Infografias: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, adapt, de brochura abaixo citada (s/d), pág. 13 (*)
(...) Houve um tempo em que todos os seres viviam na mais foi perfeita harmonia e a paz reinava por toda a parte. Isto passou-se antes de ter nascido uma garça chamada Macute e que ficará para sempre como o anjo mau que perverteu o mundo.
Foi o caso que numa manhã de sol, quando as manadas de búfalos pastavam nas lalas verdejantes de Bambadinca, uma garça ainda nova e inexperiente, ao esburgar com o bico as carraças de um búfalo, picou-o profundamente, o que o levou a dar um sacão com a cauda, sacão que apanhou a garça e a fez cair ! (...)
(...) Mandou o bicho homem chamar o rei dos bichos que andam e que é, contra o que se pensa, o elefante. (...)
2. Não creio que algum de nós, antigos combatentes, tenha posto a vista em cima de búfalos e elefantes, durante a guerra... A não ser talvez o "básico de Bambadinca" que, contava-se, um dia, quando estava de sentinela, acordou todo o quartel e as tabancas à volta, aos tiros de G3 em posição de rajada...
Interpelado pelo graduado que fazia a ronda, jurou que tinha visto uma manada de elefantes junto ao arame farpado... Em Angola e Mooçambique talvez fosse mais fácil, na época, encontrar elefantes em plena natureza...
Tanto o elefante como o búfalo são hoje animais raros, quer nas savanas quer nas florestas da Guiné-Bissau. (Vd. infografias acima reproduzidas). E, teoricamente, estão protegidos por lei. Mas a caça furtiva e sobretudo o abate das árvores de grande porte são dois dos factores apontados pelo IBAP (Instituto da Biodiversidade e Áreas Protegidas, da Guiné-Bissau) para o desaparecimento progressivo (e se calhar irreversível) destas e doutras espécies de animais de grande porte, emblemáticos, e que, no passado, existiam em abundância.
Acrescente-se os seus nomes tradicionais nalgumas das línguas dos povos da Guiné-Bissau:
O nome científico do búfalo é Syncerus manus planiceros (Bly); em crioulo é Bufre; em balanta, Impungde; em fula, Edá; e Siô, me mandinga.
Quanto ao elefante: o nome científico é Loxodonta cyclotis (Matsch). Os fulas chamam-lhe Nhiuá; para o futa.fula é Maubá; em madinga diz-se Samom; em manjaco, Olom; em papel, Oinga; e em saracolé, Turé.
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Notas do editor:
(*) Fonte: Guia de Identificação dos Animais da Guiné-Bissau. República da Guiné-Bissau, Direcção Geral dos Serviços Florestais e Caça, Deparatmento da Fauna e Protecção da Natureza, s/l, 34 pp. s/d (Disponível em formato pdf, aqui, no sítio do IBAP ,
https://ibapgbissau.org/Documentos/Estudos/Animais%20da%20Guine-Bissau.pdf)
(**) Vd. poste de 31 de janeiro de 2022 > Guiné 61/74 - P22951: Antologia (83): O Cativeiro dos Bichos, conto de Artur Augusto Silva (Cabo Verde, 1912 - Guiné-Bissau, 1983), escrito na Prisão de Caxias, em 1966, e que era uma fabulosa fábula que tinha também uma contundente crítica, implícita, à hipócrita política colonial do Governo Português da época
(***) Último poste da série > 10 de dezembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22794: Fauna & flora (17): três animais das fábulas guineenses: o leão, o lobo (hiena) e a lebre
Vd. poste anterior > 24 de julho de 2021 > Guiné 61/74 - P22401: Fauna & flora (16): Répteis da Guiné-Bissau que é preciso conhecer e proteger: 2 crocodilos, o crocodilo-do-Nilo (Lagarto) e o Lagarto preto; e duas linguanas (a de água e de mato)
https://ibapgbissau.org/Documentos/Estudos/Animais%20da%20Guine-Bissau.pdf)
(**) Vd. poste de 31 de janeiro de 2022 > Guiné 61/74 - P22951: Antologia (83): O Cativeiro dos Bichos, conto de Artur Augusto Silva (Cabo Verde, 1912 - Guiné-Bissau, 1983), escrito na Prisão de Caxias, em 1966, e que era uma fabulosa fábula que tinha também uma contundente crítica, implícita, à hipócrita política colonial do Governo Português da época
(***) Último poste da série > 10 de dezembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22794: Fauna & flora (17): três animais das fábulas guineenses: o leão, o lobo (hiena) e a lebre
Vd. poste anterior > 24 de julho de 2021 > Guiné 61/74 - P22401: Fauna & flora (16): Répteis da Guiné-Bissau que é preciso conhecer e proteger: 2 crocodilos, o crocodilo-do-Nilo (Lagarto) e o Lagarto preto; e duas linguanas (a de água e de mato)
2 comentários:
É interessante verificar que neste conto ou fábula da literatura oral fula, o "anjo mau" que introduziu o pecado, o mal, o conflito, a guerra no mundo seja também uma "Eva", uma fêmea, a garça Macute... "Misoginia" das sociedades patriarcais, teocráticas, bíblicas ?
Por outro lado, o rei da selva não é o leão mas o elefante... Talvez o Cherno Baldé possa acrescentar algo mais ou contestar a minha "leitura". De resto este conto ou fábula não tem uma leitura "única"...
Caro Luis Graça,
A tradição africana e fula em particular não menospreza a mulher nem a segrega como alguns estudiosos ocidentais apresentam em seus estudos. Os africanos, sobretudo, nas comunidades de cultura ou roupagem islámica, onde eu cresci e fui educado, protegem a mulher, poupando-a de muitos trabalhos físicos e da exposição exagerada ao público, ao mesmo tempo que fazem tudo para se proteger da inteligência superior e argúcia das mulheres. Mais tarde, ao ler a biblia (antigo testamento-Livros poéticos e sapiênciais) nos capítulos dos Salmos, provérbios, Eclesiastico, Cánticos dos Cánticos, e sabedoria do Salomão, percebi a ligação com o fundo da cultura judio-Cristã e asiática em geral.
No fanado (ritual de iniciação a vida adulta entre os africanos da região ocidental) a ferramenta mais importante consiste em dotar aos jovens rapazes a técnica de descobrir os malefícios e artimanhas inerentes ao sexo feminino e de caoacidades de reconhecer as sementes da discordia que as mulheres são capazes de semeiar entre irmãos da mesma familia. Diziam-nos (em letras musicais): "Se as fronteiras que nos dividem aparentam ser normais, são as mulheres que nos dividem, posto que, se todas as portas (da morança) são idênticas, cada uma limpa a porta da sua casa e cria a sua fronteira". Desta forma, a sociedade patriarcal tentava proteger-se da divisão, cada vez, em unidades menores das familias extensas, que era um dos desafios maiores que as sociedade rurais africanas enfrentavam no limiar dos séculos XIX/XX, com recursos muito escassos do ponto do vista económico e com várias ameaças a coesão social a partir do exterior das comunidades.
A Garça Macute do conto com ambição de se coroar em rainha da espécie representa a mulher pretensiosa que é uma ameaça a ordem estabelecida e a coesão familiar que alimenta a semente da discórdua e da divisão.
Em muitas comunidades e familias africanas existem práticas e crenças, fundadas ou não, que atestam a "diabolização" da mulher, ligando-a a forças ocultas e/ou ao azar, má sorte para o homem em viagem ou que parte para a guerra. Lembro-me que na nossa familia as mulheres se escondiam quando os homens partiam para uma viagem dificil ou para a guerra e ai de quem se atrevesse a cruzar-se de frente com o "bravo" a saida da morança e mesmo da aldeia, porque era um mau augúrio.
Infelizmente, por força destas vivências, mesmo não o impondo a ninguém, sou perseguido por estas crenças e não raras vezes sou confrontado com a opção dificil de acreditar ou não acreditar, de recuar ou avançar, a verdade é que, tenho constatado, o encontro com a mulher, em muitas ocasiões, sempre deu-me azar, infelizmente. A minha "kontrada", pelos vistos, como dizem os guineenses é homem. Faz parte das pancadas ou taras que carreguei desde a infância.
Quanto ao rei dos animais, de facto, é o elefante e não o leão. É incrível como os contos encerram realidades vividas no passado. O Elefante era sempre dotado de paciência, sabedoria e de capacidades extraordinárias de sobrevivência entre os animais em situações extremas de penúria e seca. Mais tarde, através de filmes, documentáros ocidentais, constatei a veracidade daquelas palavras dos antepassados, vendo como os elefantes conseguiam detectar a presença d'água e de a fazer aparecer a superfície salvando a manada e restantes animais de uma morte mais que certa.
Com um abraço amigo,
PS: Queria responder desde ontem, mas fui interrompido pelos acontecimentos lamentáveis que todos já sabem.
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