quinta-feira, 22 de abril de 2021

Guiné 61/74 - P22125: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (29): E por favor nem me enganem, são favas suadas, não são ervilhas, muito menos escalfadas... (Luís Graça)




Alfragide > 21 de abril de 2021 > "São favas suadas, senhor, não são ervilhas"... Segundo uma receita antiga da minha mãezinha, adoptada e apurada pela "chef" Alice..

Fotos (e legenda): © Luís Graça (2021). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Ontem, confesso que pequei. Comi ao almoço um prato de favas suadas, um dos pratos do meu "top ten" gastronómico.  (Bem, senhora doutora dr, Ana Pimental, não foi bem um prato, foi um pratinho, juro pela minha rica saúde, de resto aí está a foto para o comprovar; mas sei que me vai puxar as orelhas na 3ª feira). Claro que, a seguir, "paguei as favas": não há crime sem castigo... Mas,  se não houvesse pecado na terra, a vida seria uma sensaboria (*)... 

O doente, submetido a radioterapia externa sobre a próstata, sabe que tem dois meses de amargura enquanto lá andar: tem que chegar ao IPO de manhã, "com o reto limpo e cheia a bexiga"... e deixar trabalhar a "radioterapia amiga" (**)... 

Além de beber muita "a(u)guinha da torneira", tem de "evitar" uma porrada de alimentos, nomeadamente os que provoquem obstipação e gases... A lista de proibições mata, logo à nascença, qualquer pobre candidato a pecador: pão branco (que, felizmente,  não gasto), cereais, amêndoas e nozes (de que sou fã), vegetais (ervilhas, feijões, couves, espargos, cebolas, alhos, e logo por azar favas, de que um perdido: como-as, só na época, mas uma meia dúzia de vezes); gorduras, fritos e  refogados: picantes, piripiri, pimentas de todas as cores (que também não gasto, as pimentas); mariscos (que adoro); fruta (laranja, limão, quivi, ananás, banana, morango, cereja, etc., etc.) (comia 4 peças de manhã, ao pequeno almoço, com iogurte natural, há 2 meses atrás); saladas (com tomate e azeitonas), e por aí fora...

Pior ainda: só "a(u)guinha", nada de bebidas alcoólicas,  muito menos cerveja e vinho branco (que é muito diurético)... E café, camarada, só três no máximo por dia (o que é um castigo para quem bebia seis).

Mas chega de desgraças: as favinhas suadas estavam - como eu hei de dizer ? - "queirosianas"... Mas a receita que o Jacinto, de "A Cidade e as Serras", provou e aprovou (, o "arrroz de favas", que fica  para a eternidade associado à Quinta de Tormes),  não tem nada a ver com as "favas suadas" da minha mãezinha, Maria da Graça, que era da Estremadura, e mais exatamente da Lourinhã....  A "chef" Alice, que é vizinha do Jacinto, adotou a receita e apurou-a. No Douro, não se faziam favas suadas no seu tempo de menina e moça, tal como não se comia lavagante ou arraia seca... e a sardinha era para três!).

Não sei se estas favas suadas são as melhores do mundo: de resto, meio mundo detesta favas... mas já pus no meu "testamento vital" uma das minhas últimas vontades (, não podem ser muitas, que não há tempo depois para cumpri-las todas): na véspera de eu morrer (, e oxálá seja num dia primaveril como o de ontem!), que me deem um prato de favas suadas!... 

E, por favor, não me enganem: são favas, e suadas, não são ervilhas, muito menos escalfadas. E têm que ser frescas, e descascadas uma hora antes... E se eu ainda puder ajudar (, o que deverá ser altamente improvável), sou eu que faço questão de descascar as favas... como sempre o fiz, com competência e paciência!... (Há quem goste de comer favas, mas não de as descascar.)

A cozinheira, essa, só pode ser a "chef" Alice, a quem também já pedi para, depois,  me mandar enterrar numa anta do meu país megalítico (***)... 

Enfim, espero (, mas, se calhar, é pedir demais à vida!),  poder ainda dizer, mesmo que seja baixinho, com a voz a sumir-se, antes de bater a bota: "Chita, as tuas favinhas souberam-me pela vida, como se dizia em Candoz... Ámen".

PS - A expressão "saber pela vida" , muito usada pelas gentes do Norte, e nomeadamente pelas mulheres, é deliciosa, e não se aplica só aos "comes & bebes"... Só encontro um equivalente na expressão do crioulo da Guiné, "manga di sabi".

____________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 15 de abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22105: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (28): sável frito com açorda de ovas, à moda da "chef" Alice, inspirando-se na gastronomia de Vila Franca de Xira

(**) Vd. poste de 19 de abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22115: Manuscrito(s)(Luís Graça) (200): Soneto do paciente do IPO - Lisboa, dedicado à equipa da unidade 3 do serviço de radioterapia que cuida de ti com gentileza, humanidade e competência

(***) Vd. poste de 5 de setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10332: Blogpoesia (198): Uma estranha maneira de dizer adeus (Luís Graça)

4 comentários:

Valdemar Silva disse...

Luís, venham as favas que as palavras não enchem barriga e fazem fome.
O Eça, que nasceu 100 anos (1845) antes de mim, escreveu sobre o arroz de favas servido por 'rija moça de peitos trementes', que deviam ser feitas num tacho com uns enchidos, água e sal, e quando fervesse deitava-se o arroz, coentros e hortelã que servia de guarnição a frango corado e entremeada frita. Afinal, era uma arroz de favas simplesmente.
Em criança, e mesmo em adolescente, não gostava de favas e de castanhas, pudera quando no tempo delas eram dias seguidos ao almoço e ao jantar, e pouco variava a confecção além da sopa.
Agora, costume cozinhar favas "à minha maneira" com duas qualidades de enchidos e entremeada que me dá para dois dias, e já chega.
Bem, continuando com a visualização das comidinhas da "chef" Alice não é fácil aguentar sem dar ao garfo e molhar o pãozinho.... e depois das 8 da manhã até às 3 da madrugada vai muito tempo.

Força contigo
Valdemar Queiroz

Anónimo disse...

Meu Caro Luís

Tens escrito ao longo destas décadas(!) de blogue muitos poemas que eu tenho francamente gostado.

Este teu texto sobre as favas suadas é um outro poema que,nas entre linhas, nos leva a...outras dimensöes,outros níveis,outras duras realidades.
Realidades que mais näo säo que...a vida.
Infeliamente.
Há que vivê-la,sabendo sorrir a todos os detalhes que... säo o que säo.
Detalhes.
Difíceis,dolorosos,assustadores,mas...detalhes num todo complexo.

Um abraco do J.Belo


Tabanca Grande Luís Graça disse...

Obrigado, amigos... Quanto à expressão que se usa muito na Tabanca de Candoz, «saber pela vida», fui encontrar esta resposta do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa:

(Excertos):
     
Pergunta:

(...) Em espanhol a expressão saber a gloria indica que uma comida é muito boa ou um facto é muito aprazível.

Como tradução ao português, no dicionário da Infopédia, encontrei a expressão «saber-lhe pela vida».

No caso de se usar, seria correto conjugar o verbo, por exemplo: «sabe-me pela vida»?

Obrigada.

Ana Maria Graça Professora Sevilla, Espanha 285

Resposta.

(...( A frase em questão está correta, ou seja, no sentido de «ter sabor», o verbo conjuga-se na 3.ª pessoa (singular ou plural) podendo ter associado um pronome pessoal referente à pessoa que tem a experiência do sabor: «sabe-me/te/lhe/nos/vos/lhes pela vida».

Construídas com saber (= «ter sabor»), registam-se outras expressões que parecem muito mais correntes do que «saber pela vida»1:

– «saber divinamente»: «o jantar estava ótimo e soube-me divinamente»;

– «saber que nem ginjas» (...) (popular) = «este petisco sabe que nem ginjas»; «isto sabe-me que nem ginjas»;

– «saber pelas almas»;

– «saber a nozes». (...)

in Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/consultorio/perguntas/saber-pela-vida/36236# [consultado em 22-04-2021]

Anónimo disse...



Lindos e saborosos pratos! Parabéns à chefe Alice e ao prosador Luís Graça, que os decora em fotos e numa prosa gulosa.
Abraço

Francisco Baptista