terça-feira, 20 de agosto de 2019

Guiné 61/74 - P20077: Manuscrito(s) (Luís Graça) (166): Autobiografia: com Bruegel, o Velho, domingo à tarde (Parte VIII - De 71 a 80 de 100 pictogramas)



Portugal > Cadaval > Adão Lobo > 1950 > Equipa de futebol do Sporting Clube Lourinhanense, da Lourinhã, no campo de jogos do Adão Lobo. O segundo da primeira fila, da esquerda para a direita, é o meu pai, meu velho,  meu camarada, Luís Henriques, então com 29 anos...

Esteve toda a vida ligada ao futebol, quer como jogador quer como dirigente e treinador de futebol das camadas mais jovens... Faria ontem 99 anos, se fosse vivo... Nasceu em 1920 e morreu em 2012, ia completar os 92 anos...

Esta foto foi tirada em 1950, no dia em que o Benfica, seu clube de eleição,  ganhou a Taça Latina (pode-se ler-se na legenda da foto... Ao que parece foi o primeiro feito internacional do S.L. Benfica: ganhou à Lázio nas meias-finais e depois ao Bordéus na final)... É também uma homenagem à sua geração para quem o futebol era uma paixão... Aqui  ficam os seus nomes: "De pé, da esquerda para a direita, o filho do Vitor Pedro, Miranda (Alfaiate), Jorge "Tarofa" (ou Jorge Serralheiro), José Costa (que haveria de morrer em Angola), José Miguel, Américo "Russo", Manuel "Swing", António Serralheiro; na primeira fila, da esquerda para a direita, Vitor Pedro, Luís Henriques, António Zé da Graça, Manuel Dias ("Néu"), Artur Borges, João Borges". E acrescenta o meu pai: "Perdemos 3 a 2. Nesse dia faltaram três ou quatro dos nossos melhores jogadores: o "Gino" (ou Higino), o Mário   "Pepe", o Manuel "Ferrador", o António Costa"...


Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > Cemitério de Mindelo > 1943 >  Foto do álbum de Luís Henriques (1920-2012), com a seguinte legenda: "Justa homenagem àqueles que dormem o sono eterno na terra fria. Companheiros de expedição os quais Deus chamou ao Juízo Final. Pessoal da A[nti] Aérea depois das cerimónias desfila fazendo continência às sepulturas dos companheiros. Oferecido pelo meu amigo Boaventura [Horta, conterrâneo, da Lourinhã,] no dia 17-8-1943, dia em que fiquei livre da junta (hospitalar)."




Luís Henriques (1920-2012), ex-1º Cabo nº 188/41 da 3ª Companhia do 1º Batalhão Expedicionário do Regimento de Infantaria nº 5, Caldas da Rainha. Esteve 26 meses "desterrado" em Cabo Verde, Ilha de São Vicente, Mindelo, Lazareto, de julho de 1941 a setembro de 1943, em missão de soberania. Escrevia vinte e tal cartas por semana, em nome dos muitos camaradas do seu pelotão e da sua companhia que não sabiam ler nem escrever. Eram todos oriundos da Estremadura, Oeste

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça  & Camaradas da Guiné]



Autobiografia: com Bruegel, o Velho, domingo à tarde [em 100 pictogramas]
Texto (inédito):

© Luís Graça (2005). Todos os direitos reservados.




(Continuação) (*)

[...] 1. Domingo à tarde… Sempre detestaste os domingos à tarde: ou chovia ou fazia vento e um cão uivava na vinha vindimada do Senhor. Nada acontecia, no domingo à tarde, e até o tempo parava no relógio, sonolento, da torre da igreja da tua aldeia.[...]


71. Sim, descobrirás, mais tarde, os famosos aventais de pau 
[1], no lendário Bairro Alto da formosa Lisboa onde se ia de camioneta, de excursão, uma vez na vida, no passeio da escola ou da catequese, ou quando se ia fazer, os sortudos!, o exame de admissão ao liceu, ou quando um mancebo, cheio de garbo, tiradas as sortes, de fitinha vermelha na lapela, era chamado para a tropa e jurava bandeira, e ia às meninas, para tirar… os três, antes de partir para defender a pátria, lá longe no ultramar, nas Áfricas, nas Índias, como o teu pai, em Cabo Verde em 1941/43…


72. Ah!, e o respeitinho, que naquele tempo ainda era tão bonito, cada macaco no seu galho, Deus no céu e os santos nos altares, nobreza, clero e povo, os três estados, uns em cima e outros em baixo, mal acamados, o povo a cavar a terra, a enxertar o bacelo, a podar, a sulfatar e a vindimar a vinha do Senhor, e o esplendor do cinismo dos grandes e a ostentação da caridade dos ricos, e a abjeção da arraia miúda, que dar aos pobres, era emprestar a Deus, que Deus, santo banqueiro, haveria de pagar-lhes com língua de palmo, juros e dividendos, ámen!... Deus, dizia o padre franciscano, pregador da Quaresma, sempre foi bom nas contas: "Cá se fazem, cá se pagam, meus irmãos!!...


Como os ricos emprestavam a Deus, dando aos pobres, eram cada vez ricos, como os judeus, pro causa dos juros e dividendos. Eles tinham uma conta-corrente no céu, os felizardos. E era importante que houvesse pobres, para os ricos poderem continuar a emprestar a Deus. Era talvez por isso que os ricos da tua aldeia eram gordos e tinham terras e casas, ou tinham terras e casas e eram gordos. Mas o povo mal os via: viviam em Lisboa.Não te lembras de ver um rico, em carne e osso, na tua aldeia. Só os criados e os feitores dos ricos. Os ricos nunca apareciam, tinham os seus representantes na aldeia. Como Deus, que tinha os seus representantes na terra: o papa em Roma, o padre vigário na tua aldeia, a tua catequista, a "Branca de Neve", a senhora professora, o regedor da freguesia, o cabo de esquadra, e poucos mais mais. O "Brutamontes" e o "Frasco do Veneno", esses, eram os representantes do diabo na terra. Nunca lhes viste a credencial passada pelo diabo, mas a verdade é que eram os sacanas que te endiabravam... Ao longo do tempo, irás conhecer outros "Brutamontes" e outros "Frascos do Veneno", na paz e na guerra...


73. E o garboso comandante dos bombeiros, com o seu capacete de latão e o seu machado de paz, faiscante como a espada do samurai, e o aferidor dos pesos e medidas, o avaliador e o agrimensor, e o juiz do julgado de paz e de guerra, e o pobre do legionário, patético, o senhor Pessoa, de seu nome Fernando, sósia do original, escriturário camarário, que era o chefe da Legião Portuguesa, e que fazia ordem unida com os fedelhos, de espingarda Mauser ao ombro, e que era incapaz de fazer mal a uma mosca, e que, dizem, morreu virgem e chupado como uma carocha!...


Ora nenhum herói da pátria, em tempo de paz ou de guerra,  devia morrer virgem, sem reproduzir, ao menos, o ADN do heroísmo. Crescei e multiplicai-vos era então a palavra de ordem. E, pelo menos na tua aldeia, pais e mães faziam o seu trabalho de casa.

Ah!, o senhor capitão Belo, de farda republicana, não menos excelentíssimo presidente do município, pequenitote representante do todo poderoso Estado Novo, que inaugurava o lavadouro e o fontanário e perante quem o povo se desbarretava, sempre atento, venerador e obrigado, o povo, o polvo, temente a Deus e aos grandes deste mundo, o Zé Povinho que só acordava da sua letargia e se agigantava de meio século em meio século.



E, quando acordava, esbaforido, qual gigante cego, era para se alvoraçar e escaqueirar a mobília toda das repartições do Estado e queimar os papéis. E bater na mulher e nos filhos, nos criados e nos marginais, nos judeus e nos pretos, nos malhados e nos comunistas.... O povo dormia demais mas tinha mau despertar, agigantava-se como o ogre. Forte com os fracos, fraco com os fortes... Dava uma manguito e voltava a adormecer por mais cinquenta anos...

Havia um judeu na tua terra chamado Jacó. E um papagaio também chamado Jacó. É estranho: não havia pretos de carapinha. Ou havia, e desfrisavam o cabelo ? 

74. Enfim, havia ainda a charanga no coreto, mas isso era em agosto, na festa da nossa senhora dos Anjos e os foguetes e os meninos, pobretes mas alegretes, e os cães, danados, atrás das canas dos foguetes, alvoraçados, os diabretes, que depois faziam chichi, à noite, na cama, ameaçava-te a tua mãezinha!... (Nunca a trataste por mãezinha, pois não ? Isso eram ternuras citadinas!).


Afinal, eram tantas as emoções!... Mesmo assim... Mesmo se detestasses os domingos à tarde, em que chovia ou fazia vento e um cão uivava na vinha vindimada do Senhor. Mesmo se nada acontecia, no domingo à tarde, e até o tempo parasse no relógio, sonolento, da torre sineira da igreja da tua aldeia.


"Experimenta comer um limão à frente do gajo do trombone", ensinava-te o "Brutamontes". "O gajo do trombone começa a salivar e a dar fífias!"... 

As coisas, más, que sabia o "Brutamontes”!... Ou essa ensinou-te o "Frasco do Veneno" ?!... A verdade é que os putos da tua aldeia, provocadores, adoravam comer limões à frente da secção de metais da banda filarmónica. Só havia metais, não havia cordas!...


75. Um cão uivava aos domingos à tarde, enquanto os trabalhadores da vinha do Senhor descansavam o corpo, magoado, os malteses, os ratinhos que vinham em magotes dos minhos, das beiras, dos ribatejos, dos alentejos, fugidos da fome e dos cavalos da GNR. E dormiam, na papel do trigo ou nas folhas de milho, que se guardavam para se fazer os colchões no inverno.

Em boa verdade, tu nunca chegarás a ver a GNR a cavalo, a espadeirar o povo, só mais tarde em fotografia, isso era no Barreiro da CUF, e tu ainda não sabias que existia o Barreiro da CUF, apenas os sacos de adubo da CUF com que a tua mãe faziam os sacos para o pão, e os aventais de cozinha. No tempo em que nãohvaia sacos de plástico, e tudo se reciclava... 


Muito menos alguma vez tinhas visto as ceifeiras do Alentejo, só conhecias o celeiro do trigo da Federação Nacional do Trigo, com cereal até ao teto em anos de grande fartura de pão. 

Nem sabias da Marinha Grande dos vidreiros ou sequer da Peniche dos pescadores, ali tão perto, as Berlengas à vista e o temível cabo Carvoeiro, o mar da Meia Via, cemitério de corsários, marinheiros, pescadores e outros mareantes.


Sabias lá tu dos operários que estavam em construção, nem muito menos das fábricas de chaminés altas, e dos perigosos comunistas (de que Deus nos livrasse!), inimigos mortais da Nação, metidos a foice e a martelo na fortaleza de Peniche, muda e queda.


76. Tu nunca tinhas saído do perímetro da tua terra, até aos oito anos, idade em que foste de excursão a Lisboa, com a "Branca de Neve" e os "Sete Anões": entrava-se na cidade pela tortuosa e íngreme calçada de Carriche, e pelas vetustas ruas do Lumiar, por meio de quintas, mas só te lembras do Tejo e das velas das fragatas, dos comboios e dos elétricos e do aquário de Vasco da Gama, e dos Jerónimos e do palácio de Belém… 


Não te lembras de ir ao Jardim Zoológico, que devia ser muito caro, para os meninos da tua terra, que levavam farnel e tudo!... Lembras-te dos palacetes do Lumiar e das heras a crescer nos muros altos e da patine do tempo. Nunca mais esquecerás essa expressão, a da patine do tempo.


77. E o Tarrafal ? Sabias lá tu onde ficava o Tarrafal 
[2], o teu pai, expedicionário da II Guerra Mundial, na ilha de São Vicente, Cabo Verde, nunca te falara do Tarrafal, falava-te do Mindelo, do Monte Cara, do Lazareto, as bias, os tubarões, a morna, a coladera, a baía, o porto grande, a ilha onde até as pedras tinham venéreo, a fome do Joãozinho, a morte do Joãozinho, nosso cabo, bó impedido, Joãozinho, morreu. De fome, da grande fome, da fome milenar, intrínseca, de Liberdade, Igualdade, Fraternidade, da fome da música e da poesia, da fome de pão de milho, e fome de terra e de céu, de fome de pão de trigo misturado com centeio, de mandioca e de cereal no pilão, e de poesia em crioulo, e de cachupa e de chabéu.


78. Lembras-te do álbum de fotografias do teu pai, o teu único brinquedo de montar e desmontar, que tiveste na infância, lembras-te do Mouzinho de Albuquerque, vapor da nossa orgulhosa marinha mercante, mas sabias lá tu quem era o Xico Vieira Machado, lídimo representante da nação, de visita a Cabo Verde, ministro plenipotenciário, homenzinho atarracado de chapéu colonial, latifundiário da tua terra, patrão do Banco Nacional Ultramarino, banco emissor de patacão da Guiné (, sabê-lo-ás, mais tarde), e que deixou o Joãozinho morrer de fome.


79. Enfim, havia o Império de todos nós, o lusitano império do tamanho da lonjura do Minho a Timor, desmesurado para tão parcas e desvairadas gentes. O último baluarte da civilização ocidental e cristã, lia-se nos títulos de caixa alta dos jornais de Lisboa, que chegavam à província.

Lembras-te, de reler, as cartas apaixonadas que o teu pai escrevia à tua mãe, em papel bíblico, a tinta de cor verde, e belíssima caligrafia, com selo e carimbo do correio de Cabo Verde que ficava lá longe no ultramar dos pretinhos e dos missionários de barbas brancas:

“Maria, minha cachopa,
não me sais do pensamento,
assim que eu sair da tropa,
trataremos do casamento”.



80. Ias para o pequeno rio Grande brincar, o rio Grande da tua aldeia, apanhar as bugalhos dos carvalhos, enquanto o teu pai, o teu ídolo, jogava a ponta esquerda, coitado do sapateiro e campeão das damas, nunca passaria da cepa torta, por jogar à bola e a ponta esquerda num campo pelado, no campo pelado da vida, no campo de jogos da tua terra, ao domingo à tarde, com um cão a uivar na vinha vindimada do Senhor.

Ah!, o rio Grande que só era grande quando galgava as margens e se confundia com o mar, o grande oceano.


(Continua)



[1] Avental de pau  queria dizer as meias portas onde as mulheres do Bairro Alto  se mostravam…

[2] A Colónia Penal do Tarrafal, situada no lugar de Chão Bom do concelho do Tarrafal, na ilha de Santiago (Cabo Verde), foi criada pelo Governo português do Estado Novo ao abrigo do Decreto-Lei n.º 26 539, de 23 de Abril de 1936.

____________

Nota do editor:

(*) Últimos postes da série:

11 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20052: Manuscrito(s) (Luís Graça) (159): Autobiografia: com Bruegel, o Velho, domingo à tarde (Parte I - De 1 a 10 de 100 pictogramas)

13 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20056: Manuscrito(s) (Luís Graça) (160): Autobiografia: com Bruegel, o Velho, domingo à tarde (Parte II - De 11 a 20 de 100 pictogramas)

14 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20058: Manuscrito(s) (Luís Graça) (161): Autobiografia: com Bruegel, o Velho, domingo à tarde (Parte III - De 21 a 30 de 100 pictogramas)

15 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20060: Manuscrito(s) (Luís Graça) (162): Autobiografia: com Bruegel, o Velho, domingo à tarde (Parte IV - De 31 a 40 de 100 pictogramas)

16 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20064: Manuscrito(s) (Luís Graça) (163): Autobiografia: com Bruegel, o Velho, domingo à tarde (Parte V - De 41 a 50 de 100 pictogramas)

17 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20068 Manuscrito(s) (Luís Graça) (164): Autobiografia: com Bruegel, o Velho, domingo à tarde (Parte VI - De 51 a 60 de 100 pictogramas)

18 de agosto de  2019 > Guiné 61/74 - P20071: Manuscrito(s) (Luís Graça) (165): Autobiografia: com Bruegel, o Velho, domingo à tarde (Parte VII - De 61 a 70 de 100 pictogramas)

12 comentários:

José Saúde disse...

Luís, meu amigo e camarada!

Continuas a deliciar-me com a tua idílica narrativa. Sabes, revejo-me integralmente nos teus dizeres. "Coisas" de outros tempos que mexem com os nossos "egos". Digo-te que conheci parte do que expões.

Ah, lembro-me, enquanto miúdo ( 6 anos, creio), vir a Lisboa visitar o Jardim Zoológico numa excursão promovida pelo padre da minha querida Aldeia Nova de São Bento e trazer um farnel onde não faltavam "sandes" de bolachas "maria" envolvidas com marmelada feita pela minha saudosa mãe.

Conheci, também, alguns dos "caminhos" políticos trilhados por familiares... Peniche, por exemplo, fora um deles. Os "cães raivosos" que passavam por vinha vindimada sempre com o objetivo de "sacarem" o que melhor lhes convinha.

Tudo em prol da "honra" da Nação. A raia miúda lá entoava então, com fervor, "lá vamos cantando e rindo".

Como os tempos mudaram!

Luís, esse teu "diário" é merecedor de um refletir profundo, porque pertencemos a uma geração que se deparou com a evolução do mundo, sendo também nós antigos combatentes que conhecemos o teor de uma guerra que não deu tréguas numa Guiné a ferro e fogo.

Abraço amigo e continua a desvendar o teu diário.

Zé Saúde

Anónimo disse...

"Como os tempos mudaram!"

Sem dúvida...os tempos mudaram.

Mas muitos dos descendentes das personagens reais ,täo bem apresentadas pelo Luis Graca,teräo mudado?

Um abraco do J.Belo

Antº Rosinha disse...

...mas só te lembras do Tejo e das velas das fragatas, dos comboios e dos elétricos e do aquário de Vasco da Gama, e dos Jerónimos e do palácio de Belém…isto tudo aos oito anos?

Luís Graça, escreves tanta coisa, que fazes inveja a muitos da tua idade, que te leem.

Nessa idade já saiste desse oeste maravilhoso, que seria mais maravilhoso que hoje. porque nesse tempo as crianças não enchiam as praias de areia branca e de Santa Cruz e Peniche no mês de Julho, pois era altura de os pais ceifarem aquelas suaves colinas repletas de cereais para aqueles inúmeros moinhos de vento não pararem.

A tua Branca de Neve ajudou-te muito para saberes tantas coisas, como sabes.

E que tão bem as escreves.

Se ao nasceres numa terra onde Domingo à tarde não cai neve, nem geada nem granizo, faz apenas vento, o que tu escreverias se tens nascido para lá do Marão ou da Estrela!

Caso fosses adulto no tempo do Gen. Delgado, a tua familia podia ir de manhã e vir à tarde, para te levar cigarros a Peniche, ali tão pertimho, porque provavelmente ias alinhar com o General.

Devoro palavra por palavra que escreves.

Anónimo disse...

Meu caro António Rosinha
(A quem ,desde há muito, aprendi a ler com a atencäo devida)

Em algumas das freguesias desta zona ,entre elas a do Maxial,o Sr.General Humberto Delgado ganhou as eleicöes com um número de votos para muitos inesperado.

MAS...o governo da ditadura tinha...boa memória!
Quando se iniciou(!) em inícios dos anos sessenta a electrificacäo desta zona rural,situada a uma centena de quilómetros da capital do império do Minho a Timor,a tal memória governamental levou a que as freguesias em que H.Delgado venceu só tivessem electricidade muito depois das outras...as normais.

Será diferente hoje quanto aos..."melhoramentos" rurais vindos da mesma Capital,só que agora sem império?

Talvez.

Um abraco do J.Belo

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Zé, Torres Vedras, mais do que a Lourinhã, tinha fortes tradições republicanas, até porque havia proletariado agrícola e industrial... Não sabia que em Maxial tinha ganho o Delhado e que os seus habitantes acabaram por ser penalizados por isso... Os "pequinitotes" representantes do Estado Novo eram mais "vingativos" e "mesquinhos" que o pai da Nação...

Já agora, Maxial fica hoje mais perto da capital do que no teu tempo de menino e moço: fica a nordeste de Torres Vedras, a cerca de 14 km de distância... Por sua vez, Torres Vedras a Lisboa, pela autoestrada, a A8, são 40 e picos km... Da Lourinhã a Lisboa, são 65 km, 40 minutos... Eu levava, antes do 25 de Abril, 3 horas na camioneta do João Henriques, até à Rua da Palma... "Ronceira", a camioneta e a vida do antigamente... Aquele abraço, Luis

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Meu caro Rosinha, nosso "mano mais velho":

Obrigado pelos teus preciosos e sempre originais comentários... Devo dizer-te que tive uma infância feliz, cresci a ouvir o mar e os moinhos de vento... Havia um, mesmo por detrás da minha, na parte antiga, medieval, da Lourinhã, uma vilória estremenha, onde nada acontecia de especial, a não ser algumas inundações, torrenciais, de 5 em 5 anos... A baixa da Lourinhã foi construída em leito de mar, tudo isto era um braço de mar, navegável desde o tempo dos fenícios, romanos, visigodos, mouros, francos... Daqui a 100 anos, não tenho dúvidas, "vou ter uma praia" à minha porta...

Uma infância feliz... enquanto não percebi a distinção entre o "bem" e o "mal"... E a viagem a Lisboa, aos oito anos, é daquelas imagens que te marcam para sempre... Claro, nunca vi neve, como no teu rincão natal... Aqui não neva, à beira do Atlântico... Fazia apenas geada. E nortada, nortada agreste, às vezes...

As nossas experiências de infância são, na nossa vida, as mais marcantes,e são comuns a muitos de nós que nascemos na província... É completamente nascer em Lisboa, na Lourinhºa ou na Serra da Estrela... Escrever sobre essas experiências de infância não é fácil... Esrcrever, de resto, não é fácil...

Este texto é de 2005, mas não penses que o escrevi de rajada... Todos os anos, no "meu querido mês de Agosto", quando voltava às origens, nas férias de verão, eu retomava a escrita destas memórias, acrescentava, retocava, melhorava, cortava... Depois o texto ficava em "hibernação", durante os outros restantes onze meses... E originalmente era um texto em verso (livre)...

Só este ano decidi cortar amarras com o formato, a passá-lo a prosa... Fico com "mais margem" de liberdade... De resto, vou repartindo o meu tempo entre Alfragide, Lourinhã e a Tabanca de Candoz...

Ainda bem que estás a gostar de me ler... É muito importante, para um autor, ter esse "feedback" do outro lado: sinal de que houve verdadeira "comunicação", ato de pôr em comum...

Sim, estou grato a todos aqueles e todas aquelas que foram, para mim, "janelas abertas" para o mundo, a começar pelos meus pais, manas, amigos, vizinhos, colegas de escola, catequistas, padres, professores/as, incluindo a "Branca de Neve", os "Sete Anões", o "Brutamontes" e o "Frasco do Veneno"... Evoco-os sempre com muita ternura, humor, ironia... Na realidade, não sou um homem de rancores... Se fosse juiz, seria um mau juiz... Não me interessa ajuizar e condenar ninguém, apenas compreender e, se possível, explicar,,, De resto, adoro ouvir as "histórias de vida" dos outros... Tenho "empatia", sou capaz de "saber ouvir" os outros... É a qualidade que se cultiva...

Saudações do Luís Graça

Tabanca Grande Luís Graça disse...

empatia | s. f.

em·pa·ti·a
(grego empátheia, -as, paixão)
substantivo feminino
Forma de identificação intelectual ou afectiva de um sujeito com uma pessoa, uma ideia ou uma coisa (ex.: a empatia entre os voluntários e a população local era evidente; assistimos à perfeita empatia entre piano e violino).


"empatia", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/empatia [consultado em 20-08-2019].

Antº Rosinha disse...

J. Belo, será que já nos lemos pouco uns aos outros, devido à idade?

Eu já vou para os 81.

E a idade, contra o meu próprio gosto, está a tornar-me exageradamente reacionário, em certas circunstâncias.

Mas não votei no Delgado (em Angola, Moçâmedes)porque estava nos 19 e só se votava aos 21, mas bebi com os meus colegas mais velhos à vitória do General...em Angola convivia-se por tudo e por nada.

J. Belo, embora o Luís te tenha ilucidado algo sobre Maxial, e eu embora conheça um pouco a região, mas não as particularidades do lugar, fui ao google earth e à Wikipédia, e saquei o seguinte entre algumas coisas interessantes de Maxial, esta alarvidade que me vira do avesso:

"...Algumas culturas ancestrais, como a do trigo e do milho quase desapareceram, sendo a maior parte das suas terras plantadas de eucaliptos e pinheiros, culturas presentemente mais rentáveis, constituindo matéria prima para a pasta do papel.

Morta a cultura dos cereais, cessa a indústria da moagem, e os moinhos são agora marcos em ruína da história de um passado recente."

J. Belo, a celulose, vi eu, foi uma indústria super sudsidiada, pelos e para os países desenvolvidos terem muito papel para limpar à vontade o cú!

Mas eles empurram estas indústrias poluidoras para países com governantes de mão estendida.

E, J. Belo embora Portugal já fabricasse o próprio papel selado, azul de 25 linhas
que o 25 de Abril aboliu, não era a loucura que se seguiu, até esta loucura que encendeia o país todos os verões e polui os rios até ao tutano.

Ao que estas conversas, nos levam, mas a culpa é do Luís Graça.

Anónimo disse...

Meu caro A. Rosinha

Sem qualquer dúvida: A culpa é do Luis Graca!

Creio que (e apesar de) termos caminhado caminhos diferentes,estes ensinaram-nos a olhar para o nosso querido Portugal com os tais "telescópios da alma" täo bem referidos por Eca de Queiroz.
Os teus 81 anos de idade?
Aqui na Lapónia sueca, a mäe do meu vizinho mais próximo, que vive "só"a 274 quilómetros da porta da minha casa,acaba de festejar 101 anos de vida.
Come de tudo,sejam gorduras,salgados,picantes,fumados.
E,para digerir,um copo de água cheio de vodka a cada refeicäo!
Aparelha as suas renas ao trenó passeando-se durante horas, sózinha.
30 graus negativos é como...ir à praia!
Perguntei-lhe:Porquê sózinha?
A resposta foi:Todos os que conhecia já cá näo estäo,e os outros såo uns miúdos!
Meu caro Camarada...81 anos de idade?
És um dos tais "miúdos"!

Um abraco do J.Belo

Anónimo disse...

E,quanto ao resto...

Como täo bem diz o padre franciscano do interessante texto de Luis Graca:

-"Cá se fazem,cá se pagam,meus irmäos!"

J.Belo

Valdemar Silva disse...

Até dá gosto ler, Rosinha e J. Belo escrevam mais um ao outro.

Ah!....e havia num Notário(o ?º. Cartório Notarial de Lisboa) na Rua Victória, em Lisboa, um Notário com uma funcionária a atender, que tinha por cima do balcão um
aviso com grandes letras: DESCUBRA-SE.

Valdemar Queiroz

Tabanca Grande Luís Graça disse...

A propósito de "monoculturas" como o eucalipto, que desgraçadamente está a invadir também o oeste estremenho...e em complemento dos comentário do Rosinha:

Eu, que tenho 72, ainda sou do tempo...das grandes searas de trigo, na minha região...Salazar, obcecado com a segurança alimentar nacional, incentivou, também ele, a "campanha do trigo", que de resto vem já do tempo da República... Só no meu concelho havia cento e tal moinhos, felizmente estão-se a recuperar alguns e há belos exemplares a funcionar.... Depois, vieram as moagens industriais...Mas antes disso, havia o vinho que dava de comer a um milhão de portugueses... Ainda me lembro, jovem jornalista, de fazer a reportagens das vindimas em meados dos anos 60: a Adega Cooperativa da Lourinhã faziam qualquer coisa 7 mil pipas de vinho... Hoje é apenas produtora de aguardente DOC Lourinhã... As vinhas foram arrasadas, deram lugar aos pomares, à pera rocha... Depois arrasaram os pomares, e começou-se a fazer "horta"....

O mercado é quem mais ordena: a proximidade de Lisboa e a fertilidade dos solos permitem fazer 3 ou mais culturas por ano... Hoje a Lourinhã está coberta de abóboras: mais de 2/3 da abóbora nacional é aqui produzida, em grande parte para exportação... É um concelho rico onde se vive bem, e que também foi pioneiro na agricultura biológica: os meus amigos da Biofrade (criada em 1999) dão trabalho a mais de 60 pessoas... O patriarca Henrique Gomes é um camarada nosso que fez a guerra em Moçambique, logo no início... Fui há dias visitá-lo e ele mostrou-me os últimos investimentos da empresa... Os produtos da Biofrade distribuem-se por todo o Portugal e pelo estrangeiro... Um grande exemplo de empreendedorismo e de responsabilidade social...

Quanto ao eucalipto, estou mais preocupado com Torres Vedras, onde há grandes manchas... Mas o território do concelho de Torres também é muito maior que o da Lourinhã.... 400 km2 / 80 mil habitantes, o primeiro; 150 km2 / 25 mil habitantes, o segundo...

Torres é também um concelho fortíssimo do ponto de vista agrícola... Está a agora a decorrer a campanha da pêra rocha do Oeste, produto DOC, em que os concelhos aqui à volta são fortíssimos (Bombarral, Cadaval, Óbidos, Torres Vedras, Lourinhã...). A pèra rocha é um caso de sucesso.