São Silvestre no Saltinho
Na passagem de 71 para 72, ou seja, há exatamente meio século (Santa Maria, Mãe de Jesus, o tempo que já lá vai…), encontrava-me eu na CCAÇ 2701, no Saltinho, para onde fora destacado, em serviço de diligência, sete meses atrás.
Tal como em Bambadinca, onde fizera inicialmente um estágio de cerca de três meses por conta dos Serviços de Informação Militares, não houve ceia especial e, muito menos, réveillon. Mas, no primeiro dia daquele “prometedor” Ano Novo, ao toque de alvorada, toda a gente se levantou de um pulo para participar na Grande Prova de Atletismo de São Silvestre, que tinha a respetiva partida marcada para as nove da manhã, na tabanca de Sinchã Maunde Bucô.
Era uma prova com apenas cerca de 10 km, aberta a militares e civis com assento na região, com prémios apetecíveis para os cinco primeiros classificados. Não seria, pois, de estranhar a fartura de candidatos que acorreu ao ponto de partida, conforme nos documenta, embora sem zoom, a foto n.º 1 de um qualquer repórter desconhecido.
Mas, interessante, interessante, seria reunir agora os mesmos atletas e pô-los a repetir a corrida de há cinquenta anos atrás.
Lá ao fundo, em Madina Bucô, toda a gente preparada para a partida (o jipe, ao volante do qual está o Capitão Carlos Clemente, fará as vezes dos batedores da polícia) Estes dois ciclistas (o Migueis, à civil, e um dos professores da CCAÇ2701) funcionariam como uma espécie de diretores/controladores da corrida. O carro da comunicação social, com especial destaque para a RTS (Rádio Televisão do Saltinho). O bigodinho preto e os rayban são do Furriel Miliciano Faria (Transmissões) Frente do carro-vassoura com meros acompanhantes da corrida (os desistentes da prova vinham na traseira da viatura, que outro lugar não mereciam); com uma folha de papel na mão, o 1.º Cabo Escriturário Simão (entretanto falecido). Posto de controlo na linha de chegada, à entrada principal do aquartelamento (o Alves, furriel miliciano vagomestre, está sentado à mesa, pronto a verter para o papel os nomes dos atletas por ordem de chegada; de pé, a seu lado, e de AVP1 no ouvido, o Damas (Transmissões); e à frente, mais duas figuras das Transmissões, cujo nome, de momento, não me ocorre; à esquerda, sentadinho atrás do ensonado cão de guarda, o 1.º Sargento Picado, já falecido (está sepultado em Aveiro, sua terra-natal, segundo creio). Chegada dos segundo e terceiro classificados da prova. O vencedor foi o 1.º Cabo Cosme, do Pelotão de Caçadores Nativos 53, de que não tenho imagens (com um treinador como o Alferes Paulo Santiago…) Na imagem, um dos tais "diretores/controladores” da prova (curiosamente, apesar de se deslocar em bicicleta, chegou depois de todos os outros - areão no piso, justificar-se-ia). Se repararmos bem, estava toda a gente de tacha arreganhada, falta saber onde estava a piada: atrás do Migueis, o 1.º Cabo Lourenço; na berma da estrada, dois homens das Transmissões, o 1.º Picado (calça escura) e alguns miúdos da população do Saltinho.
Traseira do carro-vassoura à chegada, com os desistentes da prova a meio-caminho, se tanto.
____________Nota do editor
Último poste da série de 1 DE DEZEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22768: Efemérides (358): Cerimónia de Concessão de Honras de Panteão Nacional a Aristides de Sousa Mendes, Lisboa, 19 de outubro de 2021 (João Crisóstomo, Nova Iorque)
10 comentários:
Diria que estou no jipe,ao lado do Clemente,mas estou quase a entrar com os neurónios em curto-circuito,não consigo lembrar-me daquele evento desportivo.Na data estava no Saltinho,regressara em 24/12 vindo de Bambadinca,para onde voltaria a 6/01.
As bikes,aquelas pasteleiras das fotos,de onde vieram? Não seria fácil fazê-las progredir no piso arenoso da picada.
BOM ANO 2022.
Santiago
Esta é boa!
Agora estarão alguns a coçar a cabeça ou a enrolar o bigode com a ideia de 'afinal quão perigosa era aquela guerra'.
Uma S. Silvestre de 10 km pela picada, com os concorrentes em fato de ginástica, alguns a abandonar pelo caminho, outros de bicicleta, uma viatura a acompanhar em "reportagem" e outra a servir de vassoura, nem lembra ao diabo na guerra da Guiné.
Então em 10 km, 10 km !!!, sem segurança, desarmados (não largar a G3 até na retrete) como é que era possível em 1971 ? Haveria informações categóricas de não haver problemas, não fora o Migueis de Informações, que naquele dia a guerra estava "parada a festejar o Ano Novo" ?
Sabia, por ter estado lá, que na zona de Contuboel-Sonaco não havia problemas com IN, nunca houve ataques, mas nunca saíamos a fazer corridas em fato de ginástica.
Esta zona do Xitole, e a estrada Sinchã Mamude Bucó-Xitole era assim tão "sem perigo" para se realizar estas corridas, ou viagens sem picagens ou segurança?
Não sabia, e tenho que filtrar 'aquela terrível guerra na Guiné' para evitar levar com esta da S. Silvestre do Xitole.
Talvez por estar a ficar cada vez mais doente do minha DPOC começo a pensar 'para quê saber isto ou aquilo se já não vou precisar de saber para fazer conversa.....'. É uma chatice mas, mesmo assim, gostava de saber como era a guerra nessa zona do Xitole.
Bom Ano para todos os camaradas e amigos, saúde da boa.
Aproveito para agradecer a todos que fizeram o favor de me contactar por telefone, msg ou email desejando-me Boas Festas. Muito obrigado, fiquei muito sensibilizado.
Abraço
Valdemar Queiroz
Mudam-se os tempos mudam-se as vontades neste "(caso a guerra e o deporto)" o que eu sei em 1965 a companhia que estava no Xitole foi uma mártire da Guerrilha. Até as bajudas em Bafatá quando queriam entrar com os tropas em ar de gozo diziam ói a bó vai no Xitole.
Vou tentar responder ao comentário do Valdemar Queiroz.
Nunca, durante a minha comissão,o trajecto Sinchâ Made Bucô-Saltinho foi "picado",era-o entre aquela tabanca e o Quirafo.
Em Sinchã Made Bucô,estavam destacadas duas secções(a outra em Cansamange)de um dos pelotões da Cª do Saltinho,havendo outro pelotão destacado em Cansonco.
A picada era utilizada pela população,diariamente,direi.Enquanto o itinerário Bambadinca- Bafatá-Galomaro-Saltinho-Xitole(via Duas Fontes) esteve aberto, era utilizado pelas viaturas do Jamil e Rachid, comerciantes no Xitole,sem circularem integrados em coluna militar,partia-se do princípio que não havia minas.Este itinerário ía entroncar na picada Sinchã Made Bucô-Saltinho na tabanca de Chumael,sendo que esta ficava quase junta aquela da partida para a prova de atletismo.
Estas condições,de alguma acalmia,alteraram-se após a substituição da CCaç 2701,porque a companhia substituta deixou de ter a confiança da POP.
Passados três meses e pouco em 17 de abril 1972,aconteceu a trágica emboscada no Quirafo,e na data,ainda a POP "falava"...em Sinchã M Bucô,avisaram o Comandante da coluna da previsível presença do IN, o que se confirmou.
Havia outras "facilidades".Lembro-me,quando estive no CIM de Bambadinca,out/71-Dez/71 jan/72-mar/72 na Instrução dos Milícias o tiro nocturno era numa carreira que ficava entre a ponte do rio Undunduma e o Xime. Sei que,mais tarde acabaram com a instrução nocturna num tal local.
Santiago
Santiago, continuo sem perceber.
Como é que se fazia uma prova de atletismo de 10 km por uma picada em plena mato sem qualquer segurança.
Em Piche ou Canquelifá faziam-se paródias dentro do perímetro do arame farpado, até quando havia jogo de futebol em Piche num terreno da pista um pouco afastado havia segurança montada, e todos os jogadores levavam a G3 que ficavam ensarilhadas para o que desse ou viesse.
Quer dizer que devemos juntar a Contuboel-Sonaco a picada de Sinchã M Bucô como um "paraíso" dentro daquele inferno da guerra.
Abraço e saúde da boa
Valdemar Queiroz
Valdemar Queiroz
No comentário anterior,disse que o "paraíso"(o termo é teu) tinha acabado quando a CCaç 2701 abandonou a zona em fim de comissão.Começou o inferno porque o estúpido do "proveta" que comandava a nova CCaç esqueceu uma norma da guerra de guerrilha,esta para alastrar precisa do apoio da POP,esta não podia ser hostilizada pelas NT.Arrogância,perseguir bajudas,negar apoio,contribuiu para transformar o "paraíso" em inferno.
Santiago
Gostava de entrar na conversa, mas esta gripe maldita não mo permite. Entretanto, subscrevo as explicações do Paulo Santiago ao Valdemar Queiroz, cujo espanto por certos comportamentos, aparentemente negligentes,não deixa de ser pertinente. Um abraço para ambos e para o José Colaço.
Migueis, até ver a gripe não se transmite por email.
Mas, nunca fiando nestas modernices que de vírus já apanharam do alfa ao ómega.
Tu, com as tuas INFOs dos caçadores e djilas, com certeza sabias não haver IN nas redondezas para se poder organizar um evento daqueles.
Uma maratona de 10km numa picada do mato da Guiné em guerra, foi obra. Quem não acreditar provavelmente vai atirar aquela 'encurta lá os km que eu nunca abati nenhum elefante'.
Abraço, saúde e cuidado com a gripe
Valdemar Queiroz
Caro Valdemar Queiroz:
Obviamente que, se não tivéssemos a certeza de que o perigo era nulo, nunca levaríamos a cabo tal "brincadeira". Na verdade, para além de ali termos uma Companhia que sabia impor respeito em toda a sua área de influência, dispúnhamos realmente de um serviço de informações que ia muito para além dos "caçadores e djilas", antes dispondo de uma rede de informadores treinados,aparelhados (já se usava uma tecnologia interessante para o tempo)e bem colocados no terreno. Alguns deles eram, até, melhor remunerados que eu próprio, pois, para além do ordenado base, tinham também direito a horas extraordinárias e prémios por objetivos. E só não digo que trabalhavam em regime de exclusividade porque, nestas coisas da espionagem, há sempre um ou outro vai contentando ambas as partes sem grandes pruridos nem confusões de maior. Dito isto (mais longe não vou, por agora), facilmente poderás concluir que estava tudo sob controlo, inclusivamente os próprios informadores do PAIGC, os quais puderam, com a maior das naturalidades, acomodar-se entre o numeroso grupo de assistentes para acompanhar aquela jornada de paz.
Tiro o quico ao "engenho e arte" do nosso Miguéis!... LG
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