segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24941: Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro (1931-1939) - Parte VII: "Caçadas coloniais", por Armando Zuzarte Cortesão (Boletim n.º 3, dezembro de 1932 - p. 27/28)



"Caçadas coloniais", pelo "engenheiro-agrónomo, dr. Armando Zuzarte Cortesão, primeiro agente rural nas colónias" (sic). 



1. Curioso artigo assinado pelo irmão de Jaime Cortesão (1884-1960) (médico e historiador, ligado ao grupo da "Seara Nova"), e pai do psiquiatra, psicanalista e professor universitário Eduardo Cortesão (1919-1991)... 

Quem era este homem, Armando Cortesão, que faz aqui o elogio das emoções fortes da caça grossa nas colónias? Foi uma completa surpresa para mim, conhecia-o apenas como historiador e oposicionista ao Estado Novo, ignorava o seu passado como administrador colonial bem como o seu exilio em Londres onde durante  a segunda guerra mundial foi operador de antiaéreas.... 

O pequeno artigo, que a seguir reproduzimos, sobre a caça em África, tem que ser lido à luz da mentalidade e costumes (coloniais) da época: "Só quem nunca matou caça grossa desconhece as maravilhosas sensações que esse desporto nos desperta"...

Desporto? Os nossos camaradas, apologistas ou contestatários da caça grossa (nomeadamente nas nossas antigas colónias), têm aqui interessante matéria para comentar (**)... Do elogio da caça podemos passar ao elogio dos "touros de morte", dos "desportos radicais", mas também... da "guerra", dos "snippers", por que não?!... 

O tema, seguramente, não é "pacífico", para mais hoje, onde há crescentes preocupações com as dramáticas alterações climátcas, a perda da biodiversidade, a extinção de muitas espécies (da fauna e da flora, nomeadamente em África, onde elefantes, rinocerontes, leões, etc. só em reservas e parques podem ser avistados).

Sobre o autor, recorramos à Wikipedia e à  excelebte entrada no Dicionário de Historiadores Portugueses:

(i) Armando de Freitas Zuzarte Cortesão (Coimbra, 1891 - LIsboa, 1977);

(ii) foi engenheiro agrónomo, administrador colonial e historiador português;

(iii) representou Portugal nos Jogos Olímpicos de 1912, nas provas de 400 e 800 metros de atletismo;

(iv) diplomou-se em Agronomia no Instituto Superior de Agronomia, de Lisboa, em 1913;


(v) como agrónomo, efetuou diversas  missões  às Américas, Índias Ocidentais, Guiné, Senegal e S. Tomé,  de 1914 a 1920, sobre as quais publica vários estudos e artigos, 

(vi) dirigiu o Departamento de Agricultura de São Tomé e Príncipe (1916-1920);

(vii) foi chefe da repartição de Agricultura do Ministério das Colónias até 1925;

(viii) foi responsável pela Agência Geral das Colónias (1925-1932), e primeiro diretor do respetivo Boletim (em 1935, passa a chamar-e "Boletim Geral das Colónias", e, em 1951,   "Boletim Geral do Ultramar");

(ix)  anti-salazarista, passou os vinte anos seguintes no exílio (nomeadamente em Espanha e  Inglaterra, onde participou, como voluntário, na defesa antiaérea de Londres, e depois em França, onde trabalhou na Unesco), tendo regressado a Portugal em 1952 para leccionar na Universidade de Coimbra;

(x) como historiador especializou-se em cartografia antiga: publicou "Portugaliæ Monumenta Cartographica" (em coautoria com o comandante Teixeira da Mota), Comissão para as Comemorações do V Centenário da Morte do infante D. Henrique, 1960/62 (seis volumes).

(xi) tem também colaboração na "Gazeta das colónias: semanário de propaganda e defesa das colónias" (1924/26), de que se publicaram 41 números.

O artigo "Caçadas coloniais" foi publicado no Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro, em 1932, na véspera de partir para o exílio, como aconteceu com tantas outras figuras da "intelligentsia" republicana. (*) 

O Boletim tinha como divisa "Pela raça, pela língua". Publicava-se no Rio de Janeiro e era de distribuição gratuita. Terminou abruptamente na véspera da II Guerra Mundial.

Sobre a caça, vd. também o poste recente P 24935.   (***)

2.  O "colonialismo republicano"  é melhor explicitado e explicado no Boletim da Agência Geral das Colónias, de que o  Armando Cortesão foi o ideólogo e o primeiro diretor... Citando o investigador brasileiro Marcelo Assunção, de que já aqui falámos, autor de uma tese de doutoramento sobre  o Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro (#):

(...) "É no Boletim da Agência Geral das Colônias em que é definida de forma mais substantiva e explícita os sentidos de uma publicação periódica de temática colonial. Armando Zuzarte Cortesão (1891-1977) (...), diretor da Agência Geral das Colónias e também diretor do seu boletim, em um artigo inaugural emblemático, explicita uma mudança na “ideia colonial” nos últimos vinte anos que se consubstancia, nomeadamente, nos “métodos” de ação dos “povos colonizadores” (CORTESÃO, 1925: 3). 

"Para ele, essa mudança decorre em razão do novo quadro dos 'idealismos humanitários' oriundos do tratado de Versalhes, interpretando os novos tempos a partir das seguintes orientações gerais:  'a) os indígenas das colónias devem ser considerados como seres humanos e não como simples animais, constituindo a sua educação e bem estar numa missão sagrada que a civilização delega aos povos colonizadores; b) a humanidade carece das riquezas inexploradas das vastas regiões coloniais, exigindo dos povos que as detêm a sua rápida utilização '(CORTESÃO, 1924: 3).

"Reitera que os princípios do 'colonialismo humano', próprios do pós-guerra, já eram pressupostos tácitos à prática do colonialismo português desde suas origens (CORTESÃO, 1924: 4). Apesar de tecer algumas críticas, aponta também que a gestão portuguesa com relação à regulamentação do trabalho indígena e o investimento nas infraestruturas coloniais estava de acordo com os propósitos agora instituídos internacionalmente pela Sociedade das Nações. Porém, assinala que o pouco conhecimento “científico” de Portugal sobre as suas próprias colônias deveria ser revertido para assim alcançar esse novo patamar da ideia colonial, afirmando o papel dos periódicos, e do boletim em questão, nesse processo" (...)

(#)  Fonte: ASSUNÇÃO, Marcelo, F. M. - A sociedade luso-africana do Rio de Janeiro (1930-1939): uma vertente do colonialismo português em terras brasileiras. 2017. 324 f. Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2017, pp. 51/52.

Disponível em formato pdf em: http://repositorio.bc.ufg.br/tede/handle/tede/6960

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(***) Vd. poste de 9 de dezembro de  2023 > Guiné 61/74 - P24935: S(C)em comentários (21): A caça nos impérios coloniais europeus... ou um certa visão etnocêntrica dos velhos "africanistas"

6 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Revisitar o passado ajuda-nos a compreender melhor o presente... Neste caso, trata-se de perceber as "nuances" das três variantes do colonialismo português: monárquico, republicano e salazarista...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Há "nuances" nas três variantés do colonialismo português, monárquico, republicano e salazarista, para além do "nacionalismo imperial" comum aos três...

O salazarismo, no que respeitou às colónias, caracterizou-se pelo centralismo e o autoritarismo... Os republicanos assumiam-se como colonialistas sem complexos.A questão do "trabalho forçado" foi uma das "pedras no sapato" que levou homens como Henrique Galvão em entrar em ruptura com o salazarismo...

Joaquim Luis Fernandes disse...

)" os indígenas das colónias devem ser considerados como seres humanos e não como simples animais, constituindo a sua educação e bem estar numa missão sagrada que a civilização delega aos povos colonizadores; b) a humanidade carece das riquezas inexploradas das vastas regiões coloniais, exigindo dos povos que as detêm a sua rápida utilização '(CORTESÃO, 1924: 3).#

Tivessem estes princípios, sido postos em prática, no meio século antes do eclodir das guerras "libertadoras" nas "Províncias Ultramarinas" e talvez a descolonização ocorresse doutro modo, com menores custos materiais e humanos, menos sofrimento, no antes, durante e após.

Mas não se diga que durante a colonização não foram praticados também atos de humanismo e de dignificação dos povos indígenas. O mesmo o atestam todas as benfeitorias criadas: Infraestruturas do desenvolvimento, escolas, hospitais, etc.

E mesmo durante a guerra, quantos gestos repassados de humanismo, foram praticados pelos nossos militares, junto das populações autóctones com quem interagiram!...
A este propósito, remeto para a leitura das pág.246 a 258, do livro "Tatuagens da Guerra da Guiné", já citado em comentário a poste anterior, que nos narra um feito admirável que ocorreu na "Operação Bem Fazer".

A História não deveria omitir o que de bom foi praticado, durante o período colonial, e mesmo durante o período da guerra.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Joaquim Luis, inteiramente de acordo: "A História não deveria omitir o que de bom foi praticado, durante o período colonial, e mesmo durante o período da guerra."... O passado não é para se diabolizar nem se santificar: é apenas para ser descrito, analisado, contextualizado, reconstituído, compreendido...

Armando Cortesão foi,reconhecidamente, um grande patriota, o que não o impediu de ser um anti-salazarista.

Valdemar Silva disse...

O irmão Jaime Cortesão, também anti-salazarista, escreveu a obra fascinante "História dos Descobrimentos Portugueses" (I-II-III), que é recomendável ler nestes dias frios e chuvosos de ficar em casa.
"..onde aponta que a causa dos descobrimentos foi o casamento entre a missão portuguesa de atacar os otomanos pelo Oriente e o projeto de fortalecer o reino de Portugal, por meio da quebra do monopólio do comércio genovês e mameluco de especiarias."

Valdemar Queiroz

Antº Rosinha disse...

Já vais em VII, aqui ultrapassaste o Beja Santos, à falsa fé!

Como BS não encontrou esta mina?

Olha que este caçador não passava de um caçador de coelhos a passear de automóvel.

Naquele tempo só se fosse de jeep Wilis naquelas estradas em terra.

Mas com quem o Salazar estava metido!

Mas quem queira saber de caça africana, que procure as publicações e livros de Henrique Galvão que é do mais completo que há, pelo menos em português.

Sobre caça, havia uns fiscais de caça, a quem Salazar proporcionou uma tal autoridade, cujas multas sobre certas espécies que hipotecavam a vida dos corajosos.

Esses fiscais tinham fama de incorruptíveis, em Angola.

Mas estes colonialistas, desde Norton de Matos, Galvão, até este caçador de automóvel, os que em 1961 eram antissalazaristas passaram a ser colonialistas, salazaristas, imperialistas, isto até o caruncho partir o pé da cadeira.

Com Marcelo ficaram exitantes.

E desses inteligentes todos, Henrique Galvão talvez o mais conhecido, por causa do Santa Maria, ele e os galegos programaram o assalto ao navio (assalto, Janeiro 61)muito antes do assalto à Casa da Reclusão em Luanda (Fevereiro 61) e a matança no norte de Angola (Março 61).

Galvão não alinhava com os galegos, se a cronologia dos acontecimentos tem sido inversa.

A tecla do salazarismo/colonialismo sempre foi uma tecla muito desafinada, mas quando sequer a história num certo tom, paciência!