1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau,
1964/66) estes belíssimos poemas, da sua autoria, enviados, entre
outros, ao nosso blogue durante a semana, que continuamos a publicar com prazer:
Gatos de arame na loiça de barro
Corriam as aldeias perdidas na serra.
Traziam a oficina singela numa geringonça de ferro.
Apitavam constantes a chamada para o conserto.
A vida era dura. Nada se podia perder.
Trazia gatos com ele que lhes podiam valer.
E a pequenada à volta, curiosa da arte, se divertia com ele.
Bendito senhor.
A malga da sopa. A travessa da mesa.
Caíram ao chão.
Ficaram em cacos.
Paciência tem ele e todo o saber...
Mafra, 6 de Abril de 2020
10h08m
Jlmg
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Não importa o lugar...
Não importa onde nem quando.
O que importa é a vida vivida intensa e certa.
Sonhando e criando.
Bebendo beleza.
Buscando verdade.
As asperezas da vida aguçam o engenho.
Ultrapassando o difícil.
Ladeando o obstáculo.
Recuando e avançando.
Esperando a hora e momento.
Só vence quem tenta
E nunca desiste.
Se ganha e se perde.
Aproveitando o que sobra,
Terás o que queres.
Só vence quem luta.
Desanimar, o maior inimigo.
Ouvindo HAUSER - Adagio for Strings
Mafra, 9 de Abril de 2020
11h5m
Jlmg
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Parece que foi ontem...
O navio gordo e imenso passou a barra e subiu o Tejo.
Atracou em Alcântara.
Um mar de lenços, de um e outro lado,
sacudiam as saudades muitas que ardiam nos corações sedentos.
Repleto o cais.
Longas horas de sofrimento e de suspiros.
Nem queriam acreditar.
Será que vem?...
Quantas noites de lágrimas e de temores pelo pior.
-O Senhor o proteja!...
Subiram-se as escadas altas.
E, num cortejo infindável,
começaram a descer, um a um.
Tamanhos abraços. Encheram tudo de alegria infinita.
As mães e namoradas.
Os pais e irmãos.
Amigos.
Do passado, tudo esqueceu.
Era o sol da liberdade e da vida que renascia pela segunda vez.
Já lá vão 54 anos!
Foi em Agosto.
Parece que foi ontem...
Ouvindo Evgeny Kissin: Chopin - Piano Concerto No. 1, Op 11
Mafra, 10 de Abril de Abril de 2020
9h16m
Jlmg
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Nota do editor
Último poste da série de 5 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20817: Blogpoesia (671): "Aquele olhar...", de António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo CAR da CART 3493/BART 3873
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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2 comentários:
FRASE DO DIA (12/4/2020)
Já lá vão 54 anos!
Foi em Agosto.
Parece que foi ontem...
(J. L. Mendes Gomes, poeta, ex-combatente)
Eu não sei o que mais admirar em J. L. Mendes Gomes, se a sua invejável veia poética, se a música que escolhe para acompanhar os seus belíssimos poemas. Leio, oiço e fico com a alma cheia. Bem hajas, camarada.
O pungente Adagio para Cordas, do compositor americano Samuel Barber, foi usado como tema do filme "Platoon", que em Portugal recebeu o título "Os Bravos do Pelotão", e que foi talvez o melhor filme que até hoje se fez sobre a guerra do Vietname. Ora quem diz guerra do Vietname diz guerra colonial ou do Ultramar, que foi o "nosso" Vietname. Portanto, o Adagio de Barber assenta como uma luva a este post. Pessoalmente, prefiro a versão do maestro português José Atalaya, à frente de uma orquestra de cordas muito jovem, num vídeo cuja falta de qualidade técnica não consegue esconder a força e a intensidade da interpretação imprimida por José Atalaya. Não conheço muitas versões do Adagio mas, das que conheço, esta é a melhor: https://www.youtube.com/watch?v=eJTLNuaw8_4.
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