelas ruas de Lisboa.
Um saco cheio de jornais.
Na cabeça um boné surrado, à banda.
Olhos piscos e uma pisca na boca,
À janela.
Primeiro os fregueses certos, nem vinham à janela.
Com uma mão certeira, o jornal voava para a varanda.
Os pregões na voz cavernosa do cigarro.
- Olha o Século!
- Olha o Notícias!
- Olha O Diabo!
- A Capital!...
Dava a volta ao bairro, até acabar.
Jardim da Parada.
Jardim da Estrela.
Pelas manhãs.
Iam cheios os eléctricos.
O 28. Dos Prazeres à Baixa e ao Castelo,
Num vai-e-vem sem fim.
Inverno e Verão.
Era assim, a Lisboa em paz.
Bem conheci.
Lisboa das floristas e das castanhas,
À venda pelos passeios.
Lisboa alegre dos jardins
E das varandas abertas sobre o Tejo.
Almada longe.
O Cristo-Rei.
Havia fado pelas vielas.
E badaladas nas igrejas espalhadas pelas colinas.
Voavam felizes em liberdade as pombas
Pelas praças.
Bebiam água fresca nos chafarizes.
E os sinaleiros empertigados em tamboretes,
marcavam ritmo ao trânsito sem pistola. Só apitos.
Tudo corria bem na velha Lisboa alegre dos ardinas...

ouvindo Carlos Paredes - Divertimento
Berlim, 3 de Novembro de 2018
10h6m Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 1 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19156: Blogpoesia (592): "1 de Novembro", da autoria de Joaquim Luís Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

1 comentário:

Valdemar Silva disse...

'Com uma mão certeira, o jornal voava para a varanda'

Lembro perfeitamente, e até havia problemas com a polícia quando apregoavam:
- Olha o Lisboa, Capital, República, Popular.

Valdemar Queiroz