quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P22958: Historiografia da presença portuguesa em África (302): "Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné", as partes I e II foram editadas em 1899, o seu autor foi Cristiano José de Senna Barcelos, Capitão-Tenente da Armada (6) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Abril de 2021:

Queridos amigos,
Do que até agora se transcreveu do importantíssimo trabalho de Senna Barcelos, a continuidade que o autor pretendeu dar à sua ampla investigação que se inicia com as primeiras viagens à região da Senegâmbia, e passando por três dinastias, dá perfeitamente para compreender o papel subalterno que era politicamente conferido à subcolónia, tudo era decidido em Cabo Verde, o governador punha e dispunha, embora as nomeações para Cacheu e Bissau viessem de Lisboa. O que agora se reporta corresponde ao período de intervenção de Honório Pereira Barreto, que sai claramente engrandecido na narrativa de Senna Barcelos. Barreto não só compra porções de território e oferece-os à Coroa, como troca correspondência bem frontal com os franceses em Gorée. E os ingleses também estão à espreita, não querem só a Serra Leoa, ambicionam estacionar no Rio Grande de Buba e apoderar-se de Bolama. Tudo é sempre precário em Bissau, como iremos ver na continuação e conclusão destes Subsídios para a História da Guiné e de Cabo Verde, parte IV, 1910, sublevações, homicídios, raptos, cercos à fortaleza e à povoação limítrofe serão fartura.

Um abraço do
Mário



Um oficial da Armada que muito contribuiu para fazer a primeira História da Guiné (6)

Mário Beja Santos

São três volumes, sempre intitulados Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné, as partes I e II foram editadas em 1899, a parte III, de que ainda nos ocupamos, em 1905; o seu autor foi Cristiano José de Senna Barcelos, Capitão-Tenente da Armada, oficial distinto, condecorado com a Torre e Espada pelos seus feitos brilhantes no período de sufocação de sublevações em 1907-1908, no leste da Guiné. 

O levantamento exaustivo a que procede Senna Barcelos é de relevante importância e não há nenhum excesso em dizer que em muito contribuiu para abrir portas à historiografia guineense.

Estamos em 1837, Honório Pereira Barreto está atentíssimo ao que se passa na região do Casamansa, assiste à gradual infiltração francesa. Em 16 de junho, dava conta ao Ministro da Marinha e do Ultramar da ida do governador da Gorée ao rio Casamansa numa escuna de guerra, com o fim de ocupar uma das margens, fazendo-se ali um estabelecimento comercial. Enviou-lhe cópias da correspondência trocada entre as novas autoridades e o comandante e governador do Senegal. O governo de Lisboa manifesta-se pouco sensível à gravidade da situação. Ora a presença a francesa tem o seu histórico. 

Foi em 1828 que o negociante francês comprou aos gentios na foz do Casamansa a Ilha dos Mosquitos (hoje Ilha Carabane), onde fez depósitos para guardar mancarra e outros géneros comerciais. Sorrateiramente, compraram também os franceses em 1837 a um chefe Mandinga um terreno denominado Selho para ali estabelecer as suas feitorias. 

Forçada em Ziguinchor a passagem pelo rio acima, sem que a nossa diplomacia por essa época conseguisse sacudir dali os franceses, o governador da Gorée mandou levantar a fortaleza guarnecida de boa artilharia e tropa. Era a política do facto consumado. E inventou-se a patranha de que o território estava associado à França. Vejam-se os argumentos. O governador do Senegal escreve em 28 de abril de 1838 que muito antes dos ingleses e portugueses a França tinha criado estabelecimentos no Senegal e que em 1713 o Tratado de Utrecht, entre a França e Portugal, tinha reconhecido o direito da França. O governador francês pura e simplesmente inventava argumentos, será prontamente refutado, o Artigo 21º do referido Tratado de Utrecht previa que a França evacuasse todos os territórios portugueses. A refutação não ficou por aqui, foi-se à história, invocou-se a Crónica da Guiné de Zurara, a Bula Papal que erigiu o bispado de Cabo Verde e onde se reconhecia a legitimidade dos portugueses no descobrimento e posse da Guiné, adicionando mais elementos, como o Tratado Breve dos Rios da Guiné, de 1594, o seu autor foi André Alvares d’Almada, a Relação do Padre Fernão Guerreiro, de 1605 e a Descrição da Guiné escrita em 1669, por Francisco de Azevedo Coelho.

Senna Barcelos é minucioso em toda esta documentação sobre a presença francesa no Casamansa, a troca de correspondência com o Ministro da Marinha e Ultramar é abundante. Logo a carta de Sá da Bandeira, datada de 21 de junho de 1838 em que dá notícia que a rainha ordena ao governador-geral de Cabo Verde que expeça ordem ao governador de Bissau para que com a maior brevidade erija um forte com bandeira portuguesa na margem do sul da embocadura do rio Casamansa, no mesmo braço do rio em que se acha o estabelecimento francês feito em 1828. E há os protestos de Ziguinchor pela atitude soberana e provocatória de barcos de guerra franceses. O cinismo deixa de ter limites na gula francesa, veja-se a carta do comandante da ilha de Gorée, G. Dagorne enviada para Ziguinchor:

“Tenho a honra de vos informar oficialmente que acabamos de adquirir em nome de Sua Majestade, o rei dos Franceses, na aldeia mandinga de Selho, um terreno destinado para estabelecer uma feitoria. Estando convencido que as relações mais extensas, que esta circunstância vai estabelecer entre o comércio e os habitantes de Ziguinchor, serão úteis e agradáveis a ambos os lados, eu espero que as embarcações mercantes francesas, que navegarem no Casamansa para cima e para baixo, longe de experimentarem o menor embaraço neste lugar, onde comandais, acharão pelo contrário todo o bom acolhimento e benevolência, que prestam ordinariamente as nações civilizadas e amigas”.

Honório Pereira Barreto deu-lhe prontamente a resposta:

“Acabo de ser informado pelo comandante de Ziguinchor que Vossa Excelência a bordo de um navio de guerra passou aquele presídio, foi pelo rio acima e comprou um terreno aos Mandingas em Selho. Por este motivo o supradito comandante protestou contra semelhante ato e eu da minha parte me dirijo a Vossa Excelência para dizer que a compra que Vossa Excelência fez do terreno nada influi, muito bem sabe que não tinha direito algum de passar a bandeira portuguesa dentro do rio Casamansa; e que Vossa Excelência não fez mais do que usar do direito da força que nada valida, e assim eu protesto contra uma tal agressão por Vossa Excelência cometida”.

Todas estas peripécias estão minuciosamente inventariadas por Senna Barcelos, dá-se mesmo conhecimento ao governador da Gâmbia de tudo quanto se está a passar, mas da Gâmbia não chegaram os socorros pedidos por Honório Pereira Barreto. O governador do Senegal insiste com os direitos históricos franceses, sempre refutados e o governador de Cabo Verde informa da situação para Lisboa.

Mas os acidentes não acabam por aqui, vão-se estender a Bolama, isto enquanto Honório Pereira Barreto procura adquirir mais parcelas na Guiné. Ele passa por Bolama em dezembro de 1937, é governador da Guiné, e ratifica a posse da ilha, onde Caetano Mozolini e Aurélia Correia possuíam boas propriedades agrícolas e urbanas na região oeste. 

Barreto celebra em 25 de dezembro desse ano um acordo com Ondoton, rei do Chão de Intim, obrigando-se o governador a entregar a este rei mensalmente 12 frascos de aguardente e 25 libras de pólvora e o rei de Intim obriga-se a submeter toda e qualquer questão ou desavença à decisão do governador da Praia. Barreto compra o Ilhéu do Rei em novembro de 1839. Mas a chamada questão de Bolama já está em curso. O tenente Kellet, comandante do Brisk, deixou cometer os maiores desatinos em Bolama em dezembro de 1838, também aqui Senna Barcelos deixa abundantes referências à ação do governador. Barreto pede exoneração em 1839, e é-lhe concedida. Da força existente em Cabo Verde e Guiné, era assim a sua distribuição na Guiné em 1840: 96 em Bissau, 39 em Cacheu, 13 em Farim, 10 em Ziguinchor (com um alferes), 4 em Bolor, 15 em Geba (com um alferes), 15 em Bolama (com 2.º sargento e um cabo), um total de 184 militares. São crónicas as insubordinações das forças militares de Bissau. Em 18 de novembro de 1840 passou a Bissau o Major Alois de Rolla Dziesaski, será governador de Bissau em diferentes períodos.

(continua)


Mapa histórico da Senegâmbia em 1707
Rio Casamansa
Estátua de Honório Pereira Barreto em Bissau, período colonial. O Estado independente ainda não reviu a sua posição com um dos seus pais-fundadores
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Notas do editor

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