segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23847: Casos: a verdade sobre... (32): o pós-25 de Abril no CTIG, as relações das NT com o PAIGC, a retração do dispositivo militar e a descolonização

Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART/BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Julho de 1974 > Visita de Bunca Dabó e do seu bigrupo, fortemente armado... Ao centro, o nosso amigo e camarada Jorge Pinto, então alf mil, em farda nº 2, desarmado, descontraído, fazendo as "honras da casa". O aquartelamento e a povoação foram ocupados pelo PAIGC apenas em 2 de setembro de 1974. (Natural de Turquel, Alcobaça, o Jorge Pinto é professor do ensino secundário, reformado)

Foto (e legenda): © Jorge Pinto (2016). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Guiné > Região do Oio > Bissorã > CCAÇ 13 (169/74) > Meados / finais de maio de  1974 > Imagens do "glorioso dia do primeiro encontro com as tropas do PAIGC em Bissorã e após 25 de Abril,  creio eu que foi em meados ou finais de maio de 1974" (...). Fotos do álbum do Henrique Cerqueira, que esteve, como fur mil at inf, no TO da Guiné, desde finais de novembro de 1972 até inícios de kulho de 1974, primeiro na 3ª CCAÇ / BCAÇ 4610/72 e depois na CCAÇ 13.

Fotos ( legenda): © Henrique Cerqueira (2012)  Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Guiné > Região de Gabu < Paunca > CCAÇ 11 (1969/74) > 7 de junho de  1974 >  A paz, depois da guerra, ou guerra & paz, como faces da mesma moeda... >  O fur mil op esp J. Casimiro Carvalho, "herói de Gadamael", no meio dos inimigos de ontem...  Fotos do seu álbum fotográfico, sem legendas... 

Este nosso camarada que vemos aqui a abraçar os inimigos de ontem, foi o mesmo que tinha escrito à mãe,na véspera,  em 6 de junho de 1974,  a seguinte missiva:

 "(...) Ficou, nesse encontro, determinado que amanhã o inimigo vinha a um quartel nosso visitar-nos, conhecer-nos, nós que nos matavámos [uns aos outros] sem nos vermos. Enfim, agora como está previsto, conhecer-nos-emos, se não houver imprevistos, e eu, que tanto os odiei, com o ódio que ganhei com a guerra, devido ao sangue que vi derramar, irei... talvez - quem sabe ? - abraçá-los. Sim, porque eles lutaram para defenderem o que por direito lhes pertencia, um chão deles, bravos soldados como nós." (...).

É o mesmo J. Casimiro Carvalho que na batalha de Gadamael pôs a vida em risco para salvar outros camaradas (e nomeadamente o seu capitão) e que chegou a ser ferido.

Fotos: © José Casimiro Carvalho (2007). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Xitole >  2.ª CCAÇ/BCAÇ 4616/73 (Xitole, 1974) > Foto do álbum do José Zeferino, ex-alf mil at inf. "Primeiro encontro no Xitole: de costas um comandante do PAIGC – não me lembro do nome – , o nosso médico, Dr. Morgado, eu, o capitão Luís Viegas, o comissário politico Antero Alfama e o 1.º sargento páraquedista Vaz".  O comandante da 2ª CCAÇ / BCAC 416/73 era cap mil inf Luís Fernando de Andrade Viegas (com este mesmo nome, há um membro da Ordem dos Engenheiros da Região Sul, portado ca cédula profissional nº 12.037).

Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Xitole >  2.ª CCAÇ/BCAÇ 4616/73, Xitole, 1974 > s/d    [c. jun/set 1974]>  Chegada ao Xitole de forças do PAIGC, em camiões russos.

Algumas apontamentos do diário de alf mil José Zeferino: 

(i) Xitole, 22 de abril de 1974 - Apresenta-se um guerrilheiro do PAIGC. Má altura, para ele, para desertar das suas fileiras; 

(ii) 25 de abril 1974 - madrugada, cerca das 6 horas: "Zefruíno, alferes Zefruíno"!!!... (...) Era o Jamil, comerciante libanês (...),  que estava a ouvir a BBC em árabe: "Zefruíno, o (...)  Spínola está a fazer uma revolta". (...) Foi assim que tive conhecimento do que se passava em Lisboa. Regressámos de imediato ao quartel. Ficámos na expectativa nos dias seguintes. Patrulhamentos, só o mínimo indispensável, até Endorna. Montagem de segurança nocturna: poucas. Estávamos literalmente presos pela avidez dos comunicados. Acreditámos que o fim da guerra era desejado pelas duas partes. Pelo menos para a população era-o. E muito. (...)

(iii) 15 de maio de 1974 – Violento combate – emboscada. Duas baixas do nosso lado: o alferes Aguiar e o soldado de transmissões Domingos. Cerca de uma dezena de feridos. Sinais de baixas IN;

(iv) 30 de maio de 1974 - São detectadas e levantadas várias minas reforçadas com granadas de RPG;

(vi) 6 de junho de 1974 - Pelas 6 horas, nova rajada. Desta vez de uma sentinela junto ao espaldão do morteiro 81, na zona dos quartos dos oficiais e do abrigo da Breda. Novamente nas valas avistámos, a umas dezenas de metros, uma coluna IN que se aproximava, vinda da tabanca, pela orla da pista de aviação. Sob o nosso fogo fugiram para o mato do outro lado da pista, deixando um deles ferido. Veio a falecer pouco depois na nossa enfermaria. Foi este, realmente, o ultimo acto de guerra na zona e ainda hoje não o entendo totalmente.

(vii) 15 de junho de 1974 - Na picada, para lá da Ponte dos Fulas, suspensa de uma árvore, é encontrada uma carta com um maço de tabaco Nô Pintcha, e um isqueiro. Convidava o capitão a fazer a paz. O que foi feito no mesmo dia, perto do pontão do Jagarajá.

(viii)  de 16 de junho a setembro de 1974 - Começaram então as visitas de comandantes e comissários políticos do PAIGC para combinar a cerimónia da entrega do quartel, com o arriar da nossa bandeira e o hastear da deles. Vinham das matas da margem direita do Corubal – Mina, Fiofioli, etc. (...)

Houve um jogo de futebol entre nós e os guerrilheiros. Gostavam imenso de falar com o nosso pessoal chegando a trocar impressões sobre o material que tínhamos usado na guerra. Creio que numa dessas conversas foi dito que quem preparou a tal emboscada de 15 de maio teria sido castigado. Não aprofundámos a questão (...).

Quase todos os dias apareciam guerrilheiros procurando refeições na nossa cantina geral. A única exigência nossa: tinham que deixar a arma à entrada do quartel, no posto de sentinelaFazendo-se transportar por camionetas civis paravam sempre na casa do Jamil para o cumprimentar. (...) Numa das colunas, e em viatura civil, chegaram também duas prostitutas. Alguns aproveitaram. (...)

O Saltinho já tinha sido entregueBastou um dia para ficarem sem gerador. Os novos ocupantes pedem ajuda ao Xitole para reparar o aparelho. Nesse dia à noite ficámos preocupados por a equipa que foi não ter chegado. Foram encontrados perto de Cambéssé com o Unimog espetado dentro do mato com vários guerrilheiros a tentar repô-lo na picada. O comandante deles, de nome Claude, ficou irritadíssimo quando nos viu. Já estava todo alterado. E foi a única expressão de ódio que registei em todos os contactos com elementos do PAIGC. Mas a nossa equipa foi muito bem tratada por eles.

Entretanto chegam-nos notícias de problemas em Bambadinca: Com as nossas milícias: queriam alimentos e com a CCAÇ 12 que não queria entregar as armas. Depois… o tempo passou-se… lentamente. E entregámos o Xitole  [em ].(...)

 (ix) Bissau, 12 de setembro de 1974 - Embarque no Uíge, para Lisboa. (...)

Foto (elegenda): © José Zeferino (2009). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Guiné > Bissau > Brá > BENG 447 > 14 de outubro de 1974 > O último arriar da bandeira no CTIG, mas já sem a presença de representantes do PAIGC. Foto do álbum  do José Lino [Padrão de] Oliveira [ex-fur mil amanuense, CCS/BCAÇ 4612/74, Mansoa, Cumeré e Brá, 12-7-1974 / 15-10-1974]

Guiné > Bissau > Brá > BENG 447 > Cemitério de viaturas e outros equipamentos militares (GMC, Daimlers,  Panhard, jipes, Obuses 14...) abandonados como sucata, no fim da guerra.

Guiné > Região do Oio > Mansoa > CCS/BCAÇ 4612/74 (12jul74-15/10/74) >  9 de setembro de 1974 > Cerimónia da entrega (simbólica) do território aos novos senhores da Guiné, o PAIGC,  e  da retirada, ordeira, digna e segura, das últimas tropas portuguesas. Mansoa, em pleno coração do território, na região do Oio, serviu perfeitamente para esse duplo propósito... É uma fotos histórica, em que se vê o nosso coeditor, camarada e amigo Eduardo Magalhães Ribeiro, fur mil op esp / ranger, a arriar a bandeira verde-rubra. (O MR é membro da nossa Tabanca Grande, desde 1/11/2005...

Guiné > Bissau > Brá > BENG 447 >  14 de outubro de 1974 > O último arriar da bandeira no CTIG, mas já sem a presença de representantes do PAIGC.  O último ato da soberania portuguesa não foi o arruiar da bandeira, em Mansoa, em 9 de setembro de 1974....O BCAÇ 4612/74 seria colocado depois de 9/9/1974, no BENG 447, em Brá, Bissau... a útima bandeira portuguesa a ser arriada, no CTIG, seria no próprio "dia do embarque", ou seja, mais de um mês depois, em 15/10/1974. Essa honra coube, de novo, ao Eduardo Magalhães Ribeiro, fur mil op esp / ranger, da CCS/BCAÇ 4612/73 (12 de julho de 1974 - 15 de outubro de 1974).

Fotos (e legenda): © José Lino Oliveira (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Guiné >s/l >  s/d > O último Governador Geral e Comandante-Chefe, Carlos Fabião (1974)... Era um dos militares com mais anos de serviço no TO (3 comissões ou mais). Aqui na foto ainda capitão e depois major, comandante do Comando Geral de Milícias (1971/73), ao tempo de Spínola... Foto de autor desconhecido, reproduzida aqui com a devida vénia. In: Afonso, A., e Matos Gomes, C. - Guerra colonial: Angola, Guiné, Moçambique. Lisboa: Diário de Notícias, s/d., pp. 332 e 335. .


Guiné > Bissau > Cais da Marinha > Outubro de 1974 > Quatro Lanchas de Fiscalização Grandes (LFG), uma pequena, e uma LDM na Ponte Cais em Bissau, poucos dias antes da “retirada final” do dia 14 de outubro do mesmo ano. É visível o navio Uíge ao fundo, preparado para transportar os últimos militares portugueses da Guiné. Foto do álbum do ex-Marinheiro Radiotelegrafista, Manuel Beleza Ferraz.

Segundo o nosso amigo Luís Gonçalves Vaz, membro da nossa Tabanca Grande e filho do Cor Cav CEM Henrique Gonçalves Vaz (último Chefe do Estado-Maior do CTIG, 1973/74),e basedado no depoimento do Manuel Beleza Frerraz,  "no dia 14 de outubro, decorreu a última cerimónia de 'Arriar da Bandeira Portuguesa', ao qual se seguiu o 'Hastear de Bandeira da República da Guiné-Bissau' (a última bandeira nacional em Bissau só foi retirada 4 ou 5 semanas depois de 14 de outubro de 1974, sem cerimónia oficial),  como tal, nesse mesmo momento, todo o que restava do contingente militar português (à excepção de dois pequenos destacamentos de tropa portuguesa, da Marinha e da Força Aérea, esta na já ex-BA 12,  em Bissalanca, mas ainda com helicópteros AL-III, e o destacamento da Marinha nas suas antigas instalações, para colaborarem na transição e transmissão de técnicas/procedimentos, conhecimentos e experiências de navegação aérea e marítima, com elementos do PAIGC), encontrava-se agora em território estrangeiro.

(...) "A comitiva constituída pelo Governador (brigadeiro Carlos Fabião), o Comandante Militar (brigadeiro Figueiredo), o Chefe do Estado-Maior do CTIG (coronel Henrique Gonçalves Vaz), bem como alguns outros oficiais do Estado-Maior, sargentos e praças, depois de assistirem ao embarque de todos os militares nos navios, que se encontravam ao largo do estuário do Rio Geba, e assegurando-se que tudo tinha corrido sem problemas e de acordo com o previsto nos 'Planos de Retirada', elaborados pelo CTIG / CCFAG que nesta altura se afirmava como o único Comando das Forças Armadas Portuguesas neste TO da Guiné, seguiram directamente para o Aeroporto de Bissalanca, onde mantínhamos ainda um dispositivo de segurança.

(...) "Mal acabou a cerimónia referida anteriormente, e segundo testemunho do ex-marinheiro radiotelegrafista, Manuel Aurélio A. Beleza Ferraz, que se encontrava nesta altura na LFG Lira, todas as guarnições dos nossos navios que se encontravam na zona, estavam por ordens superiores, em posição de combate (para qualquer eventualidade), estando todos os operacionais equipados com coletes salva-vidas, capacetes metálicos e as Bofors (peças de artilharia antiaéreas de 40 mm) sem capa e municiadas, prontas a realizar fogo de protecção à retirada das nossas tropas, que ainda se encontravam em terra. Segundo o ex-marinheiro radiotelegrafista, Manuel Beleza Ferraz, os navios que se encontravam a realizar a 'segurança de rectaguarda'  mais próxima às tropas que iriam retirar-se para os navios ao largo no Rio Geba, eram a LFG Órion e a LFG Lira.

(...) "Às 2h30m do dia 14 de outubro de 1974, estes militares serão os últimos a retirar da Guiné. Nesse momento estiveram presentes alguns Comandantes do PAIGC, que quiseram despedir-se dos 'seus antigos inimigos', e assim foi o fim da colonização da Guiné com cerca de 500 anos." (...)

Foto (e legenda): ©  Manuel Beleza Ferraz / Luís Gonçalves Vaz (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. No livro de João Céu e Silva,  "Uma longa viagem com Pulido Valente" (Lisboa, Contraponto, 2021, 296 pp.), são atribuídas a Vasco Pulido Valente (VPV)  (1943-2021) as seguintes afirmações, a propósito da descolonização (*):

(...) Quando o Dr. Mário Soares chegou ao Ministério dos Negócios Estrangeiros , já o coronel Fabião estava aos abraços ao PAIGC e o Otelo aos abraços à FRELIMO. Não havia negociação possível.

Quem fez a descolonização não foi o Dr. Mário Soares, mas o MFA. Ele não queria fazer aquela descolonização, e foi assim porque o Exército português se desfez em quarenta e oito horas em Angola, Moçambique e Guiné. Neste último caso, fomos mesmo ao encontro das tropas inimigas e confraternizámos poucos dias após o 25 de Abril. Como aconteceu no Norte de Moçambique e quase imediatamente me Angola (pp. 282/283).

(…) Lembro-me do abraço de Soares a Samora Machel, horrível! E Como aconteceu ? A comitiva entrou na sala de reuniões, Otelo olhou para o Machel e disse: “Ah grande Machel, deixe-me dar-lhe um abraço”, e Soares, que estava a chefiar a delegação, ficou sem saber o que iria fazer. Depois de Machel ter dado um abraço a Otelo, veio ter com Soares de braços abertos, “Meu caro Mário”, e deu-lhe um abraço. Isto só deveria ter acontecido com Moçambique independente” (p. 191).


2. Pergunta-se, aos camaradas da Tabanca Grande que estavam no TO  da Guiné no 25 de Abril de 1974: tem algum fundamento a declaração de VPV, segundo a qual as NT foram logo, "pouco dias após o 25 de Abril" (...)  "ao encontro das tropas inimigas " (leia-se, do PAIGC) e "confraternizaram" ?

Eu não estava lá, mas pelo que sei, e pelos depoimentos já aqui foram publicados ao longo de 18 anos de existência do blogue,  acho estranho que, ao fim destes anos todos (já lá vão 48, quase meio século!), já ninguém se indigne com estas, senão "bojardas", pelo menos "bocas foleiras", vindas para mais de um homem com formação académica, historiador encartado e, de resto,  um dos "cronistas-mor" do regime democrático,  o qual, todavia,  sempre esteve longe (fisicamemte falando) do teatro de operações da Guiné. 

No citado livro (que é um meritório trabalho do João Céu e Silva, como já aqui foi dito), há outras" leviandades" (não quero chamar-lhe outros nomes) que são ditas sobre a guerra da Guiné (como, por exemplo, sobre o acidente de helicóptero, caído no rio Mansoa, em que morreu o seu amigo, o deputado da Ala Liberal José Pedro Pinto Leite, e mais outros 3 deputados da Assembelia Nacional, além da tripulação, e que VPV atribui à pontaria dos artilheiros do  PAIGC) (**)...Para já não falar da infeliz expressão "capitães milicianos mercenários" (também não provocou, ao que parece, a indignação dos nossos leitores, na ausência de comentários ao poste) (***)...

No essencial, as declarações do VPV parecem-me injustas ou menos felizes, em relação aos "últimos soldados do Império" que arriaram a última bandeira verde-rubra na Guiné... No mínimo, não responderão à verdade dos factos... Em zonas como o Xitole, a guerra prolongou-se até quase a meados de junho e ainda houve mortos de parte a parte... Na generalidade dos casos,  a retração do nosso dispositivo militar (aquartelamentos, destacamentos, etc.)  fez-se com ordem e dignidade, de acordo com um plano de retirada superiormente aprovado... E, depois, se uma jogatana de futebol, entre inimigos de ontem, num processo de negocição de paz, ao fim de onde, doze, treze anos de guerra, é uma prova inequícova de "confraternização", então temos que tratar com pinças as palavras que usamos quando falamos da gestão dos conflitos entre os seres humanos...

Na primeira parte deste poste, selecionámos, ao "vol d'oiseau",  algumas fotos e legendas que fomos publicando, a este respeito, ao longo dos anos... Esperemos que estas possam suscitar mais depoimentos e reflexões sobre o tema, sem que a discussão acabe na "fulanização" e na "caça às  bruxas", na patológica tentação, tão portuguesa (e se calhar universal), de querer arranjar logo "bodes expiatórios" quando as coisas não nos correm com ventos de feição como foi o caso, por exemplo, da descolonização... 

Enfim, façamos votos, neste já final do ano de 2022,  para  que os nossos historiadores (militares ou outros, portugueses ou estrangeiros) possam, com mais investigação,  fazer mais luz, em 2023,  sobre este período e estes factos em que as narrativas ainda estão longe de serem consensuais, devido também ao enviesamento político-ideológico (****). LG
____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 3 de dezembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23840: Notas de leitura (1527): "Uma longa viagem com Vasco Pulido Valente", de João Céu e Silva (Lisboa, Contraponto, 2021, 296 pp) - O Estado Novo, a guerra colonial, o Exército e o 25 de Abril (Luís Graça) - Parte VI: 25 de Abril ? 25 de Novembro ? E descolonização ? Acho que consigo compreender tudo no caso português. Isto parece uma gabarolice, mas não é. A mim, não há nenhum acontecimento que me cause perplexidade" (VPV)

(**) Vd. poste de 18 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23793: Notas de leitura (1518): "Uma longa viagem com Vasco Pulido Valente", de João Céu e Silva (Lisboa, Contraponto, 2021, 296 pp) - O Estado Novo, a guerra colonial, o Exército e o 25 de Abril (Luís Graça) - Parte II: A guerra de África não foi nada parecido como o trauma da I Grande Guerra...


(****) Último poste da série > 25 de outubro de 2022 > Guiné 61/74 - P23736: Casos: a verdade sobre... (31): Pansau Na Isna, o "herói do Como" (1938 - 1970), entre o mito e a realidade - Parte II: Visto do lado de lá

24 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Zeferino, um abraço. Quem estava sediado em Bambadinca, em 25 de Abril de 1974, era a CCaç 21, do Jamanca, do Amadu Djaló e do Abibo Jau. A CCAÇ 12 era a unidade de quadrícula do Xime...

Manuel Luís Lomba disse...

Vasco Pulido Valente pertence como eu à geração de 40, foi um privilegiado do regime, não vivenciou o serviço militar, não experienciou a guerra do Ultramar, não estava cá no 25 de Abril, apenas vivenciou o PREC e sequelas, é historiador académico, muito mais avançado e treinado que eu na "tecnologia" da escrita histórica, a sua referência à malta da guerra do Ultramar revela mais ignorância que injustiça - no relativo ao MFA eu subscrevo o que escreveu: O 25 de Abril foi um golpe de Estado, não foi uma revolução ideológica.

A revolução ideológica foi o PREC e o 28 de Setembro a sua data-valor.

A desastrosa Descolonização "exemplar" e o nosso retrocesso económico duma geração não devem se imputadas ao 25 de Abril, mas ao PREC!

As nossas falências em 1977 e em 1982 (a tutela do FMI) não são devidas nem ao 25 de Abril nem ao desastre da Descolonização, mas ao PREC...

(Se não existisse a Irlanda e o seu exemplo, talvez caísse na tentação de responsabilizar o PREC pela nossa estagnação económica dos últimos 20 anos...)

Não, não, não é culpa nem do 25 de Abril nem do PREC, podemos atribuí-la ao nosso socialismo...

Aquele abraço.



Tabanca Grande Luís Graça disse...

Manuel, és bem vindo, quebrando oo teu silêncio e rumando contra a maré destes dias em que temos a tremenda concorrência do CR7 e do menino Jesus... É um fim de ano tramado para o blogue, que já não tem pedalada para tamanha concorrência.

Obrigado, pelo teu comentário. Mas deixa-me fazer-te uma observação: o VPV é um rapaz da nossa geração, alfacinha, era assistente do ISEF e estava em Lisboa quando se deu o "pronunciamento"... Não tive o privilégio de o ver (e ouvir) no ISCTE...Abraço, festas felizes, quentes e boas... Luis

Henrique Cerqueira disse...

Camarada Luiz Graça e restantes camaradas da Guiné.
Hoje e após longa ausência deste nosso blog verifico esta postagem relativa ao fim da nossa guerra e que felizmente tive a sorte de ter tido o primeiro encontro com as tropas do PAIGC logo após o mês de Abril. Estão aqui publicadas duas fotos desse memorável dia. Já lá vão 48 anos mas a memória jamais será apagada dessa nossa gloriosa época. Digo gloriosa e não tem nada a ver com a política que na altura era vigente no nosso Portugal. Mas tem a ver isso sim com a nossa participação como militares obrigados a servir o Estado e a maneira abnegada como nós jovens tivemos de nos adaptar a tão grande responsabilidade e serviço.
Não devemos esquecer a nossa separação do seio familiar, lidar com a fome e sede, lidar ainda com a morte de camaradas nossos e ferimentos graves em outros. Não esquecendo ainda que maior parte de nós estava mal preparado para aquele tipo de Guerra e até mal armados. Enfim eu me considero a mim e a todos os nossos camaradas que enfrentaram esta situação tão adversa como sendo a Geração de Gloriosos Jovens Homens e Mulheres ( Não podemos esquecer as nossas GLORIOSAS ENFERMEIRAS PARAQUEDISTAS que um dia lhes chamei OS ANJOS QUE VEEM DO CÉU ) Um abraço muito sentido a todos. Henrique Cerqueira.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Henrique, como diz o povo, "o bom filho à casa torna"... É verdade, já estava com saudades tuas, daí te ter ido "desenterrar" estas duas fotos do teu álbum...

Eu não estava lá, há três anos atrás que tinha deixado a minha querida companhia de "nharros" (sem ofensa, e sem qualquer conotação "racista"...), a CCAÇ 12, como a tua, que era a CCAÇ 13... Tu em Bissorã, eu mais abaixo, em Bambadinca...

Mal "preparados", dizes tu ? Ninguém estava preparado tanto para fazer a guerra como acabar com ela... Há camaradas nossos, veteraníssimos, que foram lá parar, com guia de marcha, nos idos anos de 1961, 62, 63... e que às vezes dão ideia de quer pedir contas aso "últimos soldados do império"... "Então, porra, e o nosso sacrifício ? Onde está a hinra e a glória ?"... E eu sou capaz de fazer um esforço para os entender...Mas, camaradas, a quem pedir hoje contas ?... Sempre ouvi dizer: "O último, que feche a porta!"... Alguém tinha que ser o último e fechar a porta...

Boas festas, Henrique, se a saúde e a sorte nos deixarem... Luís

Valdemar Silva disse...

Bem-vindo, Luís Lomba
Passaram muitos posts sem o teu sempre oportuno parecer.
O VPV foi um finório com jeito pra escrever e "defender" com a sua escrita, aqueles que ficavam com irritação na pele quando se falava na Revolução do 25 de Abril. E atirava com a do Golpe de Estado para sarar as feridas do que leu e ouviu do Comunicado do MFA.
Então uns militares a fazer uma Revolução sem mortes e feridos? Que grande bronca para a classe dominante a levarem um grande baile, e o VPV e mais uns tantos a tentar limpar a imagem, mas com a chatice do Comunicado do MFA e a Revolução que seguiu com o fim da ditadura.
Agora, para se entrar naquela fresquinha 'não crescemos', e para não aleijar os mesmos que ficaram sem credibilidade do 'estava tudo combinado', está a aparecer 'o culpado disto foi o PREC'. Esta é boa e sempre vai acalmando: não fora o PREC, a Irlanda e não só estavam agora embasbacados com o nosso formidável crescimento.
Esta é nova, que nem o VPV e outros por aí se lembrariam. Afinal foi o PREC e as Eleições de 1976 para a Constituinte o mal do nosso crescimento.
E o "oleo de fígado de bacalhau" da CEE/UE que tem sido oferecido contra o raquitismo?


Abraço e saúde da boa
Valdemar Queiroz

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Alguns pormenores "deliciosos" do diário do alf mil José Zeferino (que o VPV nunca leu, porque não deve ter posto a vista aqui, no nosso blogue):


(...) 15 de junho de 1974 - Na picada, para lá da Ponte dos Fulas, suspensa de uma árvore, é encontrada uma carta com um maço de tabaco Nô Pintcha, e um isqueiro.... Convidava o capitão a fazer a paz...

(...) O que foi feito no mesmo dia, perto do pontão do Jagarajá.

["Lá estão os gajos a confraternizar ?!"...

"Mas, oh, Vasco, não vês que o comandante dos tugas do Xitole era 'capitão-proveta' ?!... Ou como tu lhes chama, um capitão miliciano, volunta´rio, mercenário...]


(...) 16 de junho a setembro de 1974 - Começaram então as visitas de comandantes e comissários políticos do PAIGC para combinar a cerimónia da entrega do quartel, com o arriar da nossa bandeira e o hastear da deles. Vinham das matas da margem direita do Corubal – Mina, Fiofioli, etc. (...)

Houve um jogo de futebol entre nós e os guerrilheiros. Gostavam imenso de falar com o nosso pessoal chegando a trocar impressões sobre o material que tínhamos usado na guerra. Creio que numa dessas conversas foi dito que quem preparou a tal emboscada de 15 de maio teria sido castigado. Não aprofundámos a questão (...).

["Porra, lá estão os gajos outra vez a confraternizar ?!... E, pior, os tugas a combinar a entrega do quartel aos turras, sem ordens do poder político de Lisboa e, se calhar ainda mais grave, a partilhar informações militares classificadas!"...]

(...) Quase todos os dias apareciam guerrilheiros procurando refeições na nossa cantina geral. A única exigência nossa: tinham que deixar a arma à entrada do quartel, no posto de sentinela.

["Também era o mínimo do decoro e decência..., então os gajos iam lá à cantina almoçar à borla, à mesa do Estado, e ainda por cima iam armados com a Kalash ?!... Era só o que faltava!"...

Fazendo-se transportar por camionetas civis [russas], paravam sempre na casa do Jamil para o cumprimentar.

(...) Numa das colunas, e em viatura civil, chegaram também duas prostitutas. Alguns aproveitaram. (...)

["O que só veio confirmar as suspeitas do Spínola, já se sabia que o Jamil Nasser era turra ou estava feito com eles... E, quanto às putas, já se sabe, a puta da guerra é a mãe de todos os vícios, a pólvora é um afrodisíaco, a gente já sabe isso desde as Invasões Francesas que começaram em 1807"...

Juvenal Amado disse...

Eu felizmente cheguei 20 dias antes da madrugava desejada e limpida . Vi os populares a empurrar os tanques a mimar as tropas que tanto precisavam depois de 13 anos de uma guerra estupida e sem sentido. Quem não revolução no binómio povo-mfa logo naquela manhã é cego porque não quer ver.
De resto estou totalmente de acordo que a malta queria continuar a guerra desde que ja se tivesse vindo embora.
Valdemar Silva como te compreendo e estou contigo.

Abeacos juvenal Amado

Unknown disse...

Estava tudo tão combinado, que a maré da esperança e da alegria extravasou de Lisboa para todo o território nacional num ápice.
Mas infelizmente houve mortes sim.
A polícia política matou 5 manifestantes salvo erro em 26 de Abril de 1974.
Mas a culpa virá a ser do PREC.
Abraço
Eduardo Estrela

Valdemar Silva disse...

Estrela, eu quando afirmo que 'não houve mortos, nem feridos' é para enaltecer um levantamento militar Revolucionário, única forma de derrubar o 'ao estado a que isto chegou', sem o mínimo de violência.
E é precisamente esse facto, que sempre incomodou os que levaram um grande baile, ou seja não lhes passar pela cabeça assim vir a acontecer. Até surgiu aquela treta do 'nem traziam balas', para dar a ideia que estavam dentro do assunto e não havia perigo.
O assassinato de 5 civis pela pide foi um acto cobarde e não entra na Revolução.
Mas, agora. vem uns meses do PREC à baila, por causa do crescimento ter sido inferior ao da Irlanda. Como é tema que vai bater em assuntos político/partidários não aceites no nosso blogue, eu não dou nada para o peditório.
Juvenal, o Comunicado do MFA é muito claro quanto ao que vai acontecer no País e incomodou mais que o movimento militar.

Saúde da boa
Valdemar Queiroz

Manuel Luís Lomba disse...

Valdemar,

Fechei o comentário com um sorriso interior: lá vou provocar o Valdemar à malhação!

Força, camarada, não renuncies a essa militância, é prova da superioridade da tua vitalidade sobre a doença que tenta dominar-te.

Também a matança da Pide, em 26 de Abril, nada tem a ver com o PREC, despoletado cinco meses depois, após o 28 de Setembro.

Sem ser herético, a matança da Pide tem a ver com a omissão do MFA.

Dando por verdade as afirmações do Otelo, a sede da, Pide era objectivo do RI 1 da Amadora, comunicou a desistência logo à senha "E depois do adeus", não o rendeu, as polícias não eram objectivos prioritários, a rendição do Caetano na tarde de de 25 sua prova de facto, muita a tropa disponível.

A Pide foi ocupada no dia 26 pela tropa vinda de Estremoz (capitão Alberto Moura), a ordem foi do general Spínola.

Socorro-me do que se passou no Porto: Depois de "ocupar" toda a Primeira Região Militar, o major Carlos Azeredo e a sua malta entregaram o poder ao comando do MFA na Pontinha, recusaram qualquer poder e regressaram às suas unidades, o poder caiu na rua, já havia montras quebradas, lojas assaltadas e carros incendiadas, a eng.ª Virgínia Moura encabeçava o cerco popular à delegação da Pide, o seu sub-director era homem sensato, não permitiu o uso das armas, o coronel Mário da Ponte estava na reserva há anos, era projectista e empreiteiro, fardou-se, assumiu o comando, mandou a PM pôr ordem da rua e tomar a Pide, foi auto-comandante 24 horas, até o general Spinola nomear o brigadeiro Passos Esmeris.

O 25 de Abril, o PREC, a Descolonização, etc. não têm responsabilidades no nosso fraco crescimento económico.Abraço.

Valdemar Silva disse...

Luís Lomba, que nem especialista de pneumologia, sempre a dar-me oxigénio. Assim, até me dá jeito, obrigado.
Não me lembro quem tomou sede da PIDE, na Rua António Maria Cardoso, primeiro, mas são os fuzileiros que aparecem em todas as fotografias da rendição. Consta-se quando o Ten. Cavaleiro chegou com os fuzileiros já lá estava o Cap. Alpoim Galvão em conversações com o Silva Pais.
Sabe-se, perfeitamente, a intenção do "aguentar" do Spínola quanto à tomada da PIDE.
A situação que descreves terem acontecido no Porto, nada parecido houve em Lisboa. Partir montras, assaltos, carros incendiados não aparecem publicação de imagens, calhando ainda não tinha acabado censura por esses lados.
E quanto ao nosso fraco crescimento não será bem assim, somos o país da UE com mais autoestradas por metro quadrado, com excepção do Alentejo por causa da Cuba e do embargo ao longo dos anos.

Abraço saúde da boa
Valdemar Queiroz

Fernando Ribeiro disse...

O Luis Lomba está a delirar com montras partidas, assaltos e carros incendiados no Porto a seguir ao 25 de Abril. Muitíssimo pelo contrário. A polícia despareceu das ruas e no entanto houve a maior civilidade do mundo. Inventam cada uma!!!

Manuel Luís Lomba disse...

Caro Fernando Ribeiro:
Estes olhos que a terra há-de comer viram partir duas montras na Av. dos Aliados e dois toyotas a arder. Trabalhava e vivia do outro lado.Posso ser inventor - mas não do que vejo!
Isto não anula m facto de o 25 de Abril ter sido um pronunciamento militar exemplar de humanismo e civilidade.
Também privei com o coronel Mário da Ponte muitos anos.

Carlos Vinhal disse...

Aqui na pacata cidade do Porto, no pós 25 de Abril, rebentaram à bomba um automóvel estacionado nas imediações do Palácio de Cristal. Por ocasião do 1°congresso do CDS, no Palácio de Crital, curiosamente, um grupo de extrema esquerda fez um cerco aos congressistas vá-se lá saber para quê.
Carlos Vinhal

Fernando Ribeiro disse...

Caro Manuel Luis Lomba
Como se costuma dizer, «já não está cá quem falou». O caso que refere deve ter acontecido ainda na manhã de 25 de Abril, quando ainda não se sabia qual viria a ser o desfecho dos acontecimentos, e a polícia terá carregado - ou ameaçado carregar - sobre uns manifestantes. Eu costumava passar todas as tardes pela Praça da Liberdade, mas não passei nesse dia. Só passei no dia seguinte e não me apercebi de nada na Av. dos Aliados.

Já agora, aproveito para explicar que, embora eu nessa altura estivesse a cumprir o serviço militar em Angola, encontrava-me de férias e tinha vindo passá-las à Metrópole. Apanhei o 25 de Abril e o 1.º de Maio aqui no Porto.

Caro Carlos Vinhal
Apesar das ameaças que já vinham a ser feitas pela extrema-esquerda, o 1.º Congresso do CDS realizou-se mesmo. Há que reconhecer a coragem dos congressistas. Por outro lado, um médico que vivia perto de mim e era um conhecido militante do PCP teve dois carros destruídos à bomba em 1975.

Valdemar Silva disse...

Luís Lomba
Estive toda a tarde, até começar bola, a vasculhar os jornais JN,1º. de Janeiro e o Comércio do dia 25 de de 1974 2ª. edição, e dia 26, e não encontrei imagens/notícias "..o poder caiu na rua, já havia montras quebradas, lojas assaltadas e carros incendiadas...". Nada destes sérios acontecimentos são notícia. Estranho!
Apanhei uma entrevista no Expresso daquelas "onde é que estava no 25 de Abril", a um jornalista de 77 anos, que respondeu 'estavam no Porto a levar porrada da polícia'.
E explica que as pessoas estavam a Viva o 25 de Abril e a polícia começou a ficar nervosa e vai de carregar à bastonada e a partir cabeças. E os manefestantes responderam à pedrada.
E de assaltos e carros incendiados, nada.
Sem nunca por em causa o teu testemunho, agora, fico à espera do normal 'abre os olhos e vê o jornal....'

Saúde da boa
Valdemar Queiroz

Carlos Vinhal disse...

Caro Fernando Ribeiro não podemos ignorar as sedes do PC atacadas com m os seus pertences queimados na via pública.
Foram tempos muito difíceis para todos.
Abraço
Carlos Vinhal

José João Domingos disse...

Inicialmente o comum dos combatentes não percebia bem o que se estava a passar, embora tivesse a esperança de que finalmente aquele calvário tivesse fim. Quando a situação ficou clara deixou de fazer sentido continuar a combater (a continuação dos recontros até junho deve-se provavelmente a falta de informação ou excesso de zelo das partes envolvidas). A partir de junho a minha companhia fazia segurança a Bissau e nunca houve problema, aliás, nessa altura já o PAIGC utilizava, pelo menos, os CTT em período noturno.

Quanto a VPV (como a outros analistas políticos) a sua análise é feita com base em documentos e testemunhos e de acordo com os seus valores. Eu continuo a entender que é preciso viver para contar.

Um abraço

Fernando Ribeiro disse...

A desmentir a delirante teoria de que no 25 de Abril «o poder caiu na rua» na cidade do Porto, passo a transcrever o relato dos acontecimentos, tal como foi publicado pelo Jornal de Notícias no dia 26 de abril de 1974.

---

O PORTO DEMOROU ALGUM TEMPO A APERCEBER-SE DO QUE SE PASSAVA

Só muito lentamente o Porto se foi apercebendo da invulgaridade da situação. De facto, embora desde bastante cedo o «Movimento das Forças Armadas» difundisse comunicados, a esmagadora maioria das pessoas que, ontem de manhã, se deslocavam para os empregos só começaram a verificar que algo de anormal se passava quando, em diversos pontos da cidade, depararam com tropas e viaturas militares estrategicamente colocadas. Depois, a novidade correu rapidamente — e, a meio da manhã, era geral a ansiedade por notícias e a avidez de informações. De qualquer modo, a vida da cidade processou-se sempre normalmente sem qualquer sobressalto.

As tropas revoltosas começaram a convergir para a capital do Norte a partir das três horas da madrugada. Uma companhia (140 homens) do Batalhão de Caçadores n.º 9, de Viana do Castelo, chegou aos limites da cidade cerca das 7 horas — e logo passou a controlar as ligações para Braga e Viana do Castelo, dominando também o aeroporto de Pedras Rubras.

Militares mandavam parar os veículos e revistavam as malas. Um oficial esclareceu-nos: «Procuramos uma coisa e, provavelmente, outras. Nada mais lhe posso dizer».

Elementos da mesma unidade, sob o comando de um major, ocuparam também toda a zona circundante do aeroporto.

— Estamos aqui, apenas para manter a segurança — declarou-nos aquele oficial — e pretendemos que tudo continue a decorrer normalmente.

O ambiente era de calma total e os soldados, em fatos de campanha, com mochilas e bornais, descansavam nos seus postos, comendo sanduiches. Soubemos que as tropas logo que chegaram procederam ao desarme das forças policiais do aeroporto, identificando, simultaneamente, os funcionários.

Quase em sincronização, todas as outras entradas da cidade caíam também sob controlo das forças revoltosas. Nas pontes de D. Luís e da Arrábida, pelotões comandados por capitães, em fato de combate, de granadas à cinta, controlavam a situação e mantinham discreta vigilância.

Tropas de Lamego prendem general

Entretanto, tropas do C. I. O. E., de Lamego, haviam chegado também, ao princípio da manhã, ao centro do Porto. Uma das suas primeiras iniciativas foi prender o sr. general Martins Soares, comandante da Região, e o 2.º comandante, sr. brigadeiro Oliveira Barreto. Depois, alguns dos seus veículos, onde se lia em letras bem gordas «Aqui Comandos !», encaminharam-se para o Sul, enquanto um pelotão, chefiado por oficiais do Porto, ocupava o estúdio do Rádio Clube Português, na Rua do Tenente Valadim. O grupo que avançou para Gaia e cercou e ocupou as instalações daquela emissora, em Miramar, entrincheirou-se nas dunas. Este grupo de Comandos devia embarcar amanhã para a Guiné.

No centro da cidade, o aparato bélico foi mais acentuado até cerca das 9 horas e meia da manhã. Transportes de tropas e autometralhadoras «Panhard» encontravam-se na Avenida dos Aliados e na Praça do Município e um canhão esteve, durante algum tempo, apontado para a Câmara Municipal. Depois, este dispositivo retirou. Na Praça da República, diante e em torno do Quartel-General tropas armadas patrulhavam e um major dirigia as operações no local.

Todo este movimento se desenvolvia com àvontade e fluidez. Não havia gestos febris. Tudo parecia metodicamente feito. Os militares envolvidos no movimento conservaram sempre grande mutismo e, quando abordados pelos repórteres, urbanamente escusavam-se a fornecer quaisquer informações.

(continua)

Fernando Ribeiro disse...

(continuação)

G. N. R. afirma: «Não é nada connosco»

Entretanto, sabia-se que toda a guarnição militar do Porto tinha aderido à revolta, registando-se saídas de tropas, com objectivos indeterminados, dos quartéis do Centro de Instrução de Condutores-Auto, ao Palácio de Cristal, e do Regimento de Cavalaria n.º 6, em Serpa Pinto. Na primeira daquelas unidades, havia sacos de areia nos parapeitos.

Todas as unidades conservaram, no entanto, os portões rigorosamente fechados e, dentro, os militares apresentavam-se anormalmente armados.

Nos quartéis da G.N.R. da Belavista e do Carmo, a situação era idêntica: tudo cerrado. A reportagem JN tentou averiguar se houvera movimentos desta força militarizada e foi respondido que não. Um oficial do último daqueles quartéis, interrogado sobre a situação, respondeu: «O que se está a passar não é nada connosco».

Por outro lado, o sr. coronel Santos Júnior, comandante da P.S.P. do Porto, declarou-nos também, de manhã, que homens sob as suas ordens apenas faziam o policiamento normal.

A população seguia atentamente os comunicados, ouvindo rádios nos cafés e estabelecimentos, ou de «transistor» colado à orelha. Todavia, inesperadamente, por volta das 10 horas, o Rádio Clube Português emissora que, desde a primeira hora, foi o porta-voz do movimento, deixava de se ouvir no Porto. A explicação surgiu pouco depois: a Chenop cortara-lhe a corrente, assumindo toda a responsabilidade da atitude. Soube-se, posteriormente, que o responsável pelo corte foi o sr. eng.º Manuel Vieira.

Da parte da tarde, o movimento já aparecia à cidade como irreversível. Nos quartéis, a situação continuava extremamente calma, embora, segundo alguns militares, contasse que forças da G.N.R. preparavam uma contra-revolução Esses mesmo militares consideravam, porém, que, em face da amplitude já assumida pelo movimento, qualquer tentativa do género estava condenada ao malogro.

(continua)

Fernando Ribeiro disse...

(continuação)

Manifestação de apoio aos militares

A população começou então a concentrar-se na Praça da Liberdade e organizou uma manifestação de apoio ao Movimento que subia e descia constantemente a avenida. Surgiu polícia para dispersar, surgiram elementos militares procurando solucionar a situação. Todavia os ânimos exaltaram-se, a Câmara foi apedrejada, houve tiros — e pessoas feridas foram levadas para o Hospital de Santo António, onde, entretanto, enfermeiros e enfermeiras começaram a dar sangue, como medida de prevenção.

Por outro lado, as forças de Comandos que se encontravam no Rádio Clube Português, deixaram um pelotão de guarda às instalações e, a meio da tarde, marcharam para a Chenop a fim de reporem o abastecimento de energia eléctrica àquela estação. Pouco depois das 19 horas, esta situação foi normalizada.

Entretanto, na Praça da Liberdade a situação atingia, pelo fim da tarde, grande tensão — e surgiram, nessa altura, comunicados, através da Rádio, de três em três minutos, pedindo à população portuense que recolhesse a casa, evitando recontros com a P. S. P..

As autoridades administrativas do Porto mantiveram-se silenciosas durante todo o dia de ontem. Soubemos que o governador civil, sr. conselheiro Valente Leal, ao fim da tarde partiu para Lisboa. Por outro lado, o presidente da Câmara, sr. eng.º Nuno Vasconcelos Porto, declarou-nos, cerca do meio-dia de ontem:

— Pelas funções que desempenhamos, tudo decorre normalmente. Não há qualquer problema. E porque a situação é normal, tenho trabalhado, durante toda a manhã, no despacho do expediente.

Funcionamento normal dos tribunais

Apesar de ser já conhecida a acção das Forças Armadas, os tribunais do Porto — cíveis, criminais, do Trabalho e todos os outros — funcionaram normalmente, se bem que no Palácio da Justiça o movimento tivesse sido muito reduzido, não se realizando julgamentos de processos cíveis.

Por sua vez, no Tribunal Militar do Porto, efectuaram-se julgamentos, mas foi impedida a entrada a todos quantos pretenderam assistir às audiências, incluindo um oficial superior.

Também todas as repartições públicas funcionaram sem qualquer alteração, encerrando à hora habitual.

(continua)

Fernando Ribeiro disse...

(continuação)

INTERROMPIDAS AS AULAS EM MUITAS ESCOLAS

Em consequência dos acontecimentos e correspondendo aos apelos do «Movimento das Forças Armadas», a feição da cidade do Porto a partir do meio da tarde, foi-se alterando, com os estabelecimentos a encerrar progressivamente. Ao cair da noite, as ruas da cidade foram-se despovoando e, por volta das 22 horas, o Porto mais parecia uma pacata aldeia do interior, sem viva alma nas artérias.

Para isso contribuiram não só os apelos da Rádio mas também os furgões do Exército que, a partir das 21 horas, com altifalantes no tejadilho, percorreram a cidade aconselhando as pessoas a recolher a casa e a não sairem antes das 8 horas de hoje.

A P. S. P., entretanto, desapareceu totalmente das ruas, sendo substituídas por patrulhas motorizadas do Exército, que eram ovacionadas sempre que passassem por um grupo de pessoas.

Os acontecimentos como é natural, tiveram repercussão no funcionamento dos vários estabelecimentos de ensino. Embora nos primeiros períodos de aulas se não tivesse, praticamente registado qualquer anormalidade do serviço, o certo é que à medida que as horas iam decorrendo a situação começou a alterar-se.

Com efeito, em quase todas as escolas, acabaram por ser interrompidas as aulas seja por determinação dos respectivos directores, seja pela falta de comparência de alunos. Poucos foram, portanto, os estabelecimentos de ensino que mantiveram uma actividade susceptível de ser considerada normal.

(continua)

Fernando Ribeiro disse...

(continuação)

S. JOÃO ESPONTÂNEO NA PRAÇA DA LIBERDADE

A população do Porto cumpriu, de um modo geral, as recomendações insistentes das forças revoltosas para que se mantivesse durante a noite em suas casas. As ruas do Porto, a partir das 21 horas, tinham um aspecto de expectante calma, às vezes quebrada pela corrida ruidosa de um automóvel buzinando ou de um grupo de jovens gritando alto. Não se viam transportes públicos. De vez em quando passavam, a grande velocidade, automóveis cheios de gente e, aparentemente sem destino, demoravam-se às voltas a praças e avenidas.

No entanto, na Baixa, por toda a Avenida dos Aliados e Praça da Liberdade, patrulhadas por forças da Polícia Militar e do Regimento de Artilharia Pesada n.º 2, uma multidão vitoriava os soldados e gritava estribilhos de «Vitória! Vitória!»

Uma espécie de S. João espontâneo cresceu na Baixa. Correrias, abraços, buzinas de automóveis; os «Unimogs» que passavam com soldados eram praticamente assaltados pela multidão; rádios-portáteis lançavam para o ar estridentes marchas militares; comunicados eram escutados em grupos compactos reunidos em torno dos aparelhos e o «Viva Portugal!» finnal sublinhado por aclamações da multidão. Grupos de jovens trabalhadores e estudantes divulgavam comunicados; entretanto, soldados e oficiais pediam às pessoas para dispersarem e recolherem às residências. Os automobilistas eram também abordados para alterarem o seu percurso e dispersarem pelas ruas circundantes.

Cerca da meia-noite, no entanto, a festa continuava.