sábado, 5 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P22971: (Ex)citações (403): no país onde nascemos, nem as "iscas com elas" eram para todos (Eduardo Estrela, Cacela Velha, Vila Real de Stº António; ex-fur mil at inf, CCAÇ 14, Cuntima e Farim, 1969/71)

1. Mensagem do nosso amigo e camarada Eduardo Estrela (ex-fur mil at inf, CCAÇ 14, Cuntima e Farim, 1969/71; vive em Cacela Velha,  a jóia da Ria Formosa, cantada por Sophia; um das suas paixões é o teatro amador, mas também comeu, na infância, órfão de pai,  "o pão que o diabo amassou" (*).

Data - 1 dez 2021 23h31

 Data - sexta, 4 fev 2022 , 21:06 
Assunto  - Iscas com elas (*)


Caro amigo camarada e companheiro!

Imagina fins da década de 50,  início da de 60. 

Imagina um puto de 10 ou poucos mais, cujo pai, seu herói como são todos os pais, tinha ficado chateado com a puta da vida e decidido partir.

Na tropa,  tal como hoje, calçava n° 40, mas à época e com a idade atrás referida, esse puto tinha o "privilégio" de calçar sapatos n° 41 ou 42, com jornais na frente interior para não caírem dos pés.

Uma sopa confeccionada com o requinte de dez tostões de ossos comprados no talho e algumas, poucas vezes, iscas normalmente acompanhadas com elas, de modo a melhor lastrar a vasilha digestiva, eram um verdadeiro requinte e um manjar a que infelizmente muitos jovens Portugueses, àquela época, não tinham sequer acesso.

Esse era o País onde ambos nascemos! E esse puto era eu! (**)

Espero que tudo esteja a correr bem com a tua saúde.

Abraço fraterno.

Eduardo

P.S. - Podes publicar no blog com as notas pessoais que achares por bem incluir. 

__________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 3 de fevereiro de  2022 > Guiné 61/74 - P22960: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (31): "Iscas com elas..."

(**) Último poste da série > 5 de fevereiro de  2022 > Guiné 61/74 - P22969: (Ex)citações (402): adeus, Fajonquito!... Abandonámos o quartel quando vimos o primeiro macaco-cão "sorridente" (dentes ensanguentados à mostra), a ser arrastado para a cozinha... (Cherno Baldé)

2 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Eduardo, fiquei muito sensibilizado com o teu comentário ao poste sobre as "iscas com elas", um prato popular, em Lisboa, desde os finais do séc. XIX, e que em geral era servido nas "tascas", frequentadas pelos mais pobres...

As "iscas de fígado" eram "baratas"... mas era preciso algum dinheiro, alguns tostões, para as comprar no talho... Bem como as batatas, na praça, a quem não tinha horta... Já nascemos numa economia monetarizada, e num tempo difícil, no pós-guerra, em que o dinheiro era escasso no bolso dos pobres... Ou mesmo numa família "remediada", um eufemismo que usávamos para pôr os pobres, no meio, entre os ricos e os pobrezinhos, ou "pobres de pedir"... Não havia "classe média" no Estado Novo...

Fiquei muito sensibilizado pelo que escreveste com coragem e franqueza:

"Imagina um puto de 10 ou poucos mais, cujo pai, seu herói como são todos os pais, tinha ficado chateado com a puta da vida e decidido partir"... Não podias ser mais claro, conciso e preciso... Como é que se explica isso, a um puto de dez anos ou pouco mais ?!... Que o seu herói, o seu pai, partiu para uma viagem sem retorno, zangado com a vida e com o país onde nasceu ?!...

Há mortes de que nunca se consegue fazer o luto... A morte, prematura, inesperada, absurda, de um pai, de um filho, de um cônjuge...

Eduardo, desculpa, não dá para "brincar" com iscas com elas ou sem elas... Sinto muito. Mas espero que já tenhas feito o luto e perdoado ao teu herói que te deixou, "só e abandonado", na idade em que mais precisavas dele...

Mas "faz-nos bem" falar das nossas "perdas", dos nossos "lutos",dos nossos "queridos mortos"... O nosso blogue também serve para isso... Boa noite. Um abraço fratermo. Luís

Anónimo disse...

eduardo francisco
6 fev 2022 15:49

Olá Luís! Mantenhas e boa tarde!

Sou um mero aprendiz de feiticeiro, consciente de que a vida é um acumular de sabedoria constante que deve ser transmitida aos mais novos, com a coragem de também com eles aprendermos.
Quem diz que burro velho não aprende línguas é imbecil!
Todos fazemos falta a qualquer coisa.

Tu, para além da forma meticulosa e poética como te exprimes e a tua coragem e dedicação a causas que são valores basilares da vida, vais pela certa contribuir para o engrandecimento da memória colectiva das novas gerações.
Bem hajas Luís! Tu e todos os companheiros/camaradas que adubam com o seu esforço a manutenção do blogue.

Um abraço fraterno para todos.

Eduardo