terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P23000: Blogpoesia (765): "Para ti, Ó Mulher Grande", por Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro da CCS/BCAÇ 2845

1. Mensagem do nosso camarada Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro da CCS/BCAÇ 2845 (Teixeira Pinto, 1968/70) com data de 11 de Fevereiro de 2022 com mais um dos seus trabalhos verso, desta vez dedicados às Mulheres Grandes de Teixeira Pinto, afinal a todas as Mulheres Grandes da Guiné do nosso tempo:

Mais uma vez a enviar para a Tabanca mais esta coisinha e porque já há muito tempo que não o faço.
Porém, não me esqueço de visitar a Tabanca porque também é minha.

Um Grande Abraço para todos os Tertulianos em Especial Para seus Régulos e Chefes de Tabanca.
Albino Silva


PARA TI, Ó MULHER GRANDE

Para ti ó Mulher Grande
Tu que és Mulher e Mãe
És a mulher da Guiné
És igual à minha também.

Para ti ó Mulher Grande
Aquela que na Guiné vi
Em Bolanhas que trabalhavas
Em Tabancas que conheci.

Vi em ti ó Mulher Grande
Coisas que não tinha visto
E para nunca esquecer
Vim aqui escrever isto.

Eu te via pelas matas
Quando a lenha ias apanhar
Que a carregavas à cabeça
Para a Tabanca levar.

Tomavas conta dos filhos
Na Bolanha ias trabalhar
Ainda ias de redes à pesca
Para o teu peixe pescar.

Cultivavas a vianda
No sal ias trabalhar
Cuidavas tua Tabanca
Andavas sempre a lutar.

No solo de tua Tabanca
De vassoura improvisada
Lá ias varrendo tudo
Eras mulher asseada.

Sem luxos mal vestidas
Tudo era bem ao natural
E mesmo na alimentação
Te alimentavas muito mal.

Sei que a cultura africana
Que é diferente da minha
Assim via a Mulher Grande
Dar aquilo que não tinha.

O que mais me custava ver
Quando davas de mamar
Ao filhote agarrado a peles
Sem leite para se alimentar.

Quantas mulheres guineenses
Com seus filhos a chorar
Sem ter alimentos ou pão
Para sua fome matar.

Trabalho árduo na bolanha
Trabalhavas sem descansar
E quando chegava a colheita
O bandido te ia roubar.

Reconheço Mulher Grande
Com a vida difícil de levar
Quando na tabanca, doente
Sem mesinho para tomar.

Quantas vezes na tabanca
Aquelas que fui visitar
Socorrê-las, dar-lhe mesinho
Mulher Grande eu ia curar.

Sinceramente ficava triste
Quando as via tanto sofrer
Quando as queria ajudar
E nada podia fazer.

Ainda hoje vejo Mulheres
Na imensa África a sofrer
Na tabanca ou deslocadas,
aos poucos as vejo morrer.

Vão morrendo de doentes
Com fome sem ter que comer
Ao colo delas seus filhos
Com suas Mães a morrer.

Enquanto vão tendo forças
Com a fome vão chorando
E já sem forças e sem Pão
Mães e Filhos se vão calando.

Tanta coisa estragamos
Quando podíamos oferecer
Àquelas pessoas que sofrem
Sem ter nada para comer.

Para ti ó Mulher Grande
De quem eu me lembro bem
Eras uma Mãe da Guiné
Mas igual à minha Mãe.

Para ti ó Mulher Grande
Quantas vezes eu fazia
Da comida que era pra mim
E com vós eu repartia.

Para ti ó Mulher Grande
Eu sempre me hei-de lembrar
Daquilo que pouco tinhas
E ainda me querias dar.

Eras tu ó Mulher Grande
Descalça e a caminhar
Com os pés todos cortados
Quando tu ias pescar.

Para ti ó mulher Grande
Corajosa trabalhando
Também em noites de Ronco
Em tabancas te via dançando.

Hoje não estou na Guiné
Mas nunca eu me esqueci
Da Mulher Grande e Mãe
Muitas que na Guiné vi.
Mulher Grande da Guiné
Um dia ainda vais ver
Por nunca me esquecer de ti
Eu voltarei a escrever.

Por:
Albino Silva
Sol. Maq. 011004/67
CCS/BCaç 2845
Guiné - 1968/70
____________

Notas do editor

Poste anterior de Abino Silva de 14 DE NOVEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22719: Blogpoesia (760): Operações e Missões, e dos nomes que lhes davam (7) (Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro da CCS/BCAÇ 2845)

Último poste da série de 13 DE FEVEREIRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P22996: Blogpoesia (764): "O perfume das cores"; "Remate" e "As flores do rio", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

9 comentários:

Jorge Araujo disse...

Caro Camarada Albino Silva.

PARABÉNS pela partilha desta tua GRANDE "coisinha" poética, impregnada de sentimentos, em homenagem às mulheres guineenses, dos tempos idos e dos tempos presentes... de todos os tempos!

Eu acrescentaria, se tivesse talento, uma quadra (ou mais) lembrando o papel das mulheres que cuidaram da nossa roupa - "as lavadeiras, como dizíamos.
E se não as houvesse, como teríamos resolvido essa situação?
Certamente que não teria sido a mesma coisa!

Obrigado por este momento.
Saúde.
Um abraço,
Jorge Araújo.

antonio graca de abreu disse...

Excelente!

António Graça de Abreu

MR disse...

PARABÉNS !
UM ABRAÇO CAMARADA DE BATALHÃO !

MIGUEL ROCHA

Anónimo disse...

Só posso acrescentar que Deus não me deu esse dom, escrever tanta verdade, e tudo a rimar.

Não posso deixar de felicitar o Albino Silva, por nos lembrar de coisas que vimos e não demos a sua importância.

A Guiné era fértil em mulheres grandes, que tudo davam em prol das famílias.

E hoje, ainda hoje, tanta fome em toda a África!

O mundo é cruel nas suas desigualdades.

Bravo Albino, tenho lido outros teus versos, mas hoje apaixonei-me por estes.

Abraço e continua com esse dom, que não se aprende, nasce com cada um.

Virgilio Teixeira


Valdemar Silva disse...

Jorge Araújo, isso das lavadeiras é coisa de bajudas.
As mulheres grandes (fula=mauro depo) não eram as lavadeiras e os curiosos que visitavam as "lavandarias" ficavam apalermados com as bajudas, não havia mulheres grandes para ver.
Julgo que assim se passava entre as mulheres muçulmanas, não sei ao certo em relação às balantas, felupes ou bijagós.
Havia uma excepção com as mulheres dos soldados fulas da minha CART11, quando estávamos destacados numa tabanca/quartel eram elas que tratavam da roupa, mas estávamos todos juntos.
Em todo o caso, são muito interessantes estas quadros populares do Albino Silva.

Abraço e saúde da boa
Valdemar Queiroz

Tabanca Grande Luís Graça disse...

O nosso Bino merece as nossas palmas, não só pelo seu talento, criatividade e sensibilidade, como pela persistência... Meio século depois ele continua, todo fresco, pelas tabancas de Teixeira Pinto, a "partir mezinho" com quem precisa...E a recordar, em verso, essas andanças não pela Guiné como por Angola onde foi trabalhar, ainda menino e moço, muito antes da tropa... Um alfabravo do Luís Graça.

Jorge Araujo disse...

Valdemar,

Lamento, mas só te posso dar 50% de razão, a outra metade fica para mim.

No Xime, onde guardo boas e menos boas memórias, havia "lavadeiras" de várias idades e "estado civil". No meu caso, a minha era uma "mulher grande", com filhos e netos.

Vê a foto 11 do P13812, e depois diz o que entenderes por bem.

Abraço, Jorge Araújo.

Mário Migueis disse...


Depois de comentários tão elogiosos, incompreensível seria que eu próprio, amigo e conterrâneo do nosso ilustre poeta da savana africana, não viesse a terreiro defender a nobreza e a justeza das suas brilhantes letras de homenagem às tão carinhosas e esforçadas Mulheres Grandes da Guiné. Que Deus as guarde e a todos quantos tão bem nos acolheram e connosco partilharam a sua franca amizade.

Valdemar Silva disse...

Jorge Araújo.
Julgo que o Xime era uma tabanca fula, e realmente uma mulher com filhos e netos era uma Mulher Grande adulta.
Não sei como era a "lavandaria" do Xime, provavelmente seria no Geba junto ao cais(?) e não contas das visitas da rapaziada ver o trabalho das lavadeiras 'in loco'.
Pela fotografia foste à tabanca buscar a roupa e não a mulher grande entregar nas instalações dos militares.
Do que conheci em Contuboel e Nova Lamego, as lavadeiras eram bajudas que iam ao quartel levantar e entregar a roupa. Não me lembro de nenhuma mulher grande, não estou a incluir raparigas novas (que chamávamos bajudas) com filhos, quer nas "lavandarias" quer a entregar a roupa lavada.

As belas, e comoventes, quadras do Albino Silva são dedicadas à Mulher Grande adulta propriamente, e penso não estar a incluir/referir a bajudas de 15/16 anos.

Abraço e saúde da boa
Valdemar Queiroz