Capa do livro "Dicionário de falares do Alentejo", de /Vítor Fernando Barros e Lourivaldo Martins Guerreiro. - 3ª ed., muito ampliada ( Lisboa;: Âncora, 2013. - 294 p., a 2 colunas, ISBN 978-972-780-420-7). VItor Fernando Barros, transmontano, professor do ensino secundário, é aind autor de outros livros que podem interessar os nossos leitores, tais como: "Dicionário de Falares das Beiras", "Dicionário do Falar de Trás-os-Montes e Alto Douro", "Dicionário de Português Europeu para Brasileiros e vice-versa".
Adicionalmente, em dia de Namorados, esta peça é uma obra-prima de marotice e de saudável bom humor, pese embora o traço grosso da caricatura da mulher alentejana e do padre católico perdido em antigas terras de mouros... Sem "tradutor", a gente ficava a "ver navios"... Afinal, quantas "línguas" se falam em Portugal ?
O Manuel Gonçalves não refere a página em que vem esta peça no "Dicionário de Falares Alentejanos", livro que não tenho mas que vou adquirir. Obrigado, Manel, pela tua atenção. Esperamos não ofender ninguém, a começar pelos alentejanps e os católicos... De qualquer modo, é de "caranço" (ternura) que todos estamos a precisar, nos dias que correm, e nas nossas idades... (LG)
Data - quinta, 10/02/2022, 15:42
Assunto - Alentejano vs Estrangeirismo
A língua portuguesa é muito rica, não há dúvida... Quando toda a gente fala por estrangeirismos bacocos, neologismos ou no vaidoso jargão técnico, sabe bem lembrar a bela e rica linguagem popular alentejana contida neste delicioso e maroto texto. Deliciem-se.
A língua portuguesa é muito rica, não há dúvida... Quando toda a gente fala por estrangeirismos bacocos, neologismos ou no vaidoso jargão técnico, sabe bem lembrar a bela e rica linguagem popular alentejana contida neste delicioso e maroto texto. Deliciem-se.
Confissão Alentejana
Fonte: Adapt. livre de Dicionário de falares do Alentejo / Vítor Fernando Barros, Lourivaldo Martins Guerreiro. - 3ª ed., muito ampliada. - Lisboa : Âncora, 2013. - 294 p., a 2 colns ; 23 cm. - Bibliografia, p. 291-294. - ISBN 978-972-780-420-7 (Com a devida vénia...)
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Nota do editor:Último poste da série > 13 de maio de 2021 > Guiné 61/74 - P22197: Usados & Achados: pensamentos para aumentar a nossa resiliência em mais um "annus horribilis" (10): Dia da espiga... para que não nos falte o pão (espiga de trigo), a alegria (videira), a paz (oliveira), a saúde (alecrim), o amor (papoila) e a sorte (malmequer)...
− Louvado seja Jesus Cristo!
− Louvado seja sempre
− Há quanto tempo não te confessas, minha filha ?”
− Vai fazer um mês, Senhor Padre.
− Ó minha filha, então porquê? Costumas vir todas as semanas. O que te apoquenta?
− Senhor Padre, nem sei como lhe dizer. Anda um assunto aberrundando-me, mas...
− Procura-me o que quiseres, filha. Não deves ter melindres de desabafar com o teu confessor.
− O meu noivo, Senhor Padre... Está em alas para experimentar... O que as pessoas fazem depois de casadas...
− Agora cá! Mas vocês não são casados, valha-me Deus! Não podem ir contra as leis de Deus, filha! Querem casar ou querem ajoujar-se?
− Casar, Senhor Padre. Mas ele diz que entre noivos não haveria de ser grande pecado.
− Isso é lá a julgadura dele. Mas é a ele que cabe estabelecer a lei de Deus? Que pachouvada! Tu tens de ser rabeta e ter tinório.
− Então, como devo fazer? Não quero que ele fique alcanchofrado comigo. E Senhor Padre, nós estamos muito encegueirados um pelo outro. Ele anda desinsofrido.
− Eu entendo-te, filha. O caso está bichoso. Um homem não é de ferro e uma moça também não. Se não existissem esses desejos ninguém casava. Tal como se não existisse o paladar ninguém comia e morríamos todos. Acontece que o ser humano quando é cristão tem de seguir as boas leis de Cristo. Não nos devemos afastar do Evangelho. Atinta nas minhas palavras, pois elas são para teu bem. Mas para que te possa aconselhar melhor deves contar-me tudo o que vós tendes feito durante o vosso derrete.
− Como assim, Senhor Padre?
− Tudo. Conta-me tudo. Já o viste à espervela? Ele toca-te?
− Ai Jesus! Que entalo!
− Mexeu-te nas lanteriscas? Não sejas marreta e conta-me.
− Senhor Padre, quando estamos beijando ele quer que lhe mexa no martelinho. Mas eu não sei se devo. Mas nunca o vi nadavau.
− Ele é merlo mas tu terás de ser mais mérrula. Não podes albardar isso. Tal mimo desperta os apetites do verdugo e num flaite estás em privança. Não te esqueças que podes ficar embaraçada. Já viste que papel seria?
− Não quero isso, Senhor Padre. Que dava um patatum à minha mãe. E o arrecuão que o meu pai me daria até me causa agasturas.
− Tem calma, filha. Tenta apressar a boda. Podes beijá-lo com caranço mas sem escofiar as lanteriscas do moço. Não tomes isto como um recado. És esgalhada, empapoilada e tens andado a aziá-las. Ele também te mexe na rola?
− Ai, Senhor Padre!
− Se não me contas a mim hás-de contar a quem? Dou-te bons conselhos no sentido de evitar a gadela. Todo o homem é pirata. Sei que não és moça alvarina. Confia no teu confessor. É para tua boa orientação, filha. Apressa a boda. Mexeu-te na pinta? Por cima ou por baixo dos froxéis?
− Por baixo, Senhor Padre...
− Não é galinha-morta esse teu noivo, não! E enquanto isso acontecia estavas dando-lhe galanduchas no seu romão-cego ?
− Sim, Senhor Padre...
− Nâo é nenhum mata-formigas, não. Não ficaram almareados? Conseguiram parar a tempo?
− Sim, Senhor Padre... Mas está ficando cada dia mais difícil. Dá-me a espertina de noite. Sinto uma calorina pelo corpo todo. E passo o tempo afofando estar com ele outra vez.
− Apressa a boda! Não te deixes enodoar, filha. A vila está cheia de trogalheiras sempre à espreita. Fazem de ti uma bagaça e lá vai o noivado para o maneta.
− Isso é que nunca! Dava-me uma travadinha que nunca mais me recompunha. Vou ter cautelas, Padre.
− Agora diz três Avé-Marias e o acto de contrição. Para a semana voltas cá. E tornas a contar-me tudo.
Aberrundar: atormentar
À espervela: à mostra, a nu
Afofar: achar gosto antecipado a qualquer coisa
Agasturas: ânsias
Agora cá!: não penses nisso!
Ajoujar-se: amancebar-se
Alas (Estar em): estar ansioso
Albardar: permitir
Alcanchofrado: zangado
Alvarina: leviana
Arrecuão: descompostura
Atintar: ver bem
Bichoso: difícil de resolver
Calorina: calor
Caranço: ternura
Derrete: namoro
Desinsofrido: impaciente
Embaraçada: grávida
Empapoilada: bem vestida, garrida
Encegueirados: apaixonados
Enodoar: manchar a reputação de alguém
Entalo: aflição
Escofiar: acariciar
Esgalhada: airosa, formosa
Estar a aziá-las: estar a pedi-las
Flaite (Num): num instante
Froxéis: roupa interior de senhora
Gadela: cópula
Galinha-morta: tolo
Julgatura: opinião
Lantriscas; partes íntimas
Marreta: teimosa
Martelinho: pénis
Mata-formigas: parvo
Merlo: esperto
Mérrula: astuta
Nadavau: nu
Pachouvada: asneirada
Papel: escândalo
Patatum: chelique
Pinta: vagina
Pirata: malandro
Procurar: perguntar
Recado: repreensão
Romão-cego: pénis
Rola: orgão sexual feminino
Tinório: muito juízo
Verdugo: homem musculoso
Fonte: Adapt. livre de Dicionário de falares do Alentejo / Vítor Fernando Barros, Lourivaldo Martins Guerreiro. - 3ª ed., muito ampliada. - Lisboa : Âncora, 2013. - 294 p., a 2 colns ; 23 cm. - Bibliografia, p. 291-294. - ISBN 978-972-780-420-7 (Com a devida vénia...)
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Nota do editor:Último poste da série > 13 de maio de 2021 > Guiné 61/74 - P22197: Usados & Achados: pensamentos para aumentar a nossa resiliência em mais um "annus horribilis" (10): Dia da espiga... para que não nos falte o pão (espiga de trigo), a alegria (videira), a paz (oliveira), a saúde (alecrim), o amor (papoila) e a sorte (malmequer)...
2 comentários:
Manel:
não conhecia este dicionário dos falares alentejanos do Vitor Fernando Barros, transmontano como tu, rendido à diversidade e riqueza do(s) falar(es) alentejano(s)... Se puderes manda-me o nº da página donde tiraste esta deliciosa "confissão alentejana"... Não tenho o livro.
Para acabar o "dia dos namorados", e termos bons sonhos, nada como esta peça, que é pouco conhecida na Net, e que tu em boa hora nos mandaste. Espero que os nossos "capelães" tenham também sentido de humor...E que no céu também se cultive esta arte de brincar com as coisas sérias da vida terrena... (Se assim não for, eu digo já que não quero ir para lá...).
Um abraço fraterno. Um beijinho para a Tucha. Luis
Estive deliciado a ler estes contos alentejanos, e quero começar por dizer que gosto de tudo sobre Alentejo, alentejanas e a boa comida alentejana.
Li encantado a confissão da dita casadoira, e as perguntas matreiras do Senhor Padre - Confessor, tinham segundo e terceiro sentido.
Sabemos, infelizmente, dos abusos de alguns confessores, quando têm na sua frente uma mulher de se tirar o chapéu, isto passa pela comunicação social. O pior é alguns apanharem crianças e sentando-as nos seus joelhos, lá vão saboreando aquilo que não deviam.
Mas indo ao assunto, eu não tinha visto o dicionário, por isso tirava pela 'pinta' algumas palavras e o seu significado, normalmente intuitivo. Não falhei muito, e já não vou ler novamente com o dicionário.
É um conto, ou falares alentejanos, e pelo tema em si, são uma delicia para o corpo e para a alma.
Foi pena não ter lido ontem, mas hoje e amanhã é sempre actual.
É claro que isto se aplica igualmente a terras transmontanas e de norte a sul.
Tinha um amigo, transmontano de Chaves, criador e negociante de gado, que acompanhei como consultor financeiro por muitos sítios, nos anos 60, os preços eram combinados 'em tantas notas por cabeça' já não me lembro qual era a nota, de 100$ ou 1000$.
Também tinha uma linguagem bem típica, mas nada disto.
Esteve prisioneiro na India junto com o meu irmão, no mesmo Campo de Concentração, e ganharam uma boa amizade, que passou para as nossas famílias.
Cá pelo Porto, também há muita 'treta' de difícil compreensão, que só alguns percebem.
Obrigado Manuel Gonçalves por este bom bocado bem passado.
Abraços para todos e desejos de boa saúde,
Virgilio Teixeira
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