Contuboel, c. junho / julho de 1969... Furriel Henriques, CCAÇ 2590/CCAÇ 12. Foto: Luis Graça |
A galeria dos meus heróis >
Fatumata, a gazela furtiva de Sare Ganá
Lembras-te de atravessar a ponte nova, uma bela ponte em betão sobre o rio Geba Estreito… Ponte Salazar, que o homem grande de Lisboa ainda era vivo… Mas já ninguém queria saber dele nem do seu nome. O novo homem grande era o Marcello (com dois ll) Caetano, cujo nome os teus soldados eram simplesmente incapazes de pronunciar e muito menos de soletrar: não falavam português, com exceção do Suleimane (que gostava de ser o teu intérprete, guarda-costas, secretário e cozinheiro).
Levavas uma secção, 11 militares contigo, guineenses, incluindo um operador de transmissões, metropolitano. Em pleno agosto, no tempo das chuvas. Sare Ganá, no subsector de Geba, a noroeste de Bafatá. Apanhas nos teus papéis, ou no que resta deles, num caderno escolar, roído pela traça, as seguintes notas do teu diário de 1969:
“Sare Ganá. A última das tabancas do regulado de Joladu, no subsector de Geba. Estive aqui destacado duas semanas, em reforço ao sistema de autodefesa... O que não é irónico, porque a população é fula, está ao lado dos tugas, seus antigos inimigos e agora aliados".
A mais de 4500 quilómetro de distância, de Lisboa… Será que Sare Ganá ainda existe ou alguma vez existiu ?
"Armadilhada entre as duas fiadas de arame farpado e guarnecida por um pelotão de milícia (o PM nº 109, da Companhia de Milícias nº 3) e grupos civis de autodefesa, Sare Ganá é uma espécie de aldeia estratégica. Aqui termina a nossa soberania territorial, a norte do Rio Geba e começa a zona de intervenção do Com-Chefe que inclui, entre outras, as regiões de Mansomine, Caresse e Óio”.
E acrescentavas:
"É aqui que vive o régulo, uma solitária figura de aristocrata fula, de elevada estatura. A sua cabeça destaca-se acima da cabeça dos demais. Presumo que seja futa-fula. Não fixei o seu nome. Todos os seus súbditos, mandingas, balantas e manjacos, que viviam em Joladu, 'foram no mato' (leia-se: aderiram à guerrilha ou fugiram das NT). Hoje o seu regulado está circunscrito ao perímetro de Sare Ganá e a mais duas ou três tabancas: Sinchã Sutu, Sare Banda"...
“Um ano depois eu aqui estou, periquito, de 5 a 17 de agosto [de 1969], integrado no 4º Gr Comb da CCAÇ 12 que foi reforçar o Sector L2 (Bafatá), sendo destacada uma secção para Sare Ganá e duas para Sare Banda (subsector de Geba).
“Dias antes [da nossa chegada a Sare Ganá]k o IN fizera um ataque malogrado à tabanca em autodefesa de Sinchã Sutu. Agora, por causa de um possível ataque da guerrilha, é proibido, à noite, fazer lume ou foguear na tabanca de Sare Ganá.
“Aqui come-se cedo e deita-se cedo. Ficam os vampiros dos mosquitos. Por sorte, não apreciam lá muito o meu sangue. Deve-lhes saber a uísque.”
E mais à frente escreveste, no teu diário, a 15 de agosto de 1969:
“Destacado ou desterrado ? O que farei eu com uma seção de combate, uma bazuca, um morteiro 60, dez G-3 e um rádio se isto der para o torto ? Depois do ataque malogrado à tabanca próxima, Sinchã Sutu, a população fula anda inquieta... Sinto-me como os bombeiros, atrás da ameaça de fogo-posto, mas ainda não fiz sequer o meu batismo de fogo, contrariamente à maior parte da companhia, que teve os seus primeiros feridos graves em Madina Xaquili, há menos de 3 semanas."
© Luís Graça (2006). Revisto: 24 de junho de 2023.
(*) Último poste da série > 11 de maio de 2019 > Guiné 61/74: P19775: A galeria dos meus heróis (30): Depressa, tuga, dá-me o tiro de misericórdia!... E que o teu deus te pague!... (Luís Graça)
(**) Vd. poste de 25 de junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6642: A minha CCAÇ 12 (4): Contuboel, Maio/Junho de 1969... ou Capri, c'est fini (Luís Graça)
O que eu observo, sob o frondoso e secular poilão da tabanca, é uma típica cena rural: (i) as mulheres que regressam dos trabalhos agrícolas; (ii) as mulheres, sempre elas, que acendem o lume e cozem o arroz; (iii) as crianças, aparentemente saudáveis e divertidas, a chafurdar na água das fontes; (iv) os homens grandes, sempre eles, a tagarelar uns com os outros sentados no bentém, mascando nozes de cola…
Em suma, um fim de tarde calma numa tabanca fula de Contuboel que daria, em Lisboa, uma boa aguarela, para exposição no Palácio Foz, no Secretariado Nacional de Informação (SNI). E, no entanto, o seu destino, o destino destes homens, mulheres e crianças fulas, já há muito que está traçado: em breve a guerra, e com ela a morte e a desolação, chegará até estas aldeias de pastores e agricultores, caçadores e pescadores, músicos e artesãos, místicos e guerreiros…
O chão fula vai resistindo, mal, ao cerco da guerrilha. De Piche a Bambadinca ou de Galomaro a Geba, os fulas estão cercados. Mas por enquanto, Bafatá, Contuboel ou Sonaco ainda são sítios por onde os tugas podem andar, à civil, desarmados, como se fossem turistas em férias! (...).
por Luís Graça
Não, hoje já não saberias lá chegar. Foste de Bambadinca até Bafatá e aí cortaste para a vila de Geba, a outrora praça forte e presídio de Geba, agora em decadência, ofuscada pelo progresso e a beleza de Bafatá, a "princesa do Geba", como lhe chamavam os colonos brancos… (*)
Lembras-te de atravessar a ponte nova, uma bela ponte em betão sobre o rio Geba Estreito… Ponte Salazar, que o homem grande de Lisboa ainda era vivo… Mas já ninguém queria saber dele nem do seu nome. O novo homem grande era o Marcello (com dois ll) Caetano, cujo nome os teus soldados eram simplesmente incapazes de pronunciar e muito menos de soletrar: não falavam português, com exceção do Suleimane (que gostava de ser o teu intérprete, guarda-costas, secretário e cozinheiro).
Levavas uma secção, 11 militares contigo, guineenses, incluindo um operador de transmissões, metropolitano. Em pleno agosto, no tempo das chuvas. Sare Ganá, no subsector de Geba, a noroeste de Bafatá. Apanhas nos teus papéis, ou no que resta deles, num caderno escolar, roído pela traça, as seguintes notas do teu diário de 1969:
“Sare Ganá. A última das tabancas do regulado de Joladu, no subsector de Geba. Estive aqui destacado duas semanas, em reforço ao sistema de autodefesa... O que não é irónico, porque a população é fula, está ao lado dos tugas, seus antigos inimigos e agora aliados".
A mais de 4500 quilómetro de distância, de Lisboa… Será que Sare Ganá ainda existe ou alguma vez existiu ?
"Armadilhada entre as duas fiadas de arame farpado e guarnecida por um pelotão de milícia (o PM nº 109, da Companhia de Milícias nº 3) e grupos civis de autodefesa, Sare Ganá é uma espécie de aldeia estratégica. Aqui termina a nossa soberania territorial, a norte do Rio Geba e começa a zona de intervenção do Com-Chefe que inclui, entre outras, as regiões de Mansomine, Caresse e Óio”.
E acrescentavas:
"É aqui que vive o régulo, uma solitária figura de aristocrata fula, de elevada estatura. A sua cabeça destaca-se acima da cabeça dos demais. Presumo que seja futa-fula. Não fixei o seu nome. Todos os seus súbditos, mandingas, balantas e manjacos, que viviam em Joladu, 'foram no mato' (leia-se: aderiram à guerrilha ou fugiram das NT). Hoje o seu regulado está circunscrito ao perímetro de Sare Ganá e a mais duas ou três tabancas: Sinchã Sutu, Sare Banda"...
Guiné > Carta de Bambadinca (1955) > Escala de 1/50 mil > Posição relativa de Sinchã Jobel (IN) e de aquartelamentos, destacamentos e tabancas em autodefesa (NT): a sul, Missirá e Fá Mandinga; a leste, Geba, Sare Ganá, Sinchã Sutu... Pelo meio o rio Geba Estreito...Sare Banda ficava mais a norte (vd. carta de Banjara).
Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2019)
Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2019)
Tinhas chegado a 18 de julho de 1969, a Bambadinca, vindo de Contuboel, do Centro de Instrução Militar de Contuboel, um oásis de paz (**), e a tua CCAÇ 2590 (mais tarde CCAÇ 12) era agora uma companhia de intervenção ao serviço do comando do BCAÇ 2852... Como dizias com sarcasmo, eras um preto de 1ª e os teus soldados pretos de 2ª.
"Quase todos os dias ouvíamos os Fiat G-91 bombardearem Sinchã Jobel, uma base da guerrilha a 10 km a norte, e que é inacessível no tempo das chuvas devido às bolanhas e lalas que a rodeiam”.
“Até Farim é tudo terra para queimar”, diziam-te os milícias locais. “Nenhuma tropa apeada, ao que parece, se atreve a penetrar neste santuário do IN. Fala-se aqui da ‘mata do Óio’, como um misto de temor e de terror, domínio do sagrado e da morte”…
"Quase todos os dias ouvíamos os Fiat G-91 bombardearem Sinchã Jobel, uma base da guerrilha a 10 km a norte, e que é inacessível no tempo das chuvas devido às bolanhas e lalas que a rodeiam”.
“Até Farim é tudo terra para queimar”, diziam-te os milícias locais. “Nenhuma tropa apeada, ao que parece, se atreve a penetrar neste santuário do IN. Fala-se aqui da ‘mata do Óio’, como um misto de temor e de terror, domínio do sagrado e da morte”…
Ainda estava na memória da população o ataque de há um ano atrás, em 12 de agosto de 1968, ao tempo da CART 1690: à meia noite em ponto, um grupo IN estimado em cerca de 60 elementos, ou seja um bigrupo reforçado, vindo de Sinchã Jobel, tinha atacado Sare Ganá.
“Um ataque medonho”, segundo o testemunho de alguns milícias com quem falaste, com o Suleimane a servir de intérprete. O ataque iniciou-se por tiros de morteiro (82 e 60), lança-granadas-foguete (RPG) e metralhadoras, com uso de granadas incendiárias. O IN conseguiu alcançar o arame farpado do lado Norte, penetrando na tabanca por este lado e pelo lado Sul. Uma falha de segurança, no perímetro de arame farpado, mesmo armadilhado, terá permitido a passagem de uns alguns atacantes, empunhando armas ligeiras automáticas. Algumas moranças começaram logo a arder.
A reação das NT não se fez esperar: os valentes milícias fulas, uns a partir dos abrigos, outros dispersos pela tabanca, reagiram pelo fogo, aguentando o ímpeto inicial do ataque e dificultando o mais que puderam a infiltração dos guerrilheiros. Grande parte da população, os homens, estava armada e colaborou na defesa da tabanca. Mas depressa se esgotaram as munições, obrigando a milícia a recuar. A disciplina de fogo nunca foi apanágio do guineense, quer empunhasse uma G3 quer manejasse uma Kalash.
Em Geba, sede da CART 1690, a escassa meia-dúzia de quilómetros, logo que se ouviram os primeiros rebentamentos, saiu um piquete de socorrro, num viatura: meio pelotão, enquadrado por um alferes e um furriel. Nas proximidades de Sare Ganá, cerca de meia hora de depois, o grupo subdividiu-se em dois ou três, aproximando-se, a pé, da tabanca, com a intenção de procurar surpreender as forças atacantes.
Ao mesmo tempo que apoiavam a retirada da população, as forças da CART 1690 iam abrindo caminho, morança a morança, à força de bazucadas e curtas rajadas de G3. Gente brava!...
Às tantas, o IN, surpreendido pelo contra-ataque, lançou um “very light” e iniciou a sua retirada, arrastando consigo as baixas que sofrera e carregando o respetivo material. Devido à escassez de efetivos e à escuridão da noite, a perseguição encetada pelas NT não terá ido além da orla da mata próxima.
Uma hora depois do ataque chegou uma coluna de socorro, em viaturas, oriunda de Bafatá, composta por cerca de dois pelotões reforçados, da CCS/BCAV 1904, do EREC 2350, e do Pel Caç Nat 64. Normalizada a situação, as forças de Bafatá, com exceção do Pel Caç Nat 64, regressaram com os feridos mais graves da milícia e da população local. Foi montada segurança à tabanca nessa noite e dias seguintes.
Apurou-se então que o IN terá tido 5 mortos e outras baixas prováveis. De entre o material capturado, contaram-se duas armas ligeiras, uma metralhadora Dectyarev, com bipé, uma pistola metralhadora Sudayev PPS-43, uma das lendárias armas ligeiras da II Guerra Mundial (além de uma fita de metralhadora com 85 cartuchos e 2 granadas de mão ofensivas). Do lado dos defensiores, soube-se que tinha havido baixas entre a milícia e a população local. Parte da tabanca teve que ser reconstruída.
“Um ataque medonho”, segundo o testemunho de alguns milícias com quem falaste, com o Suleimane a servir de intérprete. O ataque iniciou-se por tiros de morteiro (82 e 60), lança-granadas-foguete (RPG) e metralhadoras, com uso de granadas incendiárias. O IN conseguiu alcançar o arame farpado do lado Norte, penetrando na tabanca por este lado e pelo lado Sul. Uma falha de segurança, no perímetro de arame farpado, mesmo armadilhado, terá permitido a passagem de uns alguns atacantes, empunhando armas ligeiras automáticas. Algumas moranças começaram logo a arder.
A reação das NT não se fez esperar: os valentes milícias fulas, uns a partir dos abrigos, outros dispersos pela tabanca, reagiram pelo fogo, aguentando o ímpeto inicial do ataque e dificultando o mais que puderam a infiltração dos guerrilheiros. Grande parte da população, os homens, estava armada e colaborou na defesa da tabanca. Mas depressa se esgotaram as munições, obrigando a milícia a recuar. A disciplina de fogo nunca foi apanágio do guineense, quer empunhasse uma G3 quer manejasse uma Kalash.
Em Geba, sede da CART 1690, a escassa meia-dúzia de quilómetros, logo que se ouviram os primeiros rebentamentos, saiu um piquete de socorrro, num viatura: meio pelotão, enquadrado por um alferes e um furriel. Nas proximidades de Sare Ganá, cerca de meia hora de depois, o grupo subdividiu-se em dois ou três, aproximando-se, a pé, da tabanca, com a intenção de procurar surpreender as forças atacantes.
Ao mesmo tempo que apoiavam a retirada da população, as forças da CART 1690 iam abrindo caminho, morança a morança, à força de bazucadas e curtas rajadas de G3. Gente brava!...
Às tantas, o IN, surpreendido pelo contra-ataque, lançou um “very light” e iniciou a sua retirada, arrastando consigo as baixas que sofrera e carregando o respetivo material. Devido à escassez de efetivos e à escuridão da noite, a perseguição encetada pelas NT não terá ido além da orla da mata próxima.
Uma hora depois do ataque chegou uma coluna de socorro, em viaturas, oriunda de Bafatá, composta por cerca de dois pelotões reforçados, da CCS/BCAV 1904, do EREC 2350, e do Pel Caç Nat 64. Normalizada a situação, as forças de Bafatá, com exceção do Pel Caç Nat 64, regressaram com os feridos mais graves da milícia e da população local. Foi montada segurança à tabanca nessa noite e dias seguintes.
Apurou-se então que o IN terá tido 5 mortos e outras baixas prováveis. De entre o material capturado, contaram-se duas armas ligeiras, uma metralhadora Dectyarev, com bipé, uma pistola metralhadora Sudayev PPS-43, uma das lendárias armas ligeiras da II Guerra Mundial (além de uma fita de metralhadora com 85 cartuchos e 2 granadas de mão ofensivas). Do lado dos defensiores, soube-se que tinha havido baixas entre a milícia e a população local. Parte da tabanca teve que ser reconstruída.
“Um ano depois eu aqui estou, periquito, de 5 a 17 de agosto [de 1969], integrado no 4º Gr Comb da CCAÇ 12 que foi reforçar o Sector L2 (Bafatá), sendo destacada uma secção para Sare Ganá e duas para Sare Banda (subsector de Geba).
“Dias antes [da nossa chegada a Sare Ganá]k o IN fizera um ataque malogrado à tabanca em autodefesa de Sinchã Sutu. Agora, por causa de um possível ataque da guerrilha, é proibido, à noite, fazer lume ou foguear na tabanca de Sare Ganá.
“Aqui come-se cedo e deita-se cedo. Ficam os vampiros dos mosquitos. Por sorte, não apreciam lá muito o meu sangue. Deve-lhes saber a uísque.”
E mais à frente escreveste, no teu diário, a 15 de agosto de 1969:
“Destacado ou desterrado ? O que farei eu com uma seção de combate, uma bazuca, um morteiro 60, dez G-3 e um rádio se isto der para o torto ? Depois do ataque malogrado à tabanca próxima, Sinchã Sutu, a população fula anda inquieta... Sinto-me como os bombeiros, atrás da ameaça de fogo-posto, mas ainda não fiz sequer o meu batismo de fogo, contrariamente à maior parte da companhia, que teve os seus primeiros feridos graves em Madina Xaquili, há menos de 3 semanas."
Perguntas-te sobre o sentido e o alcance da tua missão:
“Limito-me a estar aqui: de manhã, durmo como um porco; às dez ou onze levanto-me, porque o calor dentro da minha palhota é já absolutamente insuportável. Devoro o almoço que o Suleimane entretanto já me preparou. Depois oiço velhas lendas dos tempos em que os cavaleiros do Futa Djalon eram donos e senhores destas terras. Ao fim da tarde dou um giro para fingir que me mantenho operacional.”
(Dormir que nem um porco!... Muito anos mais tarde, já como professor de sociologia e de saúde pública, passaste a fazer teu o sábio conselho do provérbio popular: 'Três horas dorme o santo, quatro o que não é santo, cinco o viajante, seis o estudante, sete o porco e oito o morto'... Foi, afinal, na Guiné que aprendeste que dormir muito fazia mal à saúde...)
E relatas, no teu diário, “uma bravata estúpida, bem típica de um periquito”, feita logo no princípio das tuas andanças por aqui. É uma das tuas duas recordações marcantes da estadia em Sare Ganá, uma má, outra boa:
“Fui sozinho com um milícia local fazer o reconhecimento duma aldeia próxima, abandonada pela população e armadilhada. Talvez Sinchã Famora, a sul, não fixei o nome. O tipo ia à frente com uma varinha feita de caule de capim seco (!), tentando detetar os fios de tropeçar que atravessavam os trilhos da aldeia, de resto já pouco visíveis.
“Limito-me a estar aqui: de manhã, durmo como um porco; às dez ou onze levanto-me, porque o calor dentro da minha palhota é já absolutamente insuportável. Devoro o almoço que o Suleimane entretanto já me preparou. Depois oiço velhas lendas dos tempos em que os cavaleiros do Futa Djalon eram donos e senhores destas terras. Ao fim da tarde dou um giro para fingir que me mantenho operacional.”
(Dormir que nem um porco!... Muito anos mais tarde, já como professor de sociologia e de saúde pública, passaste a fazer teu o sábio conselho do provérbio popular: 'Três horas dorme o santo, quatro o que não é santo, cinco o viajante, seis o estudante, sete o porco e oito o morto'... Foi, afinal, na Guiné que aprendeste que dormir muito fazia mal à saúde...)
E relatas, no teu diário, “uma bravata estúpida, bem típica de um periquito”, feita logo no princípio das tuas andanças por aqui. É uma das tuas duas recordações marcantes da estadia em Sare Ganá, uma má, outra boa:
“Fui sozinho com um milícia local fazer o reconhecimento duma aldeia próxima, abandonada pela população e armadilhada. Talvez Sinchã Famora, a sul, não fixei o nome. O tipo ia à frente com uma varinha feita de caule de capim seco (!), tentando detetar os fios de tropeçar que atravessavam os trilhos da aldeia, de resto já pouco visíveis.
" A meio do percurso, apanho um susto: um antílope, que pastava perto, atravesssou-se-nos no caminho, em plena área supostamente armadilhada. Foi mais do que um susto, apanhei um calafrio: é que na noite anterior, um felino que vinha no encalce dos galináceos domésticos, tinha feito acionar um das armadilhas do perímetro de defesa de Sare Ganá. E de pronto comecei a ouvir, de todos os lados, sucessivas rajadas de G-3... O pessoal, assustadíço, anda mesmo nervoso.”
Ainda hoje te perguntas como é que tu arriscaste a tua vida e a do milícia local, nesta estúpida e inútil aventura de ir “reconhecer” uma aldeia abandonada e armadilhada ?!… Não fazia parte da tua missão!... Foi pura bravata!... Ou talvez quisesses provar a ti mesmo que também eras “um gajo com tomaste", tu que nem sequer eras um atirador de infantaria, nem tinhas, ao certo, nem pelotão nem secção...Eras o "pião das nicas", como te chamava o teu capitão, suprias as faltas de graduados, em todos os pelotões...
A outra recordação marcante foi a da visita à tua morança, da “Fatumata, a gazela furtiva":
“ (…) Ainda não me habituei foi ao ‘black-out’ total, imposto por óbvias razões de segurança: não posso ler nem escrever na minha morança (faz-me falta uma pequena lanterna de pilhas), o que torna ainda mais insuportáveis estas longas noites de Sare Ganá (...).
“Resta-me a companhia silenciosa e furtiva da Fatumata, uma das quatro mulheres do comandante da milícia (presumo pou supeito): logo ao segundo ou terceiro dia, introduziu-se-me, lesta como uma gazela, na palhota onde durmo, junto ao espaldão do morteiro 60. Tapou-me a boca com a mão, esboçou um sorriso cúmplice, puxou o pano de chita até à cintura, virou-se delicadamente de costas e ofereceu-me o seu esguio corpo de ébano, ressumando húmidos odores da floresta!...
“De pé, ligeiramente curvada para a frente, enigmática como uma máscara, lasciva como a serpente bíblica, submissa como uma fêmea de felino!"...
Não te olhou olhos nos olhos, mas tu fizeste questão de a mirar de alto a baixo, de frente:
“Não é bonita, o rosto deve-lhe ter sido marcado pela varíola, quando mais nova... É sensual e ainda jovem, de seios duros mas pequenos. É provável que seja infértil e nunca tenha parido.”
Ainda hoje te perguntas como é que tu arriscaste a tua vida e a do milícia local, nesta estúpida e inútil aventura de ir “reconhecer” uma aldeia abandonada e armadilhada ?!… Não fazia parte da tua missão!... Foi pura bravata!... Ou talvez quisesses provar a ti mesmo que também eras “um gajo com tomaste", tu que nem sequer eras um atirador de infantaria, nem tinhas, ao certo, nem pelotão nem secção...Eras o "pião das nicas", como te chamava o teu capitão, suprias as faltas de graduados, em todos os pelotões...
A outra recordação marcante foi a da visita à tua morança, da “Fatumata, a gazela furtiva":
“ (…) Ainda não me habituei foi ao ‘black-out’ total, imposto por óbvias razões de segurança: não posso ler nem escrever na minha morança (faz-me falta uma pequena lanterna de pilhas), o que torna ainda mais insuportáveis estas longas noites de Sare Ganá (...).
“Resta-me a companhia silenciosa e furtiva da Fatumata, uma das quatro mulheres do comandante da milícia (presumo pou supeito): logo ao segundo ou terceiro dia, introduziu-se-me, lesta como uma gazela, na palhota onde durmo, junto ao espaldão do morteiro 60. Tapou-me a boca com a mão, esboçou um sorriso cúmplice, puxou o pano de chita até à cintura, virou-se delicadamente de costas e ofereceu-me o seu esguio corpo de ébano, ressumando húmidos odores da floresta!...
“De pé, ligeiramente curvada para a frente, enigmática como uma máscara, lasciva como a serpente bíblica, submissa como uma fêmea de felino!"...
Não te olhou olhos nos olhos, mas tu fizeste questão de a mirar de alto a baixo, de frente:
“Não é bonita, o rosto deve-lhe ter sido marcado pela varíola, quando mais nova... É sensual e ainda jovem, de seios duros mas pequenos. É provável que seja infértil e nunca tenha parido.”
Tiveste dificuldade em perceber a sua atitude e em adivinhar-lhe a idade:
“Terá vinte e tal anos, menos de trinta. Tínhamos trocado apenas olhares no primeiro dia, quando cheguei, na linguagem mais universal dos seres humanos” (…)
“E, tal como tinha chegado, partia depois, furtivamente, pela calada da noite, sem dizer uma única palavra em português ou crioulo: a única, de resto, que até agora lhe ouvi, foi uma estranha corruptela do meu apelido.”
Um "affaire” no mato ? “Que palavra tão deslocada aqui no cú do mundo, num país em guerra!”, comentaste tu.
De qualquer modo, este momento foi “celebrado com uma singela troca de roncos: dei-lhe a minha toalha de banho turca, colorida, e fiquei-lhe com a sua pulseira de missangas vermelhas e brancas como recordação das estranhas noites de Sare Ganá.”
Nem sequer te ocorreu "partir patacão" com ela: não querias, de modo algum, estragar a singeleza e até a beleza daquele momento, a partilha de corpos entre um homem e uma mulher que pertenciam a dois mundos opostos...mas tinham em comum a infelicidade do "hic et nunc", do aqui e agora...
Ainda hoje tens dificuldade em entender o significado… socioantropológico desta cena!... Simples atração sexual de um mulher por um estrangeiro ? Simples favores sexuais sem pedir mais nada em troca ? Cumprimento da obrigação feminina de hospitalidade, por ordens expressas do régulo ou do comandante de mílicias que tu mal conheceras ? Ritual de submissão ao representante dos tugas, os "senhores da guerra"? Solidão, despeito, ciúme, não sendo a mais nova das mulheres do comandante de milícias, e muito provavelmente sendo infértil, uma das piores maldições que pode recair sobre a honra de uma mulher em África ?
Este caso não não era virgem, na época, e outros camaradas teus contaram-teestórias semelhantes de partilha de favores sexuais, de iniciativa feminina... em contexto de guerra.
“Terá vinte e tal anos, menos de trinta. Tínhamos trocado apenas olhares no primeiro dia, quando cheguei, na linguagem mais universal dos seres humanos” (…)
“E, tal como tinha chegado, partia depois, furtivamente, pela calada da noite, sem dizer uma única palavra em português ou crioulo: a única, de resto, que até agora lhe ouvi, foi uma estranha corruptela do meu apelido.”
Um "affaire” no mato ? “Que palavra tão deslocada aqui no cú do mundo, num país em guerra!”, comentaste tu.
De qualquer modo, este momento foi “celebrado com uma singela troca de roncos: dei-lhe a minha toalha de banho turca, colorida, e fiquei-lhe com a sua pulseira de missangas vermelhas e brancas como recordação das estranhas noites de Sare Ganá.”
Nem sequer te ocorreu "partir patacão" com ela: não querias, de modo algum, estragar a singeleza e até a beleza daquele momento, a partilha de corpos entre um homem e uma mulher que pertenciam a dois mundos opostos...mas tinham em comum a infelicidade do "hic et nunc", do aqui e agora...
Ainda hoje tens dificuldade em entender o significado… socioantropológico desta cena!... Simples atração sexual de um mulher por um estrangeiro ? Simples favores sexuais sem pedir mais nada em troca ? Cumprimento da obrigação feminina de hospitalidade, por ordens expressas do régulo ou do comandante de mílicias que tu mal conheceras ? Ritual de submissão ao representante dos tugas, os "senhores da guerra"? Solidão, despeito, ciúme, não sendo a mais nova das mulheres do comandante de milícias, e muito provavelmente sendo infértil, uma das piores maldições que pode recair sobre a honra de uma mulher em África ?
Este caso não não era virgem, na época, e outros camaradas teus contaram-teestórias semelhantes de partilha de favores sexuais, de iniciativa feminina... em contexto de guerra.
E concluias a escrita desse dia, no teu diário, antes de regressares a Bambadinca:
“Deveríamos ser, ali, em Sare Ganá, os dois seres mais deslocados e solitários do mundo... Nunca mais a vi, nem cheguei a saber a sua verdadeira estória. Nem sei se ainda voltarei a Sare Gana. Mas a sua imagem de gazela furtiva, essa, não vou tão cedo apagá-la da minha memória."
E, de facto, ainda não a apagaste, cinquenta anos depois...Nem nunca mais voltaste a Sare Ganá.
“Deveríamos ser, ali, em Sare Ganá, os dois seres mais deslocados e solitários do mundo... Nunca mais a vi, nem cheguei a saber a sua verdadeira estória. Nem sei se ainda voltarei a Sare Gana. Mas a sua imagem de gazela furtiva, essa, não vou tão cedo apagá-la da minha memória."
E, de facto, ainda não a apagaste, cinquenta anos depois...Nem nunca mais voltaste a Sare Ganá.
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Notas do editor:
(*) Último poste da série > 11 de maio de 2019 > Guiné 61/74: P19775: A galeria dos meus heróis (30): Depressa, tuga, dá-me o tiro de misericórdia!... E que o teu deus te pague!... (Luís Graça)
(**) Vd. poste de 25 de junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6642: A minha CCAÇ 12 (4): Contuboel, Maio/Junho de 1969... ou Capri, c'est fini (Luís Graça)
(...) Aqui a consciência humana tem a dimensão da tribo, do grupo étnico ou até da aldeia. Uma precária serenidade envolve a azáfama quotidiana destes povos ribeirinhos do Geba que, no meu eurocentrismo de viajante, recém-chegado e distraído, descreveria como felizes, gentis e hospitaleiros.
O que eu observo, sob o frondoso e secular poilão da tabanca, é uma típica cena rural: (i) as mulheres que regressam dos trabalhos agrícolas; (ii) as mulheres, sempre elas, que acendem o lume e cozem o arroz; (iii) as crianças, aparentemente saudáveis e divertidas, a chafurdar na água das fontes; (iv) os homens grandes, sempre eles, a tagarelar uns com os outros sentados no bentém, mascando nozes de cola…
Em suma, um fim de tarde calma numa tabanca fula de Contuboel que daria, em Lisboa, uma boa aguarela, para exposição no Palácio Foz, no Secretariado Nacional de Informação (SNI). E, no entanto, o seu destino, o destino destes homens, mulheres e crianças fulas, já há muito que está traçado: em breve a guerra, e com ela a morte e a desolação, chegará até estas aldeias de pastores e agricultores, caçadores e pescadores, músicos e artesãos, místicos e guerreiros…
O chão fula vai resistindo, mal, ao cerco da guerrilha. De Piche a Bambadinca ou de Galomaro a Geba, os fulas estão cercados. Mas por enquanto, Bafatá, Contuboel ou Sonaco ainda são sítios por onde os tugas podem andar, à civil, desarmados, como se fossem turistas em férias! (...).
16 comentários:
Um texto muito bom! Onde já li isto? "CABRA CEGA"? João Gaspar Carrasqueira?
Abraço,
SdCastro
Se não tiver a ver com o António Alveca de CABRA CEGA aceita as minhas desculpas.
Abraço,
SdCastro
António Sousa de Castro, nosso grã-tabanqueiro nº 2, um histórico do nosso blogue:
O A. Marques Lopes pertencia à CART 1690, com sede no Geba, e conhecia estes sítios todos... Era o seu subsetor. Mas já não estava na Guiné no meu tempo, que eu sou da "geração seguinte" (1969/71)... Já não me recordo qual era a companhia que estava em Geba, na altura em que se passa esta história (verídica) (agosto de 1969)... Nunca mais voltei a Sare Ganá... Mas gostava que o A. Marques Lopes deixasse aqui as suas impressões de Sare Ganá...
Um abraço fraterno do Luís Graça.
Sim, o A. Marques Lopes conheceu bem Sare Ganá:
28 DE MAIO DE 2005
lGuiné 63/74 - P29: "Um ataque a Sare Ganá (1968)"
Este link já não existe, folha em branco.
VT/.
Gostei desta história da Gazela de Sare Ganá.
Há muitos casos destes, elas gostavam de aliciar os graduados e não só.
Teria algumas coisas para contar, mas teriam de ser na linguagem clara de Camões, e não com meias palavras, chocava talvez algumas pessoas - mais pudicas -, das muitas que vêm o blogue.
VT/.
O nosso camarada A. Marques Lopes, coronel (DFA) na situação na reforma, ex-alferes miliciano da CART 1690 (Geba, 1967/68) foi o primeiro de nós da falar de Sinchã Jobel, Sare Ganá, etc. Eis a descrição, retirada da história da unidade, do ataque de 12 de agosto de 1968 a Sare Ganá:
28 DE MAIO DE 2005
Guiné 63/74 - P29: "Um ataque a Sare Ganá (1968)" (A. Marques Lopes)
Sobre pistola metralhadora Sudayev PPH-43 (e não Sundaiev), ver aqui:
https://pt.wikipedia.org/wiki/PPS-43
https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2008/06/guin-6374-p3032-paigc-instruo-tctica-e.html
https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2010/01/guine-6374-p5688-armamento-2-pistolas.html
Virgílio, perguntas-me, "off record", onde acaba a "história" e começa a "estória"... e como é que eu me lembro de tantos pormenores, nomes, topónimos, factos, datas... Esta "história" é rigorosamente verídica, e já a tinha publicado em versão tipo "short story"...
Não, não tenho memória de elefante, apenas memória seletiva... A minha vantagem é a seguinte: (i) tinha um "diário", e nos primeiros meses de Guiné até escrevi bastante; antes de ir para a tropa, fui jornalista na imprensa regional, durante três anos, tinha o hábito, o vício, da escriat: (ii) fui eu que escrevi, bati à máquina e tirei a stencil a história da unidade (CCAÇ 12, maio de 1969/março de 1971); e, por fim, (iii) tenho a visão de conjunto dos quase 20 mil postes publicados no blogue... um património riquíssimo das memórias de cada um de nós...
Infelizmente não tinha como tu máquina fotográfica e muito menos o álbum fabuloso que tu tens... As poucas fotos que tenho, do tempo da Guiné, eram tiradas por camaradas meus...Eram as que mandava para casa, no correio, como "prova de vida"...
Um abraço, aqui de Candoz... Luís
PS - Nunca te arrependas de contar os teus pequenos segredos da Guiné... Se não, vão para a cova contigo... E não te esqueças da regra de ouro do nosso blogue: aqui ninguém "julga" ninguém...
Sempre entendi que o blogue deve funcionar como um "confessionário", de sentido único, com a vantagem de o "padre" te saber escutar e não te mandar rezar, no fim, por castigo, um ror de padres-nossos e avés-marias...como no nosso tempo de putos, em que éramos bons cristãos e melhores rapazes...
Em bom português nos entendemos...Queria dizer: "um ror de padre-nossos e avé-marias"...
ave-maria | s. f. | s. f. pl.
Será que queria dizer ave-marias?
a·ve·-ma·ri·a
substantivo feminino
1. Oração dos católicos à Virgem.
2. Conta do rosário (menor que a do pai-nosso).
3. [Figurado] Tempo que se gasta em rezar uma ave-maria.
ave-marias
substantivo feminino plural
4. Toque ou conjunto de badaladas para anunciar a reza ou chamar os fiéis a rezar as ave-marias, pela manhã, ao meio-dia e particularmente ao anoitecer. = ÂNGELUS, TRINDADES
5. [Figurado] Período entre o final da tarde e o início da noite. = ANOITECER, BOCA DA NOITE
"avé-marias", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/av%C3%A9-marias [consultado em 17-06-2019].
Entendamo-nos: os "heróis" da "minha gakeria de heróis" são... a "arraia-miuda" que fez a guerra & a paz comigo... Afinal, a humanidade, sem adjetivos...LG
Caro amigo Luis,
Tu escreveste: "É aqui que vive o régulo, uma solitária figura de aristocrata fula, de elevada estatura. A sua cabeça destaca-se acima da cabeça dos demais. Presumo que seja futa-fula."
No leste e Nordeste e, acho que em toda a Guiné, salvo raras execepçoes, nao havia régulos Futa-fulas. Eram todos Fulacundas, isto é Fulas de Fuladu que, durante séc. conviveram com os Mandingas durante o reino de Gabu. Os Futa-fulas, como diz o nome, sao maioritariamente originarios de Futa-Djalon (Guiné-Conacry) e de acordo com o pacto celebrado entre os dois grupos, durante a Guerra contra os mandingas pagaos de Gabu, os Fulacundas seriam os donos do chao (do poder) e doravante os Futa-fulas seriam os Almames (religiao) tomando conta das mesquitas e das escolas coranicas para a divulgaçao e expansao da religiao. Isto tu ja devias saber.
Os Fulacundas, antes do inicio da Guerra que culminou com a derrota dos mandingas, em 1867, nao eram adeptos da religiao islamica, mas o estado teocratico de Futa-Djalon condicionava a sua entrada na Guerra a conversao dos Fulacundas oprimidos pelos reis e farins mandingas e a islamizaçao de todos os vencidos, apos a vitoria.
Mudando de assunto, no periodo entre Dezembro 1968 e abril de 1970, em Bafata estava o B.Caç. 2856. Em Fajonquito estava estacionada a CCAC 2435 ( do Cap. Carvalho) e em contuboel estava a CCAC 2436. Na mesma altura estaria em Geba uma companhia do mesmo batalhao que, por analogia, seria a 2437 ou 2434.(De acordo com os dados fornecidos por José Marcelino Martins).
Com um abraço amigo,
Cherno Baldé
Obrigado, Cherno, sabes que esquece muito... a quem não sabe. Obrigado pelo precioso esclarecimento sobre a distnção entre futa-fulas (do Futa-Djalon) e dos Fulacundas, fulas de Fuladu...
Portanto, o régulo de Joladu não podia ser futa-fula...Tenho a ideia (falsa) de que eram sempre mais altos do que os outros... VOu ver se descubro qual era a companhia que estava, no meu tempo, no Geba...
Mantenhas. Luís
Começando por dizer que fiquei sensibilizado por alguém falar nesses lugares por onde passei inúmeras vezes.
Sara Ganá é uma Tabanca que ainda hesiste a uns cinco km de Geba no cruzamento para Bafatá e Sincha Sutu do lado esquerdo na altura estava lá um pelotão de milicia comandado por um alferes de 2ª linha que se chamava Braima.
A Tabanca Sara Gana hesiste pois acabei de ligar para um amigo de Geba mas mora cã perto de Odivelas me confirmou a sua hesistência assim como Sinchã Sutu
Enquanto a minha permanência de dezoito meses no setor de Geba nunca foi atacada, era a partir de Sara Gana que que fazíamos patrulhamentos e operações na direcção de Sincha Jobel.
Sasa Banda foi atacada em principio de Julho de 1966 e Sinchã Sutu em 24 de Janeiro 1967 em que infelizmente fui ferido na sequência de disparos do IN ao saltar da viatura caí de cabeça ainda hoje tenho problemas a caminhar mas o tempo passa e as recordações desses lugares são muitas.
Mais uma vez agradeço por me ter dado o prazer de alguém se ter lembrado desses lugares longínquos
Um forte abraço
Fernando Chapouto
Ex Fur Miliciano Comp caç 1426 Guiné 65/67
Luis,
O Régulo de Joladu que é o mesmo que dizer Ganadu, seria da linhagem do Régulo M'bucu ou Umbucu que, em 1886, ofereceu a logistica e o serviço dos seus homens para apoiar o Tenente Marques Geraldes na Batalha de Fanca (Sancorla) contra os homens de Mussa Molo, rei de Fuladu, com a capital em N'dorna ou Indornal (grafia portuguesa), tendo mudado mais tarde para Hamdalaye, localidades situadas entre o rio Gambia e o rio Casamansa.
Mbucu ou Umbucu era de ascendencia Fula-Forro e por isso as suas relaçoes com o Mussa Molo, rei de Fuladu de ascendencia Fula-preto, nao eram muito amistosas pelo que a sua aliança com a administraçao portuguesa através do presidio de Geba era uma forma subtil de recusar a vassalagem de Mussa Molo, rei do Fuladu. De notar que o mesmo (estes conflitos de poder) nao aconteciam na época de Alfa Molo, pai de Mussa Molo e fundador do reino que respeitava muito e permitia uma larga autonomia aos Fula-forros que ele proprio tinha entregado a gestao de vastos territorios, muitos dos quais, ainda por conquistar as maos dos mandingas/soninques.
Abraços,
Cherno Baldé
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