Igreja de Santa Sofia / Mesquita Azul, Istambul, Turquia
Texto e fotos recebidos em 15/6/2021
1. Continuação da série "Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo" (*), da autoria de António Graca de Abreu [, ex-alf mil, CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74.
Escritor e docente universitário, sinólogo (especialista em língua, literatura e história da China); natural do Porto, vive em Cascais; é autor de mais de 20 títulos, entre eles, "Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura" (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp); "globetrotter", viajante compulsivo com duas voltas em mundo, em cruzeiros.
É membro da nossa Tabanca Grande desde 2007, tem mais de 280 referências no blogue.
Igreja de Santa Sofia, Constantinopla ou Bizâncio, ou Istambul, Turquia, 2012
De um lado, uma flamejante Mesquita Azul, do outro uma enfeitiçada igreja de Santa Sofia. Quase no meio, o espaço-memória do hipódromo romano, lugar, outrora, de elevadas cavalarias, execuções primárias, mil tragédias e farsas no teatro do mundo. Por perto, a Cisterna mergulhada na terra, há quinze séculos dando de beber às gentes de Bizâncio, Istambul. Lá em baixo, o azul do mar.
Santa Sofia me entristece. No tempo do imperador Justiniano, em 537, era o maior templo cristão jamais construído, se não tocava as estrelas, pelo menos abraçava o céu.
Na cidade, ao longo dos séculos, tantos guerreiros, tantos conluios, tanto malquerer, tantos exércitos…Trinta quilómetros de colossais muralhas circundavam Constantinopla, Istambul. A brutalidade ignóbil das lutas pelo poder. Assassinavam-se, envenenavam-se, cegavam-se imperadores, decapitava-se gente honesta. As naves da igreja de Santa Sofia inundadas de lágrimas. No entanto, luxo e arte também floresciam. Candelabros gigantes iluminando a escuridão, pilares de mármore, painéis coloridos, mosaicos enormes, os retratos de santos, de Jesus Cristo e de Maria, a vastidão dos espaços, o dourado do tempo. Houve igualmente muitas primaveras de concórdia e harmonia, e pessoas felizes em vidas tão breves.
1453, os turcos tomaram Constantinopla, vieram os sultões muçulmanos, inventaram Istambul, o império otomano tomou forma. Expulsaram e mataram cristãos, transformaram Santa Sofia numa imensa mesquita.
Hoje, entro na espantosa Hagia Santa Sofia, mesquita e igreja, a da Divina Sabedoria. Que Alá seja grande no seu trono invisível, que o humilde Jesus, todo-poderoso, nas pinturas e mosaicos do século XI, meio escondidos pelo veredicto temeroso do Islão, continue o seu caminho, por dentro, por fora de Santa Sofia, para além dos séculos, rumo ao infinito.
António Graça de Abreu, em Istambul, 2012
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Nota do editor:
(*) Último poste da série > 10 de junho de 2021 > Guiné 61/74 - P22270: Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo (António Graça de Abreu) - Parte IX: Quioto, Japão, Abril de 2014
6 comentários:
Caro AGA,
No texto do teu espelho do Mundo escreves: "1453, os turcos tomaram Constantinopla, vieram os sultões muçulmanos, inventaram Istambul, o império otomano tomou forma. Expulsaram e mataram cristãos, transformaram Santa Sofia numa imensa mesquita."
Mas, esqueces que no espaço temporal que medeia o século XI do século XVI houve uma série de cruzadas que, vindas da Europa e movidas pela fé crista e pela ambiçao de conquistar e dominar territorios alheios, expulsaram, mataram e pilharam habitantes pacificos (bizantinos cristaos ortodoxos e muçulmanos) daquelas terras.
Enquanto continuarmos a ver a historia da humanidade a preto e branco e com oculos de preconceitos étnicos e religiosos, o mundo continuara dividido e com conflitos sem soluçao a vista como sao os casos no Oriente medio, com o mundo a derramar as suas lagrimas de crocodilo enquanto os diferentes povos locais, entre os quais Palestinos e Israelitas, perpetuam uma guerra de que mal conseguem enxergar as origens.
Cordialmente,
Cherno Baldé
Eu entendo-te, meu caro Cherno Baldé. Também pensamos e sentimos com o coração. O teu coração, muçulmano, o meu, mais liberto das algemas religiosas, a tua fé contra a minha ausência de muralhas na alma. Mas somos todos cruzados, não do alfange e da espada. A vastidão do mundo e da inteligência.
Um abraço, gosto de ti, meu irmão.
António Graça de Abreu
Caro AGA,
Eu também gosto de ti, aliás gostei muito do jovem AGA que esteve na guerra da Guiné, (r)evolucionário, bem humorado e crítico dos sistemas e das banalidades da vida mundana.
Por ocaso não somos muito diferentes na forma de olhar a religião, pois ambos nascemos em contextos e dentro de familias religiosas, o que não implicou, necessáriamente, que os nossos corações sejam cristão ou muçulmano.
As vezes, somos levados a intervir não para defender a religião em si, mas um certo sentido de justiça na abordagem dos temas ou seja a mesma honestidade intelectual que exigimos e reclamamos nos outros. Não fosse isso, podia ficar completamente indiferente sobre o assunto porque não sou Turco nem Árabe.
Um grande abraço e vamos tentar ser menos cruzados. Cuide-se.
Cherno Baldé
Antes de 1453, dos turcos otomanos tomarem Constantinopla, massacrarem a população cristã e tornarem Santa Sofia numa mesquita muçulmana, Constantinopla era uma cidade cristã e capital do Imperio Bizantino.
Em 1204 a 4ª. Cruzada foi desviada da ideia original da conquista do Egipto muçulmano, com a intenção dos cruzados tomarem Constantinopla a cidade cristã e capital do Império Bizantino, tudo por causa de questões relacionadas com o comércio entre Veneza e o Egipto naquela zona.
E a bela cidade cristã Constantinopla foi arrasada pelos cruzados cristãos, massacrando a população, pilhando Santa Sofia e tudo o que encontravam, dividindo entre si os despojos, relíquias e riquezas sendo tudo destruído com o incêndio devastador de Constantinopla.
Evocar como ideia revoltante o ano 1493 sobre Constantinopla e Santa Sofia sem referir da 4ª Cruzada é um esquecimento propositado de faciosismo religioso ou, então, não estar a par dos grandes avanços da eliminação do analfabetismo dos portugueses.
Abraço
Valdemar Queiroz
Eu escrevi: " A brutalidade ignóbil das lutas pelo poder. Assassinavam-se, envenenavam-se, cegavam-se imperadores, decapitava-se gente honesta. As naves da igreja de Santa Sofia inundadas de lágrimas. " Entenderam que eu me referia aos séculos cristãos, antes dos otomanos e do Islão? O Valdemar não entendeu nada.
Abraço,
António Graça de Abreu
Então, tenho que entender que o desastrosa 4ª Cruzada que tomara, saqueara, pilhara e incendiara Constantinopla está escrita nas entre linhas e a forma poética 'inundadas de lágrimas' é suficiente para se perceber não ser necessário apontar o facto com destaque.
E escrever 'Em 1204, a 4ª Cruzada tomou a cristã Constantinopla ....' não seria boa ideia para não ferir suscetibilidades, e vai com 'Em 1493, os turcos otomanos e muçulmanos...' que é o que está a dar.
Entendi
Abraço
Valdemar Queiroz
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